sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

domingo, 29 de novembro de 2009

pó dos livros

Biblioteca Nacional do Luxemburgo, Sala dos Periódicos, 19.11.2009, 14h45

Duas cabeças grisalhas inclinadas sobre os jornais do dia nem dão pelo esplendor desta sala em abóboda nas traseiras do que é hoje a Biblioteca Nacional do Luxemburgo, mas que começou por ser há quase quatro séculos um colégio jesuíta. Querem ler o seu jornalinho sossegados, longe dos barulhos dos cafés e do frio luxemburguês que assola nesta época do ano os bancos dos jardins.

O silêncio é sepulcral. E terapêutico.

Pelas quatro amplas janelas em arco avista-se o pátio interior do edifício, o que devia ter sido outrora o antigo claustro. De onde chegam agora ruídos ensurdecedores de um martelo pneumático, apenas filtrado pela vidraça dupla. Mal este se cala, é um balde de pedras que cai do alto do andaime com grande estrondo nas lajes de pedra. Um trabalhador solta um "foda-se!" O outro responde-lhe lá para cima: "Caralho!"

Os velhos, absortos, não despregam os olhos das páginas dos jornais. Mas bufam.

Leio um artigo numa recente edição do Land sobre a imigração portuguesa. São já mais de 80 mil, escreve a Josée Hansen. Gosto do seu "golpe de lápis" (coup de crayon). Devem rondar os 85 a 90 mil, isso sim. Mas o Statec está sempre aquém da realidade, até porque muitos portugueses antes de se registarem como residentes moram em casa de familiares, amigos ou num quarto alugado de uma pensão e são assim, durante muito tempo, difíceis de recensear.

Se acrescentarmos a esses 85 a 90 mil mais 8 mil cabo-verdianos (embora oficialmente existem cerca de 5 mil, porque muitos estão ilegais e outros têm nacionalidade portuguesa ou luxemburguesa), cerca de 5 mil brasileiros (oficiosamente e segundo o meu conhecimento empírico do país), 300 guineenses e mais uma centena de outros lusófonos provenientes de países como Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe, - então ultrapassamos facilmente os 100 mil luso-falantes no Luxemburgo.

A estes devem ser ainda acrescentados entre 5 a 7 mil luxemburgueses de origem portuguesa e cabo-verdiana que optaram pela nacionalidade luxemburguesa desde os anos 80, extrapolação que faço a partir dos últimos números de naturalizações referenciados no site do Ministério da Justiça luxemburguês (981 naturalizações este ano e cerca de 4 mil nos últimos 14 anos, segundo dados avançados esta semana pelo Contacto).

Ou seja, há bem mais de 100 mil pessoas a falarem a língua portuguesa neste país, o que representa cerca de um quinto da população total. Ou melhor, uma pessoa sobre cinco que cruzamos na rua tem boas probabilidades de falar português. Quem conhece o país sabe que isto não está longe da realidade.

A comunidade portuguesa vai assentando no país como o pó nestes livros. Poisam leve, levemente. Poucos conseguem realmente mover os pesados volumes centímetros que seja.

Há muito arrumados e bem ordenados em prateleiras devidamente etiquetadas, estes reivindicam a sua posição imperiosa às recém-chegadas partículas ridículas, cerram fileiras, encostam-se ainda mais uns aos outros, muito peremptórios, repletos de verdades de outros séculos.

Com o passar dos anos alguns grãos de pó confundem-se com as capas desses livros, interessados em parecerem-se o mais possível com o que o título anuncia; outros impregnam-se neles, atravessam as lombadas e mudam-nos para sempre quase sem dar por isso, enriquecendo-os com o valor acrescentando de alguma parca sabedoria que cada grão de pó adquiriu ao longo da sua viagem pelos séculos; outros ainda sonham em ser celulose, papel, cartolina; e há finalmente os que sabem que vão abrir novos capítulos, tornar-se histórias à parte inteira.

Mas toda esta é uma (r)evolução lenta que demorará várias gerações. Porque há neste pó lusitano - que já se espalhou pelo mundo e que continua chegando há mais de quatro décadas a est'outras Colunas de Hércules - muitos grãos dóceis e tranquilos, poucos insurrectos, alguns ambiciosos, outros menos, mas em quase todos a vontade de evitar levantar poeira. E nem falar em correntes de ar. Um sopro de brisa demasiado forte podia desfazer os velhos livros corroídos, as vetustas prateleiras de madeira carunchosa, e todo o edifício vinha abaixo e lá se ia a glória desta grandiosa biblioteca.

Mas há neste pó luso mais metafísica do que na teoria de Lavoisier. E assim, com o vagar de quem sabe que os horizontes são sempre verticais, o pó trabalha para ser biblioteca. Nem que para isso tenha que regressar à terra, ser raiz e seiva e árvore e pasta de papel novamente, ser marcada com outros carácteres de imprensa e línguas novas, para se transformar finalmente em novas bibliotecas e futuros mais promissores.

sábado, 28 de novembro de 2009

Flogging Molly - The Worst Day Since Yesterday



Não tem nada a ver com o meu estado de espírito do momento, mas esta canção simplesmente agrada-me :-)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Charlies Angel's ....from Luxembourg

Liliana Nascimento e Joana Oliveira, as duas damas de Honor da Miss Portugal no Luxemburgo 2010, mas que eram, na minha humilde opinião, as mais bonitas
Foto: Paulo Lobo

domingo, 22 de novembro de 2009

Luva de lantejoulas de Michael Jackson vendida por 350 mil dólares

A luva de lantejoulas da mão esquerda que Michael Jackson lançou como nova moda em 1983 foi vendida sábado por 350 mil dólares num leilão, que decorreu no Hard Rock Cafe de Times Square, em Nova Iorque. A licitação havia começado nos 40 mil dólares. MJ envergou pela primeira vez a célebre luva num actuação em que mostrou também o seu célebre passo de dança, o "Moonwalk", ex-libris da canção "Billie Jean", e que se tornou noutra das modas que lançou nesse ano.

sábado, 21 de novembro de 2009

Esfinge absurda

"Vive a tua vida. Não sejas vivido por ela. Na verdade e no erro, no gozo e no mal estar, sê o teu próprio ser. Só poderás fazer isso sonhando, porque a tua vida real a tua vida humana é aquela que não é tua, mas dos outros. Assim, substituirás o sonho à vida e cuidarás apenas em que sonhes com a perfeição. Em todos os teus actos da vida real, desde o nascer até ao morrer, tu não ages: és agido; tu não vives: és vivido apenas. Torna-te, para os outros, uma esfinge absurda. Fecha-te, mas sem bater com a porta, na tua torre de marfim. E a tua torre de marfim és tu próprio. E se alguém te disser que isto é falso e absurdo não o acredites. Mas não acredites também no que te digo, porque não se deve acreditar em nada."

Bernardo Soares (aliás, Fernando Pessoa)
in "Livro do Desassossego"

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Van Rompuy presidente da UE! Uma escolha errada e uma injustiça feita a Juncker!

Como é que se pode escolher um político sem carisma e que nunca fez nada pela Europa para primeiro presidente da UE? O candidato do eixo Paris-Berlim, que passa assim de mansinho a mando de dois grandes países, contra tudo o que os líderes europeus diziam querer...

E é injusto para Juncker, que tanto fez pela Europa ao longo de tantos anos, não só durante as presidências luxemburguesas da UE como enquanto presidente do Eurogrupo.

E que dizer por terem nomeado uma britânica para representar diplomaticamente a UE? Além de outisder, qual a mensagem que se pretende enviar com esta escolha? Premiar o grande sentimento europeu dos ingleses?

A minha alma está parva.

Estou zangado, furioso.

Novo presidente da UE: Decisão tomada em torno de um jantarzinho

A decisão sobre quem será o primeiro presidente do Conselho da UE e o Alto Representante da diplomacia europeia é tomada esta noite, a partir das 18h, em torno de um jantarzinho em Bruxelas para o qual a presidência (rotativa) sueca da UE convocou os chefes de Estado e de Governo dos 27 Estados-membros da UE.

O anúncio da decisão deverá ser conhecido esta noite, pouco após as 21h15, hora prevista para a primeira conferência de imprensa.

Um Luxemburgo sem Juncker?

Hoje há "eleições presidenciais" da União Europeia mas nós, meros cidadãos, não podemos votar.

No Luxemburgo, sente-se um fervoroso apoio para que Juncker venha a ocupar esse posto. Por orgulho nacional. Porque entrará na história.

Mas a minha pergunta é: ok, e se for mesmo ele a ser o nomeado... quem o substitui nas rédeas do país?

Frieden, Biltgen? Qual destes dois homens está o melhor preparado para ser o digno sucessor?

Frieden é considerado demasiado grave e reservado. Mas dizem-no eficaz naquilo que faz. Talvez por isso seja bem mais popular que Biltgen junto dos luxemburgueses.

Biltgen é considerado um político com uma carreira política linear, sem grandes atritos. É mais extrovertido e com um trato mais popular do que Frieden. Junto dos estrangeiros, e nomeadamente dos portugueses, é o preferido, talvez por ter sido durante alguns anos presidente da associação Amizade Portugal-Luxemburgo (APL) e de ter assim lidado com a comunidade portuguesa, com quem também já tinha tido largos contactos na sua cidade, Esch/Alzette.

Só vendo em que direcção o sucessor de Juncker levará o país, é que se descobrirá se Juncker era afinal o tal super-homem político que todos, ainda hoje, dizem ser.

Só a partir daí é que se verá se estes longos anos de estabilidade económica e sociopolítica se deveram aos esforços de um só homem ou de um conjunto, se isso marca um passo histórico para a Europa, mas o descalabro para o Luxemburgo.

Sem lhe atribuir poderes messiánicos, a verdade é que a opinião pública no Luxemburgo considerava que só Juncker tinha carácter, calaboiço e dimensão para chefiar o país. E dentro do partido cristão-social CSV, esse quasi-messianismo ainda é mais verdade.

O CSV sabe pertinentemente que Juncker sempre foi maior que o próprio partido. Quantas vezes Juncker não propôs políticas a contra-corrente do partido, como a lei da dupla-nacionalidade, por exemplo, para citar apenas esta, e o partido foi obrigado, por arrasto, a transformar-se de opositor em protagonista.

O CSV sabe também que deve as últimas eleições um só homem. Caso Juncker tivesse partido para Bruxelas em 2004, quando foi proposto para presidente da Comissão Europeia (só depois de Juncker recusar é que foi proposto o nome de Durão Barroso!), os analistas políticos luxemburgueses conjecturavam que o CSV estaria condenado a perder as eleições de 2005. E quem sabe depois disso o que teria acontecido nas eleições de 2009.

Na altura, recorde-se, Juncker teve que literalmente prometer na campanha eleitoral que não trocaria o Luxemburgo por Bruxelas. Pelo menos, durante aquela legislatura. E o partido voltou a vencer, apesar de estar há 30 anos no poder.

E em 2005, os luxemburgueses só votaram no referendo a favor da Constituição Europeia para não perder Juncker, que havia ameaçado demitir-se se o texto não fosse aprovado pela população do Grão-Ducado.

Será Juncker o candidato perfeito para ser o primeiro presidente permanente da UE. É indiscutivelmente um cargo pelo qual ele ambiciona há muito.

Mas, para mim, pelo menos, o Luxemburgo pós-Juncker é uma grande incógnita. Maior do que qualquer partido ou político nacional poderia admitir publicamente.

Depois de Juncker, o dilúvio?

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

SouthAfrica 2010....here we come!

Portugal venceu hoje a Bósnia-Herzegovina por 1-0 e apurou-se assim para o Mundial de Futebol 2010 na África do Sul.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

À procura do "delfim" de Juncker

Ainda é apenas uma eventualidade, mas a possibilidade de o primeiro-ministro luxemburguês Jean-Claude Juncker poder vir a ser nomeado esta quinta-feira para presidir a UE faz com que nos bastidores da política luxemburguesa, se perfilem já dois sucessores ao seu cargo: François Biltgen e Luc Frieden.

O assunto será oficialmente discutido na direcção do partido cristão-social CSV a partir de quinta-feira. É nesse dia que os chefes de Estado e de Governo dos 27 Estados-membros da UE decidem em Bruxelas quem querem como primeiro presidente do Conselho da UE. Um presidente que pode assumir funções em Janeiro de 2010, caso assim os líderes europeus o decidam.

Se Juncker for o escolhido pelos 27 - e o chefe de Governo luxemburguês já disse que aceitaria o convite se este lhe fosse dirigido - o Luxemburgo fica sem o seu carismático primeiro-ministro dentro de pouco menos de mês e meio.

Enquanto alguns analistas consideram a nomeação de François Biltgen (à direita, na imagem) para chefe do Governo luxemburguês pouco provável e vêem Luc Frieden (à esquerda) como o favorito da população e de Juncker, outros pensam precisamente o contrário.

Aceitam-se apostas!

Mas quem se perfila desde já como provável delfim de Juncker?

Biltgen, de 51 anos, assume de momento pastas tão importantes como a Justiça, as Comunicações, o Ensino Superior e Investigação, e a Função Pública. Com pastas que são verdadeiros estaleiros de obras, Biltgen é um super-ministro difícil de substituir. Fosse ele nomeado para chefiar o Executivo, isso implicaria uma remodelação no Governo, uma redistribuição das pastas ou mesmo novas nomeações.

Biltgen entrou um ano depois de Frieden no Governo, em 1999, e tem sido um ministro com uma carreira linear e autor de políticas mais ou menos consensuais. Um dos seus (únicos) sucessos políticos foi, enquanto ministro do Trabalho, decidir tornar a ADEM – claramente ultrapassada pelo número crescente de desempregados –, numa agência com mais meios e outro tipo de gestão. Mas essa agência só será uma realidade, na melhor das hipóteses, no Verão de 2010, e o sucesso desta restruturação ainda está para provar.

Outro sucesso seu foi conseguir renovar a lei da imprensa em 2004 (datava de 1869!), enquanto ministro das Comunicações. Mas, em contrapartida, com o caso das buscas no CONTACTO que a Justiça luxemburguesa não considerou ilegais, é de questionar a sua autoridade como ministro da Tutela, na aplicação dessa mesma lei.

Biltgen é um ministro bem visto pelos estrangeiros e sobretudo pelos portugueses, simpatia granjeada durante o tempo em que foi presidente da associação Amizade Portugal-Luxemburgo (APL).

Mas junto dos luxemburgueses, Luc Frieden é bem mais popular. Cinco anos mais novo do que Biltgen, Frieden, a quem Juncker atribuiu apenas dois ministérios, mas dos mais importantes, o do Tesouro e o das Finanças, pode vir perfeitamente a cumular essas pastas com o cargo de chefe do Governo, sem que seja necessária uma remodelação governamental. O que seria do agrado dos eleitores luxemburgueses, diz quem conhece as idiossincrasias deste povo.

A seu favor, Frieden tem o facto de a opinião pública luxemburguesa o ver como um bom governante e um gestor sábio das contas públicas. Foi alvo de duras críticas por cumular, na última legislatura (2004-2009), a pasta da Justiça e a tutela da Polícia. Sobretudo quando se tratou de lidar com o famoso "Caso Boomeleeër" (bombista que assolou o Luxemburgo nos anos 80), em que polícias eram suspeitos de estar directamente envolvidos nos atentados bombistas.

Mesmo assim, a sua popularidade não baixou. No último inquérito sobre o político mais popular do país ("Politmonitor", publicado no "Luxemburger Wort", em Maio), Frieden foi o terceiro preferido dos luxemburgueses e o segundo do seu partido, logo depois de Juncker. Biltgen era sétimo na sondagem.

Outro dos sinais de que Frieden pode ser o "delfim" de Juncker é o facto de as carreiras políticas dos dois homens serem muito semelhantes. Frieden foi nomeado ministro muito cedo, aos 34 anos (Juncker aos 30 e Biltgen aos 40), e viu-se logo confiar uma pasta tão importante como a do Tesouro, pasta que Juncker também ocupou. Daí foi para as Finanças, seguindo as pisadas de Juncker. E como Juncker o fora antes (1989-1995), Frieden assume desde 1998 o cargo de governador do Banco Mundial.

Juncker e Biltgen têm em comum o facto de terem sido ministros do Trabalho, presidentes do CSV e de terem um temperamento popular e comunicativo. Frieden é um político mais reservado e grave.

Mas parece muito mais óbvio que a carreira de Frieden foi de certa forma "pilotada" por Juncker, numa intenção nada dissimulada de o preparar para a sucessão.

Sábado, o presidente cessante do CSV, Biltgen, disse apenas que, como a questão da sucessão de Juncker ainda não se coloca, não deve ser discutida. "Mas o partido dispõe de candidatos suficientes", ironizou.

José Luís Correia

Juncker, o candidato perfeito para presidir os destinos da UE?

O primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker, diz-se pronto para ser o primeiro presidente do Conselho da União Europeia. Uma ambição conhecida há muito, mas que pode estar prestes a tornar-se concreta, quando o Tratado de Lisboa, que institui a função, entrar em vigor, o que deverá acontecer a 1 de Dezembro.

O Tratado de Lisboa, que prevê a criação do cargo de presidente permanente do Conselho da União Europeia (UE), pode entrar em vigor no primeiro dia do mês seguinte à ratificação por todos os Estados-membros. O último país a ratificar o tratado foi a República Checa. O que marca como data possível para a entrada em vigor do tratado o dia 1 de Dezembro, se os líderes dos 27 Estados-membros assim o decidirem esta quinta-feira, em Bruxelas.

A criação desta função vai acabar com as presidências rotativas da UE, consideradas muito dispendiosas. A função passa a ser ocupada durante dois anos e meio por um candidato permanente a ser nomeado pelos líderes dos 27.

O Tratado de Lisboa prevê que o primeiro presidente do Conselho da UE pode entrar em funções a partir de Janeiro de 2010. Se realmente esse homem for Juncker, então o Luxemburgo vai perder o seu primeiro-ministro dentro em Janeiro. Nesse caso, a questão vai ser saber quem sucederá a Juncker.

Até quinta-feira, é necessário que os 27 se concertem e decidam sobre quem querem para este lugar.

Juncker, o europeu convicto

O primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker afirmou que não declinaria o convite para se tornar o primeiro presidente permanente do Conselho da União Europeia (UE), em entrevista ao jornal francês "Le Monde", na sua edição de 27 de Outubro.

"Se fosse convocado, não teria razão para recusar, com a condição de ser apoiado por ideias ambiciosas para este cargo", declarou Juncker na entrevista.

Há algum tempo que o nome de Juncker era citado como possível candidato para a função.

Embora seja facto notório no Luxemburgo que Juncker há muito ambiciona e se prepara para este cargo, esta foi a primeira vez que o chefe de Governo luxemburguês manifestou claramente a nível internacional o seu interesse.

"Aprendi que não é necessário apresentar-se como candidato para um cargo destes. É preciso deixar que chegue a chamada dos outros", pode ler-se no "Le Monde".

Entrevistado dois dias depois pelo "Luxemburger Wort", Juncker explicou que "não é candidato", mas que "não recusaria o convite dos chefes de Estado e de Governo europeus".

“Ao contrário de 2004, não prometi aos eleitores luxemburgueses que ficaria até ao fim do meu mandato no Luxemburgo. Por isso, não teria nenhum motivo para recusar esse convite", disse, manifestando, no entanto, dúvidas sobre as possibilidades da sua nomeação, face aos outros nomes que circulam.

Juncker aproveitou para recordar as qualidades da pessoa que deveria aceder a essa função.

“Num documento sobre as expectativas do Benelux, dizemos claramente que o presidente permanente do Conselho da UE tem de ser um homem que estabeleça métodos de comunidade confirmados. Além do tratado, não podemos aceitar que alguns aspectos políticos sejam discutidos por apenas alguns países membros. O presidente do Conselho tem de ser o primeiro defensor da União Europeia. O cargo não deverá servir para aumentar a sua glória pessoal. É uma função de responsabilidade, que supõe que se consiga encontrar acordos internos no conselho europeu”, declarou ao Wort.

Quanto à questão da ratificação do Tratado de Lisboa, Juncker considerava na semana passada (e antes que se soubesse que a República Checa pudesse vir a ratificar o tratado) que este podia vir a entrar em vigor ainda antes do fim do ano, "quando todas as questões (...) com a República Checa estiverem resolvidas".

Juncker é considerado por muitos líderes da UE como alguém de fortes convicções europeias. Enquanto veterano dos chefes de Governo europeus em exercício (desde 1995, mas integrando o Executivo desde 1981), os seus pares reconhecem-lhe como qualidades, além de longevidade política, a de este ter trabalhado ao longo das últimas duas décadas com afinco em prol da construção e da coesão europeias. Ainda antes de chefiar o Executivo grão-ducal, já Juncker demonstrava o seu empenho pela causa europeia.

Enquanto ministro das Finanças de Jacques Santer, foi um dos mestres-arquitectos do Tratado de Maastricht (1992). Este tratado transformou a CEE em UE, reforçou a colaboração entre Estados-membros, graças a uma política estrangeira e de segurança comum, instituindo ainda a cooperação policial e judiciária em matéria penal nos estados-membros.

Um dos arquitectos da Europa social e económica

O papel de Juncker foi sobretudo determinante na criação da União Económica e Monetária (UEM), que esse tratado também instituiu, e que viria a criar o "euro".

Em 1991, ao presidir o Conselho "Assuntos Económicos e Financeiros", Juncker redigiu ele mesmo algumas largas passagens no Tratado de Maastricht para a criação da UEM. E quando as negociações estavam comprometidas pela recusa de adesão do Reino Unido, foi o luxemburguês que sugeriu o conceito do "opting-out", o que desbloqueou a situação.

Em 1996, é mais uma vez um negociador bem sucedido ao deslindar a delicada situação que se tinha criado entre Helmut Kohl e Jacques Chirac sobre o Pacto de Estabilidade da UEM. A imprensa internacional chama-lhe nessa ocasião o "Herói de Dublim".

Durante a presidência luxemburguesa do Conselho da UE de 1997, Juncker apela a "uma Europa mais social", que responda às aspirações dos cidadãos comunitários. No conselho extraordinário europeu sobre o Emprego, em Novembro desse ano, Juncker, que além de chefe do Executivo luxemburguês, cumulava então a pasta das Finanças e do Emprego, propõe o Plano de Acção a favor do Emprego, que estipula que cada Estado-membro deve submeter-se a um plano anual nacional com critérios quantitativos e verificáveis de modo a lutar mais eficazmente contra o desemprego.

Um mês depois, é durante o Conselho Europeu do Luxemburgo que a UE abre as suas portas aos países do Leste Europeu (a adesão viria a dar-se em 2004). Na mesma cimeira, Juncker é um dos grandes incentivadores da criação do Euro 11, grupo de países membros da UEM (futura Zona Euro), entretanto rebaptizado Eurogrupo. Foi também por isso que quando tiveram que nomear um presidente permanente para o Eurogrupo, em Janeiro de 2005, a escolha dos ministros das Finanças da Zona Euro recaiu naturalmente sobre o luxemburguês. Políticos e analistas não têm poupado elogios à mestria com que tem chefiado este grupo de trabalho.

Aquando da presidência luxemburguesa de 2005, no Conselho Europeu de Março, Juncker consegue obter um acordo que reforma o Pacto de Estabilidade, sem alterar os princípios fundamentais do texto. Nessa cimeira, consegue ainda mobilizar os líderes europeus para relançar a Estratégia de Lisboa, adormecida desde 2000. Esta Estratégia visa fazer evoluir a sociedade e a economia europeias em matéria do conhecimento através de políticas que apostem nas novas tecnologias da informação, da investigação e do desenvolvimento, assim como acelerar as reformas estruturais para reforçar a competitividade e a inovação.

Juncker foi também governador do Banco Mundial entre 1989 e 1995, cargo em que ficaram conhecidas as suas posições em defesa da economia europeia. Desde então é também governador do Fundo Monetário Internacional (FMI) e governador do Banco Europeu para a Reconstrução e o desenvolvimento (BERD).

Juncker granjeou para si, pessoalmente, os louros por o Grão-Ducado ter votado em 2005 (com 56,52% dos votos) a favor da Constituição Europeia. O que veio apenas reforçar a nível internacional a ideia de que os luxemburgueses e o Luxemburgo são europeus convictos da primeira hora.

Recorde-se a este propósito o célebre episódio em que Juncker lançou o "ultimato" aos eleitores luxemburgueses de que se não votassem em favor da Constituição, ele se demitiria. Argumentou então dizendo que se os eleitores votassem contra a Constituição Europeia, era como se votassem contra o trabalho que ele próprio desenvolvera durante 10 anos. E o que poderia ter sido para muitos um suicídio político, foi para Juncker apenas a maneira de afirmar as suas convicções profundas, em nome e defesa da UE.

Frequentemente tem explicado esta sua convicção na UE, declarando que "é a construção europeia que tem garantido a paz e a estabilidade na Europa desde a II Guerra Mundial." Para Juncker, não se trata apenas de uma União económica e social, trata-se de assegurar um futuro comum.

Timothy Garton Ash, famoso jornalista do "The Guardian", no seu último livro "Facts are subversive", vê a coisa da mesma forma: "O que a Europa era há 60 anos continua a ser o argumento mais forte para a construção da UE".

A partir de 2001, foi sob o impulso de Juncker que o Grão-Ducado se tornou um dos países que mais investe na cooperação ao desenvolvimento (cerca de 0,8 % do PIB) em países-alvo de África (como Cabo Verde), Ásia e da América Latina. Porque Juncker sempre preconizou que é desse modo que se trava a imigração ilegal para a Europa e se fomenta a paz social com os imigrantes já radicados no Grão-Ducado, ele que sempre repudiou uma "Europa-muralha".

Os outros candidatos

Há outros candidatos em liça para o cargo, mas o que pode vir a determinar a preferência em favor de Juncker é o facto de a maioria dos Estados-membros dos 27 desejar como primeiro presidente da UE um representante de um pequeno país e que já tenha dado provas de integração europeia, ou seja, que faça parte do Espaço Schengen e/ou da Zona Euro. O Luxemburgo responde aos três critérios. Além de ser um país-fundador da UE.

A corrida dos potenciais presidenciáveis para um cargo que ainda nem existe à frente do Conselho da UE provoca tonturas, tal as reviravoltas de nomes que vão sendo atirados e tidos como "preferidos" por este ou aquele lóbi europeu.

O chefe do Governo belga, Herman Van Rompuy, é um dos últimos que se perfila. Segundo fontes diplomáticas europeias, Van Rompuy, de 62 anos, viu-lhe serem dirigidos convites insistentes por parte de vários chefes de Estado e de Governo europeus.

"O seu nome é alvo de consenso junto dos líderes europeus e mesmo de unanimidade", chegavam a assegurar recentemente fontes diplomáticas europeias, citadas por várias agências de imprensa e jornais internacionais.

A imprensa belga entrou no jogo e não lhe poupa elogios. Segundo o diário flamengo "De Standaard", Van Rompuy "não é candidato, mas é o favorito". Sobretudo se o assunto vier a ser decidido pelo eixo Paris-Berlim, lê-se no jornal, que cita um analista do britânico "The Guardian".

Para o diário francófono belga "La Dernière Heure", Van Rompuy alcança o consenso que os seus dois homólogos do Benelux, o holandês Jan Peter Balkenende e o luxemburguês Jean-Claude Juncker, não conseguem.

Outros lóbis belgas e europeus que vêem Van Rompuy como um candidato do eixo Paris-Berlim preferiam ver Jan Peter Balkenende, antigo primeiro-ministro da Bélgica, passar à frente de Van Rompuy.

Entretanto, nos corredores do Parlamento Europeu em Bruxelas sibila-se que os europeus gostariam até de ver, quiçá, uma mulher no posto de presidente da UE.

Os lóbis europeus anti-Juncker, que o acusam de ser um aguerrido defensor do sigilo bancário, lançaram entretanto o nome de Vaira Vika-Freiberga, ex-presidente da Letónia, que cumula as vantagens de ser oriunda de um pequeno Estado-membro e um dos mais recentes a ter aderido à UE.

Blair, caído em desgraça... ou ainda na corrida?

Ainda há pouco tempo, o nome mais badalado era o do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, agora relegado para último. Blair foi vítima do tradicional eurocepticismo inglês – o Reino Unido não faz parte da Zona Euro nem do Espaço Schengen –, algo que os demais europeus nunca entenderam. Mas Blair foi também vítima da sua política no Iraque.

E assim, foi debalde que Blair tentou obter o apoio dos líderes europeus ns últimas semanas. Bélgica, Holanda e Luxemburgo opuseram-se publicamente à sua candidatura. A França e a Alemanha mostraram muitas reticências.

Numa recente sondagem divulgado no Reino Unido, nem os apoios dos seus próprios concidadãos Blair mereceu como candidato a este cargo.

José Luís Correia

domingo, 15 de novembro de 2009

Nos tempos da profusão da comunicação


"E se comunicar fosse apenas a exposição das vísceras das ideias que se acumulam em cada dia nos confins do nosso inconsciente? E se a comunicação na pós-modernidade fosse apenas uma orgia sem fim que aproveita todos os meios para se concretizar. Orgia que vemos na publicidade, no jornalismo, no cinema, nas artes plásticas, nas conversas de café, no teatro, enfim, em todo o lado. (...) A obra como simples pretexto para a comunicação viral, e desejada pelo autor em tempo real. Festa da difusão. Profusão do texto como texto que tomamos como pretexto para falar. (...) O vazio para encher. Na imensidade do abismo, feito de continuidades imperceptíveis, encher dá a ilusão de conteúdo, uma esperança em perspectiva."



Juremir Machado da Silva
("Imaginaires barbares", in "Les Cahiers européens de l'imaginaire-La Barbarie", pág. 165, CNRS Editions, Janvier 2009)

sábado, 14 de novembro de 2009

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Novo livro de Luísa Costa Gomes: "Ilusão (ou o que quiserem)"

A escritora Luísa Costa Gomes lançou há pouco "Ilusão (ou o que quiserem)", na editora Dom Quixote. Esta obra marca o regresso da autora aos romances, depois de "Educação para a tristeza" (1999). A sua últioma obra em data, "A pirata", de 2006, era antes uma biografia ficcionada.

"Ilusão (ou o que quiserem)" conta a história de um actor e de uma professora e, aborda, por exemplo, o tema do mundo virtual "Second Life". Segundo a autora, o romance debruça-se sobre a problematização do naturalismo/realismo dominante.

"Vivemos hoje uma arte naturalista ou realista mas nunca fomos capazes de a problematizar e de pôr em causa esse realismo, é mais arte pop que outra coisa. Aquilo que eu queria que estivesse lá no romance era a problematização da relação entre a realidade, a ilusão e o realismo", disse na apresentação pública do romance.

Foto: do site da autora (será retirada se esta assim o solicitar)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

valter hugo mãe prepara novo romance para fevereiro

o poeta, cantor e romancista valter hugo mãe está a ultimar um novo romance, previsto estar nos escaparates em fevereiro. segundo o que li na imprensa, será uma história de um velho à espera da hora da morte.

a história explora o sentimento de espera da morte, da tristeza e do "inferno" que é para algumas pessoas a velhice, mas inclui também partes cómicas e loucas, confiou valter. o autor revela que esta história não será tão "acelerada" e "enlouquecida" como "o apocalipse dos trabalhadores", "o remorso de baltazar serapião" (prémio josé saramago 2007) ou "o nosso reino", os seus três anteriores romances. mas as minúsculas, que são uma das características da escrita do jovem escritor, não deverão desaparecer. como ele me confiou, quando tive o prazer de o entrevistar há ano e meio, a escolha das minúsculas deve-se à vontade de acelerar a narrativa e a leitura para o leitor.

além destes três romances, valter hugo mãe, 38 anos, natural de vila do conde e hoje residente na cidade do porto, é autor de várias recolhas poéticas e dois livros infantis. recentemente enveredou pelas lides musicais com a banda Governo, da qual é letrista e vocalista, e que inclui ainda henrique fernandes, antónio rafael e miguel pedro, estes dois últimos membros dos mão morta. o primeiro álbum "propaganda sentimental" já está à venda.

na sua breve passagem pelo luxemburgo, em abril de 2008, para participar na primavera dos poetas, depois de ler alguns dos seus poemas, recordo como valter fizera questão de dar um ar da sua graça (e da sua voz) entoando uma canção, o que revela que este projecto era uma vontade mais que latente do autor.

links úteis:
valter hugo mãe no myspace
site oficial de valter hugo mãe
casa de osso - o blogue do escritor
governo no myspace

p.s.: penso que a fotografia é do próprio valter e será retirada a pedido do autor

sábado, 7 de novembro de 2009

Cartas inéditas de T.S. Eliot desmentem fama de marido cruel e insensível

Cartas até agora inéditas que o poeta Thomas Stearns Eliot (1888-1965) escreveu nos anos 20 reflectem a sua preocupação pela mulher doente e desmentem a fama de marido cruel e insensível, pelo menos até ao internamento daquela numa clínica psiquiátrica.

Essas cartas, a que "The Sunday Times" se referiu na sua última edição, mostram um Eliot crescentemente desesperado com os problemas médicos de Vivien, com a qual se tinha casado em 1915, aos 26 anos.

Numa das cartas, enviada ao romancista e crítico John Middleton Murry, Eliot conta que a mulher passara tão mal que durante três dias ela tivera a sensação de que a mente lhe abandonara o corpo.

Eliot descreve a sua própria angústia: "Matei deliberadamente os meus sentidos, matei-me deliberadamente, para poder continuar com esta vida que é apenas exterior".

A fama do marido insensível que acabaria por internar a mulher num asilo psiquiátrico deve muito à obra de teatro "Tom e Viv", de Michael Hasting, estreada em 1984 e transposta para o cinema com Willem Dafoe no papel de Eliot e Miranda Richardson no de Vivien.

As cartas, compiladas com a ajuda da segunda mulher do poeta, Valerie, serão publicadas esta semana no Reino Unido.

Eliot, empregado no banco Lloyds de Londres, continuou o seu trabalho, de que não gostava, porque necessitava de ganhar dinheiro para manter na clínica a mulher doente, e ao mesmo tempo escrevia poesia e ocupava-se da revista literária "The Criterion".

O responsável da publicação das cartas, John Haffendon, disse não estar seguro de que as cartas possam ser tomadas "à letra", mas reconheceu que "estas e muitas outras deixam bem claros o seu desespero e a sua angústia".

Há também cartas da própria Vivien em que expressa ao poeta a sua preocupação e o seu amor por ele. Numa delas, datada de 1925, Vivien pede-lhe que a desculpe por o torturar e enlouquecer.

Um mês mais tarde, Vivien escreveu à criada do casal, Ellen, a pedir-lhe que dissesse ao marido que o amava e o amaria sempre.

Segundo o editor das cartas, tanto Eliot como a mulher estavam doentes, mas o certo é que ele e o cunhado acabaram por a internar num asilo psiquiátrico, onde permaneceria entre 1938 e 1947, um ano antes de o poeta ser distinguido com o Prémio Nobel de Literatura.

Sabe-se também que Eliot nunca a visitou na clínica, embora continuassem casados.

O segundo lote de cartas será publicado dentro de dois anos, e uma das principais revelações, assinalou o editor, é a de que Eliot, considerado um anti-semita, tinha amigos judeus.

A correspondência cruzada com um dos seus amigos, o académico norte-americano Horace Kellen, mostra que, durante a Segunda Guerra Mundial, o poeta ajudou refugiados judeus a fugirem para os Estados Unidos.

"Não há provas de anti-semitismo algum na correspondência que examinei", asseverou Haffenden.

Opinião diferente tem Anthony Julius, autor de um livro em que analisa os alegados sentimentos anti-semitas na obra Eliot e concretamente em poemas como "Gerontion", "Burbank with a Baedeker: Bleistein with a Cigar" e "Sweeney among the Nightingales".

Eliot - disse Julius ao 'The Sunday Times' - "fez-se eco dos lugares comuns existentes sobre os judeus e utilizou-os criativamente na sua poesia. Mas claro que é possível ter, ao mesmo tempo, amigos judeus. Todos temos as nossas contradições".

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Frédéric Beigbeder vence Prémio Renaudot pelo seu romance "Un roman français"

O prestigiado Prémio Renaudot foi atribuído segunda-feira ao escritor francês Frédéric Beigbeder pelo seu romance "Un roman français", que contou com a chancela da Grasset.

Frédéric Beigbeder nasceu a 21 de Setembro de 1965, é licenciado em Ciências Políticas pelo Institut d'Etudes Politiques de Paris, é também crítico e publicitário.

É autor, entre outros, de obras como "Mémoire d'un jeune homme dérangé" (1990), "Vacances dans le coma" (1994), "L'amour dure trois ans" (1997), "Nouvelles sous ecstasy" (1999), "Windows on the World" (2003), "L'égoïste romantique" (2005). Mas foi graças ao romance "99 francs" que se fez conhecer do grande público no ano 2000 e que passou a ser considerando um escritor mais do que simplesmente um criativo vindo do mundo da publicidade.

Como crítico literário escreveu em revistas como "Globe Hebdo" (1993-94), "Elle" (1995-96), "Paris Match" (1997),"Voici" (desde 1997), "Le Figaro Littéraire", "Lire" e "Technikart".

O prémio Renaudot do ensaio distinguiu Daniel Cordier por "Alias Caracalla" e o de Livro de Bolso, este ano atribuído pela primeira vez, Hubert Haddad, natural da Tunísia, por "Palestine".

domingo, 1 de novembro de 2009

dos oráculos, dos tempos e outros mistérios

Nunca fui de consultar pítias e oráculos, mas eles sempre souberam fazer chegar até mim as suas mensagens mais ou menos absconsas.

Assim, e segundo esses leitores das inúmeras linhas temporais que se vão desenhando, o rio Lethes devia ter-me levado na sua corrente do olvídio várias vezes antes de eu sequer poder chegar aos quatro anos de idade. Mas, com duas mães super-protectores em casa, passei a viver quase dentro de uma redoma. Talvez seja por isso que ainda hoje sinto que passei pela meninice quase sem dar por isso, como se flutuasse em algodão, como se fosse algo indistinto e impalpável. Mas feliz, com muito amor.

Depois, por um tempo o tempo pareceu ter-se esquecido de mim.

Aos treze anos fui eu que me persuadi a mim próprio que não chegaria aos quinze. Tinha-me identificado de tal maneira com o diário de Anne Frank, que andava a ler, que passei a acreditar intimamente que era a sua reincarnação. As nossas linhas do tempo teriam inefavelmente a mesma duração. Forcei as coincidências e encontrei tantos pontos comuns com a sua vida que era inegável que só podia ser isso. A conclusão era evidente: o meu tempo estava contado. Comecei a ter pensamentos negros e pintei a minha vida da mesma cor.

Por uns tempos, pelo menos. Nunca fui um pessimista. E é isso que tem sido a minha sorte.

Quando cheguei aos 16, a adolescência tornou-se mais prometedora e pensei que tinha escapado ao destino. Era um sovbrevivente.

Tinha eu 28 anos, os velhos vates voltaram a prevenir-me: afinal, eu não escapara, estava simplesmente a monte, do destino. A minha liberdade condicional duraria no máximo cinco anos.
Fiz o que me ordenavam os médicos e voltei a sobreviver.

Ontem, mais uma vez sem que fosse eu que fizesse apelo a eles, veio novo aviso. Como se o destino fosse duas forças opostas em constante batalha: a linha primária e as linhas secundárias.

Mas, escapei-lhe tantas vezes que já deixei de acreditar há muito tempo na providência.

Passei a acreditar no tempo, como uma coisa desdobrável, flexível, uma corda na dobra do universo. E eu um mero viajante. Preciso saber é agarrar a boa corda. Ou enganar-me, cair com o cu no chão e voltar a tentar.

Acredito hoje também que sou eu que desbravo os meus próprios trilhos com as forças e as fraquezas da minha energia vital. Decido eu por onde ir. Não ir por aí, mas por aqui, mesmo que seja um caminho errado. Mas é o meu caminho errado. E se for, hei-de corrigir a rota na próxima encruzilhada. Espanto as vozes, quebro as bolas de cristal no chão, com fracasso e estrondo. E mantenho-me fiel aos meus próprios astrolábios. Só sei viver assim.


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
(...)
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
(...)
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

"Cântico Negro", de José Régio
(in "Poemas de Deus e do Diabo", 1925)