sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

sábado, 27 de maio de 2017

Senaita

- Qual é o restaurante onde disseste que ias esta noite? - É um que tem "senaita" na ementa. - Isso é o quê? - É um prato gourmet. - Mas é carne ou é peixe? - É! - Hã?

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Editorial no Contacto: Todos os caminhos vão dar a Wiltz

Mercê de uma vontade conjunta entre os chefes de Estado de Portugal e do Luxemburgo, na quinta-feira todos os caminhos vão dar a Wiltz, uma localidade que é um dos símbolos do que une luxemburgueses e portugueses. 

No último editorial falava aqui de confluências que tinham criado um momento especial para Portugal. Parece que a triangulação cósmica raiou até ao Grão-Ducado e que o Presidente da República português é o portador desse facho de luz. A comunidade portuguesa do Luxemburgo terá assim também o seu momento especial.

Mercê de uma vontade comum entre chefes de Estado dos dois países, na quinta-feira todos os caminhos vão dar a Wiltz. Caminhos espirituais, sendas de fé, efemérides históricas e os passos despojados dos peregrinos. A pequena localidade do norte do país, que já é todos os anos na Quinta-Feira da Ascensão a Roma(ria) privilegiada dos fiéis portugueses e lusófonos, promete brilhar ainda mais este ano.

Os grão-duques Henri e Maria Teresa querem homenagear a comunidade portuguesa e encontraram na visita de Marcelo Rebelo de Sousa a ocasião perfeita para o fazer. Vão estar assim a acompanhar Marcelo a Wiltz, depois de já há alguns anos não participarem na peregrinação de Nossa Senhora de Fátima. Marcelo, que há muito queria visitar Wiltz, localidade geminada com Celorico de Basto, terra à qual está muito ligado afetivamente, pois são dali naturais seus avós paternos, disse logo que sim. É o que confia o próprio Presidente da República, em entrevista ao Contacto (edição de 24 de maio 2017). Junta-se o útil e o agradável ao simbólico.

Porque não há apenas o facto de Nossa Senhora ser em simultâneo padroeira de Portugal e do Grão-Ducado. Recorde-se que foi graças à grã-duquesa Mariana de Bragança, que teve apenas filhas com o grão-duque Guillaume IV, que hoje a Corte e o país são profundamente católicos.

Os chefes de Estado escolheram estar em Wiltz num ano em que se celebra simultaneamente os 50 anos da peregrinação ao norte do Luxemburgo e o centésimo das aparições em Fátima. Para lembrar a todos – portugueses e luxemburgueses – os laços que ligam os dois países, laços de sangue (o grão-duque tem duas bisavós portuguesas), de fé (Fátima), e de apego a uma terra, Wiltz, e por extensão, ao Grão-Ducado.

Wiltz que é por si só um símbolo do que liga luxemburgueses e portugueses, no que transportam de mais íntimo em si, a fé. Um santuário mandado construir por luxemburgueses em 1952, para cumprir uma promessa feita a Nossa Senhora de Fátima em 1945, a que os portugueses vieram, desde o final dos anos 60, a dar uma projeção nacional e internacional (vêm peregrinos de todos os países vizinhos do Grão-Ducado para a peregrinação). Como para mostrar que os portugueses pegaram no testemunho dos luxemburgueses e, tomando-o como seu, o sublimaram. Há melhor forma de mostrar que o que nos une é mais forte e mais profundo do que o que nos separa e diferencia?

José Luís Correia
24/05/2017 in Contacto

Poema ao Meu Amor Nunca



Ao meu amor único
porque foste única
como o único amor que fizemos
esse amor que tanto renegámos
esse amor que não queríamos
de tanto o querer
esse amor do qual ríamos
esse amor que amordaçámos
durante tanto tempo.


Esse amor foste tu
sem que eu nunca o proclamasse
sem que tu nunca o proferisses
e, no entanto, em tudo o que dizias,
em tudo o que fazíamos,
até no amor que díziamos não ser,
esse amor era e ardia.
E como ardia...


Nós sabíamos,
mas não queríamos.
Mas o amor tem quereres
e quer lá saber de nós.

Esse amor foste tu
esse amor foste tudo
tão pleno, tão inteiro,
nasceu tão espontâneo e natural
como dois estranhos
que se tivessem reconhecido
ao passar um pelo outro
no meio da multidão.
Tu, tão tu, simplesmente tu,
tão inteiramente tu,
e deste-te assim a mim
nua, despojada, entregue, verdadeira,
já sem máscaras... há maior dádiva?

E contigo pude ser eu,
mais eu do que jamais fui
mais eu do que jamais ousei ser
mais eu que até me desconhecia.

Esse amor foste tu
esse amor que dei de barato
numa madrugada perdida.
Esse amor que neguei
só o reconheci depois de já não o ter,
depois de já não te ter.

Ao meu amor nunca, que foi muito mais do que nenhum outro. 
Alexandre Gaspar Weytjens, 03-04/2017 -

domingo, 21 de maio de 2017

Agnieska

- Hum, a tua barba cheira tão bem, que fragrância é?
E acariciou-me docemente o queixo com uma mão, aproximou o seu rosto do meu, beijou-me a barba, deixando os lábios deslizar devagar pelos pêlos, com deleite, e voltou a beijar.

- Baunilha, acho que é baunilha...,
balbuciei eu, e procurei a sua boca, nasceu um beijo morno, e depois outro, e a minha língua descobriu a sua. As minhas mãos correram-lhe o corpo colado ao meu, arregaçaram-lhe o vestido branco até à cintura, e a minha língua ainda girava na sua quando os meus dedos escorregaram renda abaixo e a penetraram...

Mordeu-me o lábio inferior, agarrou-se aos meus ombros, e soltou um gemido contido...
- Não te contenhas, solta-te...
O vestido tinha voado e dois mamilos, como duas rosáceas em flor, observavam-me com espanto quando os engoli de um só trago. A sua pele era quente, doce, macia e cheirava a pimenta. Quando ela se sentou em mim era como se o meu corpo já conhecesse o seu. Agora, aqui jaz, o descanso da guerreira, silhueta curvilínea que se estende ao longo da minha, coxas demasiado grandes, nádegas bem desenhadas que recuam durante o sono e procuram a concha do meu corpo para se abrigar, o conforto da posição, a coluna vertebral saliente divide as costas como se serpenteasse, os ombros alvos de beijar e também eu adormeço...

AGW, 14042017

sábado, 20 de maio de 2017

CHEGA A NOITE



Chega a noite, essa insidiosa amante que tudo nos susurra o que não quisemos ouvir. Causa favor nos nossos corações humanos, tão contrária a si mesma, porque só assim tudo faz sentido. E os amantes e os verbos negados pelo silêncio dos lábios, amordaçados, sequestrados pelo vazio do não-ser, não suportam mais existirem apenas entre os interstícios dos átomos e, longe dos barulhos do mundo e do bem-parecer, gritam, proclamam: Eu sou!

AGW19042017

sexta-feira, 19 de maio de 2017

PEGA EM MIM




Pega em mim e vamos fugir de ti
vamos para outro lugar mais leve.
Leva-me contigo
apaguemos a lembrança deste tempo
leva-me pelas margens do Lethes
esse rio do esquecimento
mata-me as minhas sedes
onde seremos felizes
sem memória sem medo,
sem passado e sem história
e onde pudermos libertar
esta insustentável vontade de ser.
Leva-me pela mão sem tremer
pelas planícies da tua ousadia
anda, vem viver tudo
o que a tua coragem temia.
Pega em mim e vamos fugir de ti
vamos para outro lugar
mais leve que o ar
mais leve que a vida
mais leve que o ser
e que esta insustentável
vontade de foder.

AGW 29042017
Dessin: frimousse67/center blog

quinta-feira, 18 de maio de 2017

EDITORIAL: A vitória do anti-herói

Os portugueses continuam a precisar de heróis. No sábado, o cosmos conspirou para que uma sequência de acontecimentos felizes prometessem à pátria lusa um novo 13 de maio, uma epifania, um novo salvador. Portugal, país de fé.

E o universo parece ter-se dobrado à nossa vontade e concedeu-nos alguns instantes felizes e inesquecíveis no tempo. O jardim à beira-mar plantado, que tantas vezes acha que é mero quintal das traseiras, que se sente esquecido, olvidado, foi central. Pelo menos, durante 24 horas.

O Papa mostrou que Fátima é um dos maiores santuários católicos e isto perante o mundo e mais de um milhão de peregrinos. Para muitos, corrigiu uma injustiça: canonizou os pastorinhos Francisco e Jacinta, legitimando-os assim perante a Igreja e o mundo católico. Ao mesmo tempo, legitimou as aparições da Cova da Iria de 1917, que continuam a não obter consenso no próprio Vaticano.

Nessa mesma noite, os olhos e os corações lusos viraram-se para Kiev e desejaram e acreditaram num milagre completamente diferente. Há mais de meio século – 53 anos! – que os melhores compositores e músicos do "país dos poetas" concorrem ao Festival Eurovisão da Canção. Em vão. Nem ao top 5 chegaram. Outros países recém-chegados – arrivistas, dizem os nossos paladinos nacionais, invejosos que o rock ucraniano seja preferido à canção lusa –, “vendem-se” à língua inglesa e granjeiam o troféu. É a Letónia, a Turquia, o Azerbaijão, até a chauvinista França, que não vence desde 1977 (e nesse venceu graças à franco-portuguesa Marie Myriam), se faz agora representar no idioma de Shakespeare.

A imprensa e a elite portuguesas foram-se assim desinteressando do festival, por onde passaram nomes como France Gall, Julio Iglesias, Olivia Newton-John, Abba, Céline Dion ou Lara Fabian, mas que por ser um palco padastro passou a ser kitsch, piroso, inomável. A verdade é que a profusão de lantejoulas e o europop simplório que por ali pululam ainda hoje não ajudam a retirar-lhe essa fama.

Portugal manteve-se orgulhosamente só e fiel a cantar na sua língua. E eis que surge um novo bardo, primeiro troçado, depois encorajado, finalmente coroado. Vestiram-lhe as vestes sebastianistas, visivelmente demasiado largas para aqueles ombros frágeis. O nome parecia predestinado para salvar a honra lusa e até, quiçá, cumprir o Quinto Império. Quanta responsabilidade!

A verdade é que nem Portugal nem o Eurofestival precisam de heróis, apenas de simplicidade, de música genuína, de canções sem refrões bacocos, que isso é o suficiente para vencer e convencer até as plateias mais desvirtuadas pela indústria musical, que pensa saber o que o público gosta.

Talvez a Eurovisão mude de paradigma, e talvez agora as rádios portuguesas abram o espartilho do seu airplay a músicos como Salvador. Não precisamos de heróis, apenas de genuinidade. Foi essa a lição que Salvador nos deu.

A completar a coroa de glória, mas apenas para quem é benfiquista, o clube da Luz festejou o “tetra” e o 36° título nacional com uma megafesta no Marquês, onde a canção do Salvador também foi entoada.

José Luís Correia, 17/05/2017
in Contacto

domingo, 14 de maio de 2017

I love to dance with you even when there is no music. You know what they say? Dancing is a vertical manifestation of a horizontal desire...

sábado, 13 de maio de 2017

Elle s'est finalement déshabillé...

Elle s'est finalement déshabillé et m'a dit: "Tu ne tombes pas amoureux, hein!" Nous avons fait l'amour plusieurs fois ce week-end là. J'ai compris bien plus tard que l'avertissement elle le faisait a elle-même. Mais moi aussi j'en suis sorti blessé. Blessé en moi-même de ne pas pouvoir sentir pour elle ce qu'elle sentait pour moi...

Gomas de cereja



Cândido esplendor
tudo menos inocente
madrugada da minha perdição
foste relâmpago que me atravessou na noite escura
fogo que me arrancou do chão, luz tão pura,
sol a deflagrar sobre os meus oceanos
ventania que se alevantou sobre a minha plenitude
tempestade, terramoto, richter sete
o meu peito a rebentar em mosquete
pelotão de fuzilamento em riste
o 'teio' em desalinho
numa noite de desatino
e eu de peito rendido.

Como pode um coração ter dois amores
o teu, o meu, tão imperfeitos estes corações.
A mecânica imperfeita, desconcertada,
e nós à procura do conserto, do concerto, do que é certo...

Mas o amor quer lá saber,
o amor só tem quereres.
Como se o Amor fizesse sentido.
Tão tolos, tão loucos...

E nós, que queríamos tudo,
de tanto querer, quase fomos,
quase somos, quase-amor,
quase-vontade, quase tudo,
fomos quase nada.

E nós, que queríamos tudo,
este tanto-querer foi demais
chegou cedo, chegou tarde,
não chegou a ser.

Mas tu és, goma de cereja,
janela em flor, menina-sorriso,
olhos doces, gargalhada luminosa e genuína,
que mais posso eu querer do amor?

Juntos à beira do precipício,
a vertigem, o medo.
Vem, voa comigo! Saltei sozinho.
Ah, mas o voo...

E a queda vem sempre depois.
Enquanto não bater no chão, estou bem.
Menina, quanto tempo dura este voo?
E o que sobrou são gomas que guardei para ti
para te dar numa manhã de primavera que não aconteceu.

Alexandre Gaspar Weytjens, 03-04/2017

quinta-feira, 11 de maio de 2017

EDITORIAL: A França em marcha

Emmanuel Macron toma posse no domingo como oitavo Presidente da V República francesa, tornando-se o chefe de Estado mais novo de sempre do Hexágono.

Muitos veem nele a evolução e a revolução de que o país precisa, outros temem o resvalar num ultraliberalismo desenfreado. Uma leitura rápida do seu programa eleitoral dá-nos um vislumbre das suas linhas políticas nos próximos cinco anos.

A nível europeu, Macron quer ser o “desfibrilhador” da UE e relançar o bater do coração da Europa, i.e., o eixo Paris-Berlim, como resposta ao infarto que foi o Brexit, defende ainda a criação de um parlamento para a zona euro e a constituição de um fundo europeu para a defesa.

A nível doméstico, Macron quer: baixar os impostos às empresas, cortar no subsídio de desemprego, deixar de tributar as horas extraordinárias, “flexibilizar” a contratação e dispensa de trabalhadores, abolir o imposto predial para 80% dos lares, investir 15 mil milhões de euros na transição ecológica para reduzir a “dependência” do nuclear, contratar dez mil polícias, atribuir 15 mil milhões de euros à formação, criar cinco mil postos de docentes, reduzindo o número de alunos nas turmas a dezena e meia, cortar 120 mil empregos na administração pública, “ajustar” o sistema de pensões da Função Pública ao do setor privado, e, simultaneamente, aumentar a idade da reforma.

Mas, para isto tudo, Macron precisa de um Governo de maioria do seu lado. Depois do resultado que obteve domingo deverá, sem surpresas, alcançar essa maioria confortável nas legislativas de junho. O seu movimento “En Marche” transformou-se em partido na segunda-feira com o nome de “La République En Marche!” e a ele deverão aderir membros dos partidos tradicionais da esquerda e da direita. Se não o fizerem mostrar-se-ão incoerentes com o que defenderam entre a primeira e a segunda volta.

A França de Macron está em marcha. A pergunta é: que tipo de marcha? Os sindicatos franceses dizem-se atentos e prontos a lutar contra qualquer recuo a nível social.

Entretanto, na Frente Nacional (FN) respira-se um ar de pólvora, de implosão ou, pelo menos, de contestação da líder. Marine Le Pen não é afinal tão consensual como parecia desde o afastamento do pai, Jean-Marie. No domingo à noite, vozes no partido começaram a elevar-se e a criticar o seu exercício falhado no debate de quarta-feira frente a Macron, onde Marine perdeu a eleição, acusam. E aventam já o nome da sua sobrinha, Marion, por quem Marine nutre um ódio visceral, como em todas as boas famílias com egos sobredimensionados, para lhe suceder na liderança. Marine, que no domingo disse que a FN é já “o maior partido da oposição”, quer mudar o nome do partido, chegar a mais “patriotas” e provar que o resultado das presidenciais se pode refletir e até ampliar nas legislativas. Desse resultado pode depender o seu futuro na FN e a estratégia do partido para as presidenciais de 2022.

José Luís Correia, in Contacto, 10.05.2017

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De Amor não vi senão breves enganos.

Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro
Génio de vinganças!

Luís Vaz de Camões, "Sonetos"

terça-feira, 9 de maio de 2017

"Que para mim bastava Amor somente...", 
mas "do Amor não vi senão breves enganos"...

domingo, 7 de maio de 2017

Afastaste os cabelos...


Afastaste os cabelos, desvendando a nuca branca, o fio de prata e pediste para te ajudar. Desci cuidadosamente o fecho do vestido preto e achei as tuas costas e o desenho da tua coluna vertebral. As alças descaíram, o vestido escorregou até aos teus pés. Segurando-me no cetim dos teus seios, que me encheram as mãos trémulas, mordi os teus ombros, corri com a boca o teu pescoço, o nascer dos teus cabelos ruivos, abocanhei a tua orelha, os meus dedos procuraram as rosáceas a desabrochar dos teus mamilos, soltaste um gemido abafado e, num volte-face repentino, comeste a minha língua. As minhas mãos no teu rosto, como se temesse não acertar nos teus lábios que ainda estavam doces do champanhe, desfiaram os teus cabelos lisos e macios, desceram os teus flancos e arregaçaram caminho quantas vezes. Os meus dedos resvalaram a duna da tua barriga e descobriram-te molhada e desejada. Peguei-te firme pelas coxas, ergui-te por mim acima e mergulhaste o teu rosto em mim para mais um beijo arrancado e ofegante. E, não me contendo mais, lancei-te sobre a cama por fazer e fizemos o que tínhamos que fazer.  

AGW07052017

sexta-feira, 5 de maio de 2017

PEÇA EM 4 ACTOS PARA UM FIGURANTE



Hoje estou cansado
dos amores perfeitos
das rosas ofertadas
dos quartos de hotéis sem nome
das viagens incansáveis
do coração indomável
que se derrete por um beijo
das paixões ardentes
que se terminam em peitos
esventrados e cadentes
das noites de cio balofas
que se extinguem na inação do nada
dos desejos reprimidos,
dos seios oprimidos
do teu respirar ofegante e descontinuado
do medo alheio que te fere sem saber
da alma pura que não se aventura
e desconhece que, assim, envelhece

E dos haikus merdosos
do poeta prolixo e ranhoso
que invoca deus e o amor
sem nunca ter cruzado um
e ter humilhado o outro,
É indignado? Não, é indigno!

E depois existo eu,
no interstício abissal dos átomos,
o nada absoluto que quer ser tudo
figurante desta história
triste títere tétrico
do tempo, da geografia, do amor e da inglória.

AGW05052015

quinta-feira, 4 de maio de 2017

EDITORIAL: A forca ou a guilhotina?

Os franceses vão ter que escolher para chefe de Estado, no domingo, entre um ultraliberal, amigo da alta finança, e uma xenófoba fascista. O resultado pode e vai afetar-nos a todos, dentro e fora da UE.

É a história de um condenado à morte a quem o bom rei concede uma última graça: ele pode escolher como vai morrer, na forca ou na guilhotina. O homem encolhe os ombros e recusa escolher, porque o resultado será o mesmo.

O mesmo parecem responder muitos franceses quando confrontados com a pergunta se votarão Emmanuel Macron ou Marine Le Pen no próximo domingo. Mas será que abster-se é uma opção quando existe um perigo real e tangível de um regime fascista chegar ao poder de um dos países fundadores da União Europeia, um Estado que clama habitualmente tão alto ser “o país dos direitos do Homem”?

De um lado do ringue temos um ultraliberal, amigo e produto direto da alta finança e das grandes empresas, europeísta e federalista, o que até seria positivo nesta UE em desintegração acelerada, não fosse tudo o que mencionámos antes e, portanto, a Europa é para este um meio mais do que um fim para servir os interesses económicos.

 Do outro lado temos uma nacionalista, xenófoba, neofascista, anti-imigração, anti-africanos, anti-árabes, anti-refugiados, anti-UE, enfim, “anti” quase tudo, exceto os seus próprios interesses. Sim, porque é preciso não esquecer que embora Marine queira mostrar-se como próxima do povo, esse não é o seu meio. Marine é “filha de”, como se diz em França quando se quer falar de alguém de uma família privilegiada. Marine nasceu e cresceu numa família que enriqueceu à custa dos militantes da Frente Nacional, partido cuja caixa registadora e património se confundem com os bens dos Le Pen, a tal ponto que ela e o pai já tiveram que prestar contas à justiça e ao fisco franceses por diversas vezes.

Não esqueçamos que Marine “herdou” o partido, como se este verbo e este substantivo pudessem estar juntos na mesma frase numa democracia! O pai e antigos colaboradores nazis do regime de Vichy criaram o partido em 1972 e sempre defenderam uma França isolada e fascista. Não é a operação de cosmética e charme dos últimos meses que mudam o fundo de comércio dos Le Pen.

Estará a França perante um suicídio programado? O resultado está nas mãos dos franceses. Este é o terceiro editorial seguido que dedico inteiramente às presidenciais francesas, sem contar as outras vezes em que abordei o assunto ao falar dos populismos, dos recuos identitários, das derivas económicas ultraliberais, do recuo dos valores europeus, dos novos equilíbrios de força que estão a emergir e a deixar a Europa e o mundo resvalar para um canto sombrio da civilização que já ninguém pensava ser possível. O que está em jogo é decisivo, não só para França e para os franceses, mas para todos nós, que ainda vivemos em democracia, ainda vivemos na UE, ainda gozamos de paz. Ainda. Mas por quanto tempo? Vivemos tempos conturbados, na verdade.

José Luís Correia, in Contacto, 03.05.2017