sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Editorial no Jornal CONTACTO: "Ainda há estrelas no céu"

EDITORIAL POR JOSÉ LUÍS CORREIA - Na madrugada de segunda-feira, os insomníacos, ou apenas os curiosos, puderam ver no céu luxemburguês, habitualmente nublado, mas que naquela noite estava límpido e claro, o eclipse lunar de uma Super Lua, o que originou uma Lua Vermelha. Um fenómeno astronómico semelhante só voltará a ser observável nas nossas latitudes em 2033.

Mais tarde no mesmo dia, o planeta vermelho roubou a primeira página à Lua Vermelha, quando a NASA anunciou ter encontrado água líquida em Marte.

Já se sabia que o quarto planeta possuía água no estado sólido nas calotas polares, o rover Curiosity descobriu leitos secos de antigos rios e há indícios de que houve até um oceano no hemisfério norte marciano. Mas agora, foi a sonda Mars Reconnaissance Orbiter que detectou sinais espectrais de sais hidratados que aparecem e desaparecem sazonalmente em Marte. Tradução: há zonas do planeta onde existe água salgada líquida na Primavera e no Verão marcianos. Os cientistas pensam que essa água não provém do gelo do subsolo, mas da absorção do vapor de água da atmosfera nas estações quentes.

Porque é que esta descoberta é importante para nós? Porque o facto de haver água líquida em Marte permite pensar que pode existir vida microbiana marinha semelhante à que existe nos mares da Terra.

Em segundo lugar, porque a água é essencial para uma futura missão humana a Marte.

Em terceiro, porque saber se a vida como a conhecemos existe noutros mundos é uma das únicas portas de saída para quem acha, como eu, que nós não vamos conseguir salvar a Terra quando esta ficar exangue de recursos naturais, estéril e poluída.



De Marte para Cabo Verde. Algumas regiões do arquipélago fazem-me pensar nas planícies e montes marcianos, pelo menos as ilhas Sal e Fogo. Não é depreciativo. Os dois lugares têm em comum uma beleza rara, áspera, invulgar... e a falta de água. Apesar do nome, Cabo Verde é um país sem rios, onde chove apenas algumas semanas por ano e a seca extrema tudo ameaça, terras e gentes, e o futuro. Em países como este, a ajuda externa é fundamental.

Nesta edição, temos uma entrevista com o primeiro embaixador de Cabo Verde a residir no Luxemburgo. Já não era sem tempo. A comunidade cabo-verdiana que aqui está desde os anos 1960 (os primeiros vieram com B.I. português) já o justificava e as relações bilaterais entre os dois países também. Além disso, Cabo Verde é desde 1993 o país no qual o Luxemburgo mais tem investido na cooperação ao desenvolvimento.

Em mais de 20 anos, o Grão-Ducado apoiou o país com ajuda alimentar, a criação de habitações, infra-estruturas, saneamento básico e acesso à água. Graças a três Programas Indicativos de Cooperação (PIC), desde 2002 o Luxemburgo já enviou para Cabo Verde 138,5 milhões de euros.  Em Março, o Grão-Duque Henri esteve no arquipélago pela primeira vez para assinar um novo pacote de 45 milhões de euros, a utilizar até 2020 (PIC 4).

Para quem mora no Luxemburgo e visita Cabo Verde vem-nos um sentimento de orgulho por ver aqui e ali casas de saúde, centros de formação profissionais, escolas hoteleiras, escolas primárias e liceus com a menção “construído com o apoio da Cooperação luxemburguesa”. A Cooperação luxemburguesa em Cabo Verde devia ser um ”case study” para a UE e para o Mundo.

Ao exemplo do Luxemburgo contraponho o extremo oposto, o dos EUA. O Grão-Ducado investe no futuro de certos países, os EUA em si próprios. Se em vez de derrubar governos para controlar zonas petrolíferas, os americanos (e outros países como a França e o Reino Unido) tivessem negociado com o poder na Síria e no Iraque, o Estado Islâmico não teria nascido das cinzas e do caos, e não viveríamos hoje um êxodo calamitoso de refugiados.

Se os governos europeus e americano não fossem coniventes com certos ditadores africanos, as ajudas internacionais não seriam desviadas para engordar oligarcas iníquos em detrimento das populações locais. Há países africanos com tantas riquezas naturais que nem necessitariam da ajuda internacional. Mas é precisamente nesses países que o povo morre à fome, vive na miséria, não tem acesso à água e é empurrado a imigrar para a Europa. É investindo em certos países “frágeis” que se evita a imigração massiva.

A ONU propôs nos seus Objectivos do Milénio em 2000 – reafirmados no domingo em Nova Iorque, com a Agenda 2030 – que cada país rico deveria investir 1% do seu PIB para ajudar países pobres. Apenas o Luxemburgo, a Dinamarca, a Noruega, a Holanda e a Suécia cumprem esse objectivo, em mais de 190 países-membros da ONU, quase metade dos quais são considerados países desenvolvidos.

Felizmente, no Luxemburgo o exemplo não vem apenas de cima. Como resposta feliz aos queixumes e protestos nas redes sociais dos que são contra a vinda de refugiados veio a voz, mais alta, dos que logo agiram e reagiram, angariando bens e alimentos, e propondo-se até para acolher requerentes de asilo em casa.

Isto tudo faz-me acreditar no bem. Ainda há estrelas no céu. E na Terra. Valham-nos os homens e as mulheres de boa vontade. Faz mais quem quer do que quem pode.

José Luís Correia
in CONTACTO, 30/09/2015

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

"Estou sem paciência para o fim do Mundo" - Editorial no Jornal CONTACTO

Hoje é o 266° dia do ano. Hoje, o 266° Sumo Pontífice da Igreja Católica inicia a sua visita apostólica aos Estados Unidos, no primeiro dia de uma viagem que se prolonga até domingo e que o levará até Washington, Nova Iorque e Filadélfia. Francisco será o primeiro Papa a exprimir-se perante o congresso norte-americano. Um périplo que se segue a uma visita a Cuba, onde o Santo Padre se avistou com Fidel Castro, que passou décadas a perseguir os católicos.

Hoje, celebra-se também a mais importante festa judaica, o Yom Kipur, que significa “O Grande Perdão”. Amanhã, quinta-feira, tem lugar uma das mais significativas festas do calendário litúrgico muçulmano, o “Aïd al-Adha“, a “festa do sacrifício”. 266 dias é também o tempo da gestação humana, desde a concepção, entenda-se.

Uma coisa não tem nada a ver com outra mas, no entanto, há quem queira ver sinais nestas "confluências".

Uns vêem indícios de esperança, uma cada vez maior abertura do Vaticano ao mundo, pontes e pontos comuns entre as grandes religiões, que mostram que um aprofundar do diálogo interreligioso é possível e até salutar, como preconiza Francisco. Mas, também há, como sempre, os postilhões da “desgraça” a apregoar o fim dos tempos.

Basta percorrer a internet rapidamente para encontrar a lista de todas as catástrofes que nos esperam a partir de hoje e até domingo: a colisão de um asteróide com a Terra (o que a Nasa desmentiu em Julho), um novo colapso de Wall Street e o agravamento da crise financeira, atentados terroristas em catadupa e o caos global, guerra civil nos Estados Unidos, uma nova pandemia planetária, a Terceira Guerra Mundial, a chegada de alienígenas, mais do mesmo, etcêtera e tal.



Outra vez? Mas, esperem lá, o fim do Mundo não foi lá atrás? Não estava agendado para 1999, com o ’bug’ Y2K do milénio a anunciar a queda da estação espacial Mir em cima da Torre Eiffel? Ou estarei a confundir as coisas? A não ser que tivesse acontecido em 2012, e eu não tivesse reparado? Afinal, ainda cá estamos. Paco Rabanne enganou-se, é melhor a desenhar vestidos do que a fazer profecias (ainda bem para nós e para a moda), Nostradamus revelou-se um bom calculador de eclipses e mais nada, e o calendário maia é apenas isso, uma mera agenda hortícola e religiosa.

Depois dos fins dos mundos falhados de 1999, 2000 e 2012 pensei que os paladinos da escatologia apocalíptica tivessem, eles, os dias contados. Afinal, nada há de mais resiliente do que uma ferverosa fobia do fim do mundo.

Acrescente-se a estas coincidências mais uma, a “tétrade lunar” – termo astronómico que de repente comecei a ouvir na boca de pessoas que nem sabem descrever o que é um ecplise, mas que juram a pés juntos que esse é um sinal do Armagedão. Eu cá, que até gosto de astronomia, tive que procurar o significado.

A “tétrade lunar” descreve um fenómeno raro, mas não único (a última ocorreu em 2003-2004), quando quatro ecplises lunares totais acontecem consecutivamente num relativo curto espaço de tempo. Ora, depois dos eclipses lunares de 15 de Abril e 8 de Outubro de 2014, seguidos do de 4 de Abril de 2015, o quarto, em menos de 18 meses, acontece neste próximo domingo, 27 de Setembro. Como nestes eclipses o nosso planeta se interpõe entre o Sol e a Lua, a Terra projecta a sua sombra sobre o nosso satélite, eclipsando-o e dando-lhe uma cor alaranjada, o que popularizou designações como “lua vermelha” ou “lua de sangue”.

Os arautos do apocalipse, dos mitos e dos medos, pegaram nestas coincidências, rebuscaram a Bíblia, do livro da Revelação aos textos apócrifos, retiraram excertos do seu contexto e deturparam-nos para que se ajustassem, bem ou mal, aos seus presságios funestos. Tudo bem misturado num caldeirão grosseiro, com uma pitada de superstição, uma mão cheia de crendice, temperar com mau augúrio a gosto, alguns gramas de pavor néscio e a receita sibilina está no ponto. Aquecer q.b. em lume obscurantista, servir ao povão na internet ou na tv em formato de pseudo-documentário: pânico assegurado!

 Estes Bandarras-aprendizes, que poluem a internet, o pequeno ecrã e a minha caixa de e-mail como pítias pífias patéticas, devem ter muito tempo e paciência para este tipo de hobby, ou estão desempregados, ociosos e desesperados para querer arrastar o resto da Humanidade na sua paranóia depressiva. Eu estou sem paciência para o fim do mundo.

Quanto à chegada dos extraterrestres, que sempre são anunciados nos períodos escatológicos (coitados, eles sabem lá!), devem ter decidido a tempo não desembarcar neste pardieiro. Até consigo imaginar: E.T. phone home –“Está lá? Estes terráqueos são perigosos! Desembarque desconselhado. Estes gajos não se entendem nem entres eles, continuam à paulada desde o tempo das cavernas, não se aceitam entre si, deixam morrer crianças, famílias inteiras nas praias, no mar e no deserto, sem estender a mão. Como é que vão acolher seres de outro planeta? Eles pensam que isto é tudo deles. É melhor adiar o nosso projecto de abrir ali uma feitoria.”

Se por ventura existem, os ETs devem é ter medo de nós, esta região do universo é tóxica para qualquer tipo de vida inteligente. Não são os deuses que devem estar loucos. Nós, humanos, é que damos sinais de loucura e de suicídio colectivos todos os dias. Luz precisa-se!

José Luís Correia,
in CONTACTO, 23/'09/2015

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A minha relação platónica com a(s) Ciência(s)


Numa próxima vida serei cientista, apetece-me dizer depois de ler estes dois livros do biólogo e entomólogo Edward O. Wilson. Voltei a sentir a mesma paixão pela Ciência do que quando era criança. Não sei como me interessei pela Ciência, se foi gracas à paixão que Carl Sagan me conseguia transmitir no seu magnífico "Cosmos", se às emissões dos irmãos Bogdanov, se à série "Il était une fois...", se aos documentários televisivos que eu via, ou os livros que me ofereciam e eu devorava.

Desisti uma primeira vez de ser cientista quando percebi que a Matemática era uma das chaves obrigatórias para aceder a esse grande templo. Como na disciplina de "Rechnen" eu sempre tinha sido um aluno mediano, percebi que devia optar por outro caminho, talvez a escrita, talvez o ensino. Em caminho, fui seduzido pelo Jornalismo, ao qual também fui ter por acaso.

Matemática: bem me quer, mal me quer

Ao chegar ao liceu, no sétimo, voltei a ter esperança no meu amor renegado pela Ciência quando fui nesse ano lectivo o melhor aluno a Matemática.

O professor de Matemática - acho que se chamava qualquer coisa Cândido de Oliveira -, era um pequeno tirano, muito empertigado, seco e ríspido, ou dava ares de ser para nos intimidar. E funcionava. Todos tinhamos medo dele. Dava as aulas invariavelmente de fato e gravata, azuis como o seu Rover 213, o da bagageira alta, um modelo novo na época. Nós, os putos, para conjurar o medo, chamavamos-lhe 'Pinguim'.

Ele devia ter uns 30 anos, mas parecia mais velho, e não conseguia, ou não queria, mostrar empatia para com os alunos. Destilava a matéria a uma velocidade supersónica, as equações inundavam o quadro negro de uma ponta a outra, e antes que pudéssemos recopiar os hieróglifos, ele apagava tudo e já estava a explicar o que nem tinha começado a escrever no quadro ainda molhado. Aborrecia-se depressa com quem não entendia à primeira e chamava nomes a alguns dos alunos. Tinha sapiência, mas a pedagogia tinha ficado pelo caminho, se alguma vez a teve. A mim, o homem tratava-me bem, talvez por ser o melhor aluno. Não sei o que me aconteceu nesse ano, estávamos a ser iniciados a uma nova matéria e a mim tudo me parecia de repente óbvio e fácil, sentia-me iluminado e não entendia as dificuldades que os outros sentiam. Foi sol de pouca dura.

No oitavo ano, com 14 anos, tive uma paixoneta pela minha professora de Química, uma jovem talvez dez anos mais velha, alta, magrita, frágil, de óculos gigantes, um bocado desajeitada, mas gira, de voz doce e de cabelos à Whitney Houston, que me tresloucavam. Mostrei-me aplicado e interessado, o que me valeu boas notas na disciplina e mais uma vez pensei na Ciência como um futuro possível.

Mas no nono ano tropecei na realidade e o golpe de misericórdia foi-me desferido com a iniciação à Trigonometria. O professor era um antigo Comando, as lições pareciam operações militares, as noções eram ensinadas como se fossem ordens, os paus de giz a voar eram pelotões de fuzilamento, os testes eram teatros de guerra. Comparado com este professor, o 'Pinguim' tinha sido a Madre Teresa de Calcutá. Nesse ano, senti-me completamente perdido para a Matemática e, por conseguinte, para a Ciência.



O que me decidiu também a não seguir um curso científico não foi apenas a barreira da Matemática. Foi igualmente o estado da Ciência em Portugal no fim dos anos 1980, próximo do grau zero. Desde as aulas de Quimica, Fisica e Biologia ministradas sem paixão, em salas não adaptadas de escolas secundárias vetustas, por professores sem vocação, que preferiam estar num laboratório, entre estiletes, tubos de ensaio e amostras, do que a aturar jovens fedelhos, até ao desinteresse completo do Estado em investir neste sector.

Aconselho a este propósito um livro bastante explícito sobre este assunto, "Diálogos sobre Portugal" (1998), escrito a duas mãos por Mariana Pereira e pelo professor de Física e Biofísica Manuel Paiva (então na Faculdade de Medicina da ULB-Universidade Livre de Bruxelas, e que trabalhou com a NASA e a ESA).

Fascínio pela Ciência

Mais tarde, no primeiro ano da faculdade, a cadeira de Estatística voltou a provar-me que a Matemática não era minha amiga. Mas conservei o fascínio pelos números, as equações, a geometria, a teoria das probabilidades. Para mim, que tanto me orgulho de aprender fácil e rapidamente novas línguas, essa linguagem teimava em resistir-me, mostrava-se críptica, permanecia opaca, indecifrável. Afastei-me definitivamente da Matemática.

Mas da Ciência não. Interessei-me pela Astronomia (o céu nocturno do Verão algarvio é irresistível), pela Biologia Marinha (um dos primeiros cursos da então recém-inaugurada Universidade do Algarve), pela Física (a atracção dos corpos), pela Electrotecnia (despiste total), pela Vexologia (pus na cabeça decorar todas as bandeiras do mundo), pela Cartografia (ainda hoje tento coleccionar mapas antigos), pela História, que explorei na Universidade, e até pela Geografia, outra história de amor transviada.

Na Geografia sempre fui "aluno muito aplicado, mas de aproveitamento fraco", segundo anotação na minha caderneta do professor António Cerdeira, no oitavo ano. Para não me desanimar confiou-me que tinha sido professor 30 anos antes de um aluno "aplicado, mas de aproveitamento fraco" e que, apesar disso, tinha chegado a primeiro-ministro, o aluno Aníbal António Cavaco Silva, naquela mesma Escola Secundária Tomás Cabreira, em Faro, mas que na altura se chamava Serpa Pinto ou Escola Industrial,

Há dois anos, cruzei-me de novo com ela

Ha dois anos, cruzei-me de novo com ela, a Matemática. Tudo aconteceu quando decidi aprofundar os meus conhecimentos em Astronomia, Física, Física Quântica e Astrofísica, nas pesquisas que tenho de fazer para o romance de ficção científica que estou a escrever.

Fiquei de novo tão fascinado pelas equações dessas disciplinas e pelas ciências em geral, que fui logo a correr comprar, como um alarve, o livro "Gödel, Escher, Bach: An Eternal Golden Braid" (1979) de Douglas Hofstadter. Caí de bem alto. Massudo, compacto, denso, abordando noções e definições complexas, num discurso sábio, mas ininterrupto e nada conciso, o livro revelou-se-me impenetrável, ilegível, codificado, para alguém como eu com tão grandes lacunas a Matemática.

Edward O. Wilson é o Carl Sagan da Biologia

Voltemos a Edward O. Wilson. O primeiro livro que li dele foi "The Meaning of Human Existence" (2014). Comprei um exemplar para ter acesso à integralidade do capítulo intitulado "A Portrait of E.T.".

Eu procurava tudo o que pudesse sobre exobiologia, conjecturas sobre as possibilidades de vida no Sistema Solar e nos cerca de dois mil exoplanetas descobertos até hoje, as últimas notícias sobre os insectos extremófilos que existem nos fundos dos oceanos da Terra, etc. No seu livro, Wilson conjectura sobre as possíveis formas da vida alienígena, desde as mais simples e microbiológicas até a eventuais formas mais complexas ou mesmo inteligentes, responde a algumas das minhas dúvidas e fez até nascer outras, nas quais eu até nem tinha pensado.

No segundo, "Cartas a um Jovem Cientista" (2013, para a edição original em inglês), Wilson conta como despertou para a biologia, para a entomologia, e fala do seu amor pelas formigas. De repente, pareceu-me estar a mergulhar, de novo, com o mesmo fascínio dos meus tempos de juventude, no universo da trilogia "Les fourmis" (1991-96), de Bernard Werber.

Porque razão é que os livros de Wilson me levaram a pensar e a escrever aqui sobre as minhas relações complicadas com as ciências? Porque Wilson é o Sagan da Biologia. Fala com tal amor da sua disciplina, explica com palavras simples os fenómenos mais complexos, que nos seduz, embarca na sua paixão, no seu mundo.

Porque me fascina tanto a Ciência? Porque é, afinal, o caminho infinito para a compreensão do mundo e do universo.

Mas esta minha relação com a Ciência tem sido assim, um bem me quer, mal me quer, um amor renegado a que sempre regresso. Mas no final de cada nova incursão, sou sempre obrigado a admitir que no meu percurso académico, profissional e de vida não adquiri as ferramentas necessárias para poder dominar muitas das disciplinas que me fascinam. E o meu amor pela Ciência fica-se assim, na sua forma platónica, muito perto da estéril.

José Luís Correia
11/09/2015

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

"Refugiados e migrantes, bem-vindos!"

Refugiados e migrantes, sejam bem-vindos! É a voz, humana e humanitária, que começa a sobressair por entre os gritinhos histéricos da turba. A turba dos grupelhos de extrema-direita que ateiam fogo a centros de refugiados; a trupe grotesca dos governos politicamente correctos ’que se comovem, mas não se movem’, como criticou o primeiro-ministro italiano, Mateo Renzi, no domingo; o bloco sisudo, ainda mais grotesco, dos governos politicamente incorrectos, como o Reino Unido, que pensam “Não, vocês não têm a pigmentação suficientemente clara, a religão certa, a nacionalidade autorizada”, mas argumentam “A Europa não vos quer cá!”.

Imaginemos uma ilha, uma ilha pequenina. Um barco naufraga ao largo, centenas de pessoas ao mar em risco de se afogar, homens, mulheres e crianças. Por muito pequena que a ilha seja, como podemos não resgatar os náufragos e depois disso continuar a olharmo-nos ao espelho e a considerarmo-nos seres humanos?

Um continente não mais é do que uma ilha maior. O nosso e os outros continentes já cá estavam quando aqui chegámos e ainda hão-de existir depois de a Humanidade deixar de habitar este planeta. Então o que faz da Europa o nosso continente, a nossa propriedade? Não chegaram os nossos antepassados de África e do Médio Oriente? Sem eles, a Europa não era o que é hoje. Não desce(nde)mos todos da mesma “árvore”? Ou ainda há por aí uns que se acham símios a pulular e a ulular num ramo, “Este é meu, este é meu!”?

Imaginemos uma mão. Se nos derem a escolher, que dedos deixaremos que nos amputem? Pode o médio funcionar sozinho só porque é o maior, ou o polegar porque é o mais gordo? Imaginemos um mundo com cinco continentes. O nosso. Podemos construir muros e cercas de arame farpado para separar o que nem os mares conseguiram apartar? Ou entendemos finalmente que este mundo só avança com todos, ou esta ’dita’ civilização não tem futuro.

 “Não há lugar para toda a gente!”, vociferam-me, vituperam, insultam-me no Facebook, cada vez que defendo uma UE aberta e solidária, e repudio a Europa-fortaleza. O mesmo tipo de gente já dizia na década de 1970 que havia portugueses a mais no Luxemburgo. E, no entanto, foram esses portugueses que ajudaram a construir o Kirchberg, Belval, as torres de marfim da praça financeira e tudo o que faz do Grão-Ducado o país que é hoje. E quase, por certo, foram portugueses que construiram a vivendazinha ou o appartement grand standing onde vive anafada esse tipo de gente que gorgolha agora essas mesmas idiotices primárias e xenófobas.

Hoje, o Luxemburgo, Portugal, e a Europa em geral, precisam dos refugiados e dos migrantes. Toda a Europa tem a sua população a envelhecer. Por muitas campanhas de incentivo à natalidade que promovam neste ou naquele país, em 2030 a população activa da UE não será já suficiente para pagar as reformas ou para assegurar uma segurança social sustentável. O que fazer? Ou aumentamos brutalmente as quotizações sociais (ainda mais?), ou reduzimos os montantes das pensões (menos ainda?), ou deixamos entrar mais trabalhadores, mais migrantes. A matemática é simples. Não há muitos caminhos por onde escolher.

Você está disposto a trabalhar ’uma vida inteira’ e depois ter de abdicar da sua reforma, quando descontou para os outros durante 40 anos? Pois, também me parecia que não. Recusando estes refugiados e estes migrantes agora, é o nosso futuro que estamos a hipotecar. E o dos nossos filhos.

 Ou a Europa sabe agir e reagir, hoje e agora, face à catástrofe humanitária que está a acontecer às suas portas – no que já é considerado o maior movimento de populações desde a Segunda Guerra Mundial –, ou esta tragédia ficará como uma mancha negra e indelével nas páginas da nossa História. Os nossos filhos questionar-nos-ão sobre os dias de hoje. E, por muito que lhes tentarmos explicar que ’tínhamos medo’, que ’não havia lugar’, que ’não havia trabalho para todos’, eles olhar-nos-ão mudos e incrédulos com a nossa desumanidade, e só verão crueldade e cobardia na nossa apatia e indiferença perante o grito desesperado de outros seres humanos a pedir socorro e a morrerem aos milhares na soleira da nossa porta. Não poderemos dizer-lhes, como outros fizeram antes de nós: “Não sabíamos!”. Todos sabemos o que está acontecer.

“Só queremos viver!”, tentam explicar às câmaras de televisão os migrantes, antes de saltar com os seus filhos ao colo o arame farpado na Macedónia, na Hungria ou em Ceuta. Fogem de guerras que não fomentaram nem entendem. Outros tentam escapar da miséria de um continente que foi esquecido depois de ter sido deixado exangue pelos colonizadores. Nós temos a responsabilidade humana, moral e ética de acolher os refugiados. E até a responsabilidade legal, como signatários da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. Acima de tudo, eles precisam de nós, e nós precisamos deles.

José Luís Correia
in CONTACTO, 02/09/2015