sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Editorial de hoje no jornal CONTACTO: "E depois de Juncker"

A notícia recente de que o antigo ministro das Finanças luxemburguês vai trocar a política por um alto cargo na Deutsche Bank (ver pág. 6) provocou uma onda de indignação em todo o Grão-Ducado...

Não, nada disso! Não houve ninguém para questionar o conflito de interesses de alguém que durante 15 anos lidou de perto com a banca e agora vai trabalhar para esse mesmo sector. Minto. Houve uma voz que se indignou (apenas uma).

O deputado Justin Turpel, do Déi Lénk (minoritário no Parlamento, com apenas dois assentos), quer saber se o Governo vai pedir ao Comité da Ética que se pronuncie sobre esta “reorientação profissional”. O artigo 4.3.1. do código de deontologia para antigos membros do Governo estipula que os membros do executivo não podem exercer, num período de dois anos após deixarem o cargo, nenhuma função profissional ligada à sua antiga pasta.

Deve Frieden preocupar-se? Não! Primeiro, porque o Comité da Ética e o código de deontologia, criados em Fevereiro último, emanam do actual Governo e o ex-ministro cristão-social não parece sentir-se minimamente vinculado a nenhum dos dois. Depois, porque os pareceres desse comité são apenas consultivos. O parecer será tornado público, sem mais consequências. A não ser, quiçá, uma opinião pública negativa sobre aquele que chegou a ser considerado o “delfim” de Juncker.

Este caso lembra-me o de Jeannot Krecké, antigo ministro da Economia, sobre quem recaíram suspeitas de andar a preparar nos bastidores a sua “transferência” da vida política para um alto posto na Cargolux, contando com o apoio de fundos árabes, com quem tinha negociado meses antes a entrada como accionista na empresa luxemburguesa. Em 2011, o caso provocou escândalo e o ministro deixou efectivamente o Governo... para se dedicar à vela e não ao frete áereo.

Casos assim são tão frequentes na política portuguesa, europeia e até internacional, que já nem nos indignamos, nem ligamos, assistimos. O Luxemburgo não estava habituado a estas coisas. Até agora. Estarão os luxemburgueses a acostumar-se ao que de mais baixo e vil há na política, o tratar da sua própria vidinha antes de pensar no interesse da população, algo a que estamos tão habituados em Portugal, mas que era raro ver por terras grã-ducais?

O facto de Frieden deixar a vida política lança outras questões para o futuro, e sobretudo o do CSV. Frieden foi durante muito tempo considerado o sucessor de Juncker no partido e até mesmo na chefia do Governo, pelo menos até à derrota do partido nas últimas legislativas.

O CSV, “invisível” no Parlamento desde Dezembro, enfrenta agora o desafio de uma legislatura onde é minoritário e tem cinco anos para se recompor da derrota infligida e para preparar o regresso ao Governo, no próximo sufrágio, em 2018. Tudo isto sem o seu líder carismático, Jean-Claude Juncker, que em Setembro se muda para Bruxelas.

Os militantes do CSV acreditam que só um cabeça-de-lista com o carisma de Juncker (ou quase) conseguirá fazer voltar o partido ao Governo e repetir a sua “longevidade” no executivo, à semelhança do período 1979-2013.

Com a saída de François Biltgen do partido – que foi nomeado para o Tribunal de Contas da UE, em Outubro de 2013 -, que também era um possível candidato a cabeça-de-lista do CSV em 2018, que outras opções restam ao partido?

O actual presidente do CSV? Eleito em Março, Marc Spautz é mecânico de formação, entrou na política comunal em 1994 (Schifflange), foi secretário-geral do LCGB (1998-2009), chegou ao Parlamento em 2004, foi secretário-geral do partido (2009-2012), presidente do grupo parlamentar do CSV (2011-2013) e ministro da Família durante seis meses, em 2013.

E quanto a Claude Wiseler, o novo presidente da bancada parlamentar cristã-social? Foi secretário-geral do CSV (1995-2000), chegou ao Parlamento em 1999, foi vereador da capital (2000-2004), ministro da Função Pública (2004-200) e das Obras Públicas (2004-2013). É casado com a portuguesa Isabel Santos Lima, conselheira comunal da capital.

No entanto, Spautz e Wiseler – pelo pouco que conheço do primeiro e apesar da simpatia que me inspira o segundo -, não têm o carisma nem os apoios que Frieden e Biltgen tinham no partido. Ou será que antes de 2018 assistiremos ao regresso de Biltgen? O seu mandato no Tribunal de Contas termina em 2015, mas pode depois ser reconduzido por seis anos.

Uma outra opção do CSV parece ser Viviane Reding, comissária europeia da Justiça e dos Media, que em Setembro deixa o lugar, já que um outro luxemburguês – Juncker – fará parte da Comissão. Foi aliás graças a esta última pasta dos Media que Reding alcançou notoriedade, pois venceu o braço-de-ferro com as operadoras de telefonia móvel para fazer baixar os preços do ’roaming’. Entre 1978 e 1999, Reding foi jornalista no Luxemburger Wort. Em 1979 foi eleita para a Câmara dos Deputados, onde esteve até ser nomeada para Bruxelas (Comissão Prodi) em 1999, transitando depois para a Comissão Barroso. Como candidata a futura cabeça-de-lista do CSV, Reding tem do seu lado o facto de nunca ter sido ministra, de poder assim vir a protagonizar uma renovação de que o partido tanto precisa, e de contar com o reconhecimento que o seu cargo em Bruxelas lhe deu. O facto de ser uma mulher pode também jogar na vontade de o partido se mostrar mais moderno. Tudo isto depende, obviamente, de Reding querer ou não regressar à política doméstica ou se visa outros horizontes.

Destes nomes, quais são os que realmente vão ter o apoio dos militantes do CSV e quais são os que vão aceitar o desafio, mostrando já a partir de Setembro que preparam a agenda de 2018? A ’rentrée’ política o dirá.

Para já, disfrutemos da ’silly season’, de notícias mais leves e aproveitemos o bom tempo no Luxemburgo, enquanto dura.

José Luís Correia,
in CONTACTO, 16/07/2014

quinta-feira, 10 de julho de 2014

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Deolinda regressam a Dudelange a 12 de Julho


Depois de se terem estreado no Grão-Ducado em Outubro de 2010, em Dudelange, os Deolinda regressam à mesma cidade para um novo concerto, desta feita no Parc Leh’, no próximo sábado, 12 de Julho.

Os Deolinda são um quarteto lisboeta de música pop(ular) portuguesa acústica composto por Ana Bacalhau (voz), Pedro Silva Martins (guitarra e composição), Zé Pedro Leitão (contrabaixo e piano) e Luís Silva Martins (guitarra clássica, banjolim e “sinos”).

A música dos Deolinda está entre o fado e qualquer coisa de lisboeta, de vadio, boémio. É uma música que respira bom humor, alegria, vida, que mistura o castiço com a modernidade, tudo servido com sonoridades “roubadas” ao pop, ao jazz, ao samba, à ranchera mexicana e até à música do Haiti. A cereja no topo do bolo é a voz petulante e o gingar de Ana Bacalhau.

Nos últimos seis anos, o grupo dominou os tops de vendas com os multi-platinados álbuns “Canção ao Lado” (2008) e “2 Selos e um Carimbo” (2010), acumulando diversas distinções, tais como dois Globos de Ouro, um prémio Amália Rodrigues, um prémio José Afonso e um Songlines Music Award. Os Deolinda regressam agora ao Luxemburgo para apresentar o seu terceiro álbum de originais, “Mundo Pequenino”. Um dos músicos que participou neste álbum foi o percussionista Sérgio Nascimento. “Mundo Pequenino” foi gravado nos Boomstudios, em Vila Nova de Gaia, e foi produzido pelo britânico Jerry Boys e pela própria banda. O concerto dos Deolinda acontece no âmbito do festival de música “Summerstage”, no Parc Le’h, em Dudelange, e começa às 20h, no dia 12 de Julho. Os bilhetes custam 20 euros em pré-venda e 25 euros na bilheteira.

Os bilhetes para os três dias do festival custam 35 euros. Há ainda uma ementa especial “Summerstage”, disponível por 70 euros (que inclui um bilhete de entrada). Mais informações pelo tel. 51 99 90. ALINE

Aline Frazão também em palco

Aline Frazão é outro dos nomes lusófonos que sobem ao palco do “Summerstage” nessa noite. A cantora e compositora angolana Nasceu em Luanda, em 1988, mas vive actualmente em Barcelona.

Em 2011 lançou o seu primeiro disco de originais, “Clave Bantu”, com produção musical do contra-baixista cubano José Manuel Diaz. O disco conta ainda com duas parcerias com os escritores angolanos José Eduardo Agualusa e Ondjaki. “Movimento”, editado em 2013 pela PontoZurca, é o seu segundo álbum, onde assina a produção musical e a composição de todos os temas. Um deles é uma letra de Carlos Ferreira, jornalista e poeta angolano. Outro é o poema “Ronda”, de Alda Lara.

No palco, acompanham-na neste momento os músicos Marco Pombinho (piano e rhodes), Marcos Alves (bateria e percussão) e Francesco Valente (baixo e contrabaixo).

JLC
in CONTACTO, 09/07/2014

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Editorial: Uma nova era

O ano de 2014 parece psicológica, económica e politicamente favorável a ser um ponto de recomeço e de renovação.

O mundo financeiro fala na “retoma” e no fim de uma ressaca que dura desde 2008. Os indicadores económicos europeus e americanos parecem realmente querer voltar a arrancar. A última grande depressão, de 1929, durou quanto tempo? Cinco, seis, sete anos? Ou só se diluiu realmente sob o impulso económico da II Guerra Mundial?

A História, feita de golpes e contra-golpes, avanços e solavancos, detesta ’replays’. Muitas vezes são os homens que gostam de pensar que esta se repete e que eles – politólogos, historiadores, adivinhos – conseguem prever o que aí vem. A verdade é que nunca nada acontece duas vezes da mesma forma.

2014 não será como 1914 o fim de uma época e o início de uma nova era. No entanto, é curioso verificar que o século XX terminou da mesma forma como começou o seguinte. No pó. “O Século Sangrento” ou “A Era dos Extremos”, como lhe chamou Hobsbawn, findou no pó que ficou depois de o muro ruir em Berlim, o que permitiu reunificar a Alemanha e à UE crescer para leste.

O século XXI iniciou-se da mesma forma, com muros a ruir, os das torres gémeas de Nova Iorque. Mas enquanto o colapso do muro da vergonha permitiu reunir povos, a queda do World Trade Center tornou visível uma muralha que se tinha erguido num silêncio amordaçado por décadas de hegemonia ocidental e separava o eixo EUA/Europa, centrado num crescimento económico exponencial, e uma parte do mundo árabe, que se radicalizara. Este “segundo mundo” recusava continuar a ser explorado e a ser gerador da riqueza do primeiro. A jihad apregoada pelos fundamentalistas islâmicos não é uma guerra santa, mas económica.

Obama venceu duas eleições com a promessa de que marcaria a diferença com os seus predecessores. Externamente, não o tem conseguido, a retirada das tropas do Iraque e do Afeganistão está por cumprir, o petróleo ainda fala mais alto. Mas os EUA têm feito esforços para não continuar a depender tanto do exterior neste sector. Obama tem apostado, mais do que qualquer administração americana anterior, nas energias renováveis.

A “revolução” pode vir do interior mesmo do sector que tem comandado, mais do que qualquer outro, a política externa norte-americana no último meio-século. Os EUA acabam de autorizar os produtores americanos de brent a voltar a exportar petróleo bruto, algo que não acontecia desde o choque petrolífero de 1973. Esta decisão deve-se à exploração das jazidas de petróleo de xisto no seu próprio território, cujas reservas são estimadas em décadas. Esta autonomia energética, com a qual Washington não vivia há mais de 50 anos, pode levar a uma mudança completa da sua política externa e, consequentemente, de todo o xadrez mundial.

E a Europa, vive um novo alento? A Alemanha, a França, o Luxemburgo e até Portugal falam nos indicadores da retoma económica. Politicamente também, o tabuleiro europeu parece (re)compôr-se e anunciar uma nova era: Juncker, ano 1.

Porque será que David Cameron se mostrou tão hostil ao luxemburguês? Talvez porque sabe que aquilo de que a UE dividida e em crise precisa urgentemente é de alguém que federe e não que separe. Para o Reino Unido – que há mais de 30 anos está com um pé dentro, outro fora da UE e um olho em Washington –, uma Europa aos solavancos não prejudica os interesses insulares, muito pelo contrário.

Juncker é dos poucos políticos (senão o único) ainda em exercício a ter estado na negociação e assinatura do Tratado de Maastricht, que prevê uma UE ainda por acontecer. Talvez seja dos poucos também que neste momento saibam mostrar o caminho à UE, aquele para a qual foi pensada e fundada. A UE precisa de sair de dez anos de status quo barrosista, precisa de um representante forte e carismático. Será Juncker esse homem?

Na política nacional, durante 18 anos, Juncker foi o sucessor providencial de Werner e Santer. Com o seu falar franco, por vezes demasiado coloquial, não hesitou em ir a contra-corrente da opinião pública (os luxemburgueses pretendiam votar contra a Constituição Europeia, Juncker ameaçou demitir-se e os resultados do sufrágio desmentiram as intenções de voto) e mesmo dentro do próprio partido.

Claro que há insucessos na sua política – o preço do imobiliário, o voto dos estrangeiros nas legislativas, o insucesso escolar dos alunos estrangeiros, etc. – mas é preciso recordar que foi ele que esteve na origem das leis que permitiram o voto dos estrangeiros nas comunais, a dupla nacionalidade (durante anos o CSV foi contra ambas, mas finalmente adoptou a posição de Juncker), o aborto, a eutanásia e até a lei anti-tabaco (sendo ele próprio um grande fumador), bem como a do casamento homossexual.

Foi nomeado para primeiro presidente do Eurogrupo em 2005, cargo que exerceu de forma exímia durante oito anos. Foi sob o mandato do “Senhor Euro”, como era apelidado, que foram lançados os planos de salvamento dos bancos e dos Estados, e concebidos os mecanismos de socorro que deverão prevenir futuras fragilidades das economias europeias. Foi ainda um dos únicos a opôr-se de forma aberta e veemente à austeridade na Europa, que Merkel pretendia ainda mais rigorosa.

Não sei se Juncker terá remédio para todos os males da Europa. Pessoalmente, tenho a esperança que Juncker encontre uma solução para a calamidade humanitária que se vive diariamente às portas da UE e que constitui uma vergonha perante o exemplo civilizacional europeu que pretendemos dar: milhares de imigrantes africanos, entre eles muitas crianças, atravessam o Mediterrâneo em busca da Europa prometida. Muitos não chegam cá, as embarcações sobrelotadas viram-se e matam sem olhar a religiões, raças e idades. Os que chegam aos nossos portões, deparam-se com a fortaleza que a Frontex montou e são enxotados como moscas de volta para uma vida de miséria.

Quando Juncker era ministro das Finanças, o Luxemburgo apostou numa solução a longo prazo como uma das soluções à imigração: o investimento e a ajuda ao desenvolvimento no país de origem da imigração. O exemplo com Cabo Verde é expressivo: a cooperação ao desenvolvimento neste arquipélago ajudou a diminuir a imigração cabo-verdiana, em geral, e para o Grão-Ducado, em particular.

Para muitos políticos, Juncker tem um grande defeito: tem sempre uma opinião e não a cala, mesmo quando não é politicamente correcta. Um dia respondeu aos jornalistas: “Nós, os políticos, sabemos bem o que é preciso fazer [para resolver a crise financeira]. O que não sabemos é como ser reeleitos!”.

Sem falsos pudores sobre os seus próprios defeitos e qualidades, directo, sem saber falar “politiquês”, pragmático e prático, é de um homem assim que a UE precisa.

José Luís Correia,
in CONTACTO. 02/07/2014