sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 28 de junho de 2017

EDITORIAL: Luxemburgo solidário com Pedrógão Grande

Na última semana nasceu no Luxemburgo, de forma espontânea, um movimento de solidariedade para ajudar as vítimas do incêndio em Pedrógão Grande, e foi crescendo exponencialmente. 

Uma enorme onda de solidariedade para com as vítimas do incêndio em Pedrógão Grande varreu Portugal e as comunidades na última semana. No Luxemburgo foram muitos os que dedicaram a semana passada, incluindo serões, o feriado nacional luxemburguês e o fim de semana, em detrimento da família, da vida privada e até profissional, para trabalhar em prol das vítimas deste incêndio, reunindo bens e dinheiro, gerindo donativos e voluntários, multiplicando contactos para encontrar, numa primeira fase, locais de armazenamento para os produtos e pessoas para ajudar e, numa segunda fase, meios de transporte para levar tudo para Portugal. Um trabalho gigantesco, titânico, tentacular, que envolveu privados, associações, empresas e outras entidades, e se espalhou por todo o Grão-Ducado, de Mondorf a Differdange, de Belvaux a Dierkich.

Muitos foram também os luxemburgueses e estrangeiros que se solidarizaram, pois Portugal foi notícia em todos os media internacionais.

Espantoso quando se sabe que este movimento da sociedade civil nasceu, assim, de forma espontânea e cresceu exponencialmente ao longo dos dias. Incrível também o resultado, pelo tempo recorde para juntar tudo – cinco dias! – e enviar um camião e duas carrinhas para a zona sinistrada, e quando se sabe que mesmo depois dos pedidos para que as pessoas parem de dar bens, estes continuam a chegar, como se fosse mais fácil lançar esta “onda” do que pará-la.

A angariação dos donativos em dinheiro vai continuar até pelo menos meados de julho, com várias associações a juntarem-se naturalmente a este movimento e a aproveitarem as festas que já tinham agendadas para recolher fundos.

Parafraseando o Marquês de Pombal, depois de enterrados os mortos, agora é preciso cuidar dos vivos, que é exatamente para o que vão servir estes bens.

Para o Presidente da República, a prioridade agora é “acelerar a reconstrução”. Mas Marcelo sabe que mesmo se tudo indica que este foi um fogo que teve inicio devido a causas naturais é necessário “apurar tudo o que houver a apurar”.

Porque este não foi mais um incêndio florestal, foi o pior de todos! Arderam só naquele incêndio mais de 53 mil hectares de mata, quase metade de toda a área florestal ardida em todo o ano de 2016. Porque foi também o mais mortífero da história dos fogos florestais em Portugal e o 11° incêndio florestal mais mortífero a nível mundial. E porque Portugal é o sexto país onde mais se morre em grandes incêndios florestais.

É preciso apurar tudo o que houver para apurar, mas não ficar apenas por aí. É preciso mais prevenção e gerir as nossas matas de outra forma, ouvir o que os cientistas têm a dizer sobre a matéria e agir. Desta vez foram ceifadas muitas vidas: homens, mulheres e crianças. Temos três meses de verão pela frente, três meses de potenciais incêndios a gerir. Isto não pode acontecer nunca mais.

José Luís Correia, 
in Contacto, 28/06/2017

quinta-feira, 22 de junho de 2017

EDITORIAL no Contacto: Chamas, cinzas e luto

Como todos os anos quando há incêndios florestais, os portugueses ficam chocados e parecem acordar para uma calamidade que devora héctares de mata há décadas.

Mais uma vez, as chamas devastaram o jardim à beira-mar plantado. Jardim bem mal cuidado, de que falamos orgulhosamente mas carece de jardinagem e de jardineiro. Jardim do qual gabamos ao turista as bonitas flores, mas que basta este olhar melhor para ver as ervas daninhas. Matas onde se acumulam lixeiras ou aldeias sitiadas por labaredas não vendem postais.

A devastação que está a deixar o fogo que deflagrou no sábado no Pedrógão Grande – ainda não extinto à hora do fecho desta edição (após quatro dias!) –, faz já desta tragédia a mais pesada da história dos incêndios florestais em Portugal. As notícias das perdas humanas caíram como se fossem um eletrochoque junto dos portugueses. Um choque mais forte do que aqueles que nos sacodem nos verões em que morre um ou dois bombeiros, mas um eletrochoque que vem transvestido de uma falsa inocência. Porque mesmo se foram condições climatéricas invulgares que levaram ao início deste fogo, uma trovoada seca como dizem as autoridades, temos que nos questionar porque razão não sabemos lutar melhor contra esta calamidade que nos fustiga anualmente.

Questionemo-nos. Porque, afinal, somos todos culpados. Culpados de não fazer mais pressão junto do poder local e central que sabe há décadas que temos um país propenso aos fogos florestais. Culpados porque não denunciamos quem não limpa as suas próprias matas.

Culpados porque não condenamos o amigo que joga a beata de cigarro pela janela ao conduzir numa estrada pejada de um lado e de outro de eucaliptos, que são “autênticos bicos de gás acesos nas florestas” e só beneficiam a indústria madeireira, como denunciam os cientistas.

Culpados porque nos indignamos e comovemos nas redes sociais e nas televisões mas não agimos, não obrigamos o Governo a refundar o serviço dos guardas florestais, que foram integrados na GNR, a criar mais corporações de bombeiros profissionais, a revalorizar os bombeiros voluntários que ganham uns míseros 1,87 euros à hora e mesmo assim (a)correm, muitas vezes, para uma morte certa.

Culpados porque não questionamos o Executivo por que não investe em mais recursos humanos e materiais na prevenção de um holocausto (do grego “completamente queimado”) evitável.

Um pouco por todo o lado em Portugal, nas comunidades e também no Luxemburgo nascem movimentos solidários para com as vítimas dos incêndios.

Mas é essencial agir a montante e coragem política para implementar medidas que vão levar anos a ter efeito mas a termo farão recuar o número de fogos. É preciso investir na limpeza das matas e na reflorestação com espécies de árvores ditas “bombeiras”, que travam os incêndios, como os castanheiros, os carvalhos ou as bétulas. Também este é um investimento no turismo, mas sobretudo no futuro. Até agora, infelizmente, a política sempre optou pelas ações a curto prazo. Com o resultado que se vê.

José Luís Correia
in Contacto, 21/06/2017

sexta-feira, 16 de junho de 2017

HAIKONETO DIATRÍBICO





O poeta suturno quer amor e fama,

mas não tem chama.
Religiosamente escrevinha haikus,

Forja, finge, inventa inglórias e desterros.
Borboletas de luz
aproximam-se do buraco negro,

ficam presas, de asas queimadas no horizonte
de eventos onde nunca nada acontece.

JLC13062017

quinta-feira, 15 de junho de 2017

O QUE É O AMOR, AMOR?



Perguntaste-me “O que é o Amor, amor?”.
Eu sei que sabes, mas queres que eu diga.
E como posso não responder às tuas pupilas intranquilas,
quando ficam suspensas a aguardar a resposta dos meus lábios.

Eu balbucio, gaguejo, procuro as palavras
que se atropelam, vêm em frenético galope
ao som de um tambor tonitruante e nervoso
desde os vales verdejantes
que fizeste florescer no meu coração.

O corcel da frente pára de repente,
arfa, uma, duas vezes,
o seu olhar animal detém-se no teu
e repete para si mesmo: “O que é o Amor, amor?”

Há um silêncio longo
como a pausa interminável de um respirar.

Finalmente, a brisa que sopra levemente
quebra o instante surdo.

O corcel é agora alazão rampante,
nitra como metatrone, pujança gigantesca
que se ergue e que inteiro se sente,
força tranquila, plenitude serena,
ousadia destemida porque é capaz
de tudo.

Os seus músculos de adamastor
contorcem-se, dobram-se e desdobram-se
e abrem-se em asas vigorosas e gloriosas.
O Pégaso descola rumo aos céus,
rumo às estrelas.

O salto no vazio sem temer, o voo instintivo.

Os meus dedos acariciam o teu rosto
como se quisesse aprender os seus contornos
que já conheço, o desenho do teu nariz,
a cambraia dos teus lábios,
pousas a tua face na minha mão
como se tivesses chegado a casa.

E respondo: O Amor? O Amor és tu!,
e selo o que digo com um beijo.

E é beijar-te sem querer parar, e chegar-te a mim,
e fazeres parte dos meus braços.
E é o todas as canções de amor me falarem de ti,
e é o acordar com vontade dos teus olhos e da tua voz
e dos teus dedos nos meus, e da tua boca no meu peito...
é um querer-te bem sem saber de onde vem,
é simplesmente ser, deixar o sentimento acontecer,
deixar o coração ser mais do que mero músculo,
deixá-lo ir por aí, deixá-lo correr,
deixá-lo discutir com a razão e vencer.

E se nem a geografia nos quer,
se o planeta não encolhe,
se não posso espalmar os Alpes
num só revés de mão
e secar os rios e rasgar os lagos,
e aproximar os mares,
então o universo não faz sentido...

Mas os teus braços...

Os teus braços, os teus beijos
e os teus olhos e o teu corpo
são a minha rosa dos ventos,
a minha rota da seda,
o meu mapa de novos mundos
para além de mim.

O Amor é isso tudo
e tudo o que mais que não cabe aqui
e tudo o mais que não cabe em mim.
O Amor somos nós.
E isso a mim chega-me.
E se o que sinto por ti
e tu sentes por mim não é Amor,
então deveria ser,
porque não aceito outra explicação,
nem há outra definição.

AGW, 06062017

quinta-feira, 1 de junho de 2017

EDITORIAL: O repto dos 10 mil

No Luxemburgo, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deixou um repto: se houver 10 mil novos portugueses inscritos nos cadernos eleitorais até 13 de julho, voltará ao Grão-Ducado antes do fim do ano. 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve em visita ao Grão-Ducado entre segunda e quinta-feira, durante três dias e meio. E meio, porque o hiperativo Marcelo, que chegou na segunda-feira às 20h ao Findel, noite em que não tinha encontros na agenda oficial, logo aceitou uma entrevista com o Contacto e a Rádio Latina, falou às televisões portuguesas que o seguiam como a sua sombra, aceitou um convite do grão-duque Henri para descobrir a cidade do Luxemburgo “by night”, passeio durante o qual meteu conversa com transeuntes e “puxou” o habitualmente reservado soberano luxemburguês para entrar num café português, onde num televisor passava um jogo do seu clube do coração, o Sporting de Braga.

Durante os três dias, Marcelo, apesar de uma agenda carregada, incansavelmente pediu, apelou, repetiu para que os portugueses se inscrevam nas listas eleitorais das suas comunas de residência, para poderem votar nas eleições municipais de 8 de outubro próximo. A data limite para a inscrição é 13 de julho.

Marcelo confiou estar triste e não compreender as razões que levam os portugueses a não utilizarem este direito que lhes assiste para serem uma força ainda maior na sociedade luxemburguesa. No último dia da sua visita [quinta-feira], perante representantes da comunidade reunidos no Centro Camões, em Merl, subiu o tom e disse que se zangaria com os seus conterrâneos se estes não se inscrevessem.

Horas mais tarde, na sua última intervenção pública antes de deixar o Luxemburgo e dirigindo-se aos milhares de portugueses que o tinham vindo ver a Wiltz, uma multidão em euforia que gritava o seu nome, sentiu que graças à sua popularidade podia ir ainda mais longe. E deixou um repto: se houver 10 mil novos portugueses inscritos até 13 de julho voltará ao Grão-Ducado antes do fim do ano.

Apesar da popularidade de que goza Marcelo, própria de uma estrela pop como pudemos testemunhar em Wiltz, será muito difícil a comunidade portuguesa conseguir levar a bom termo o desafio. Seria necessário que entre o dia do “apelo de Marcelo”, 25 de maio, e a data de fim das inscrições, 13 de julho, a cada dia se inscrevessem 208 portugueses nos cadernos eleitorais. Só fretando autocarros e carrinhas e levando os portugueses em grupo até às comunas...

Fora de piada, seria possível se cada português se inscrevesse na sua comuna para se tornar uma força a nível político assim como já o é no mundo do trabalho e da economia. Porque só votando contará para partidos e governantes, só com a força do voto poderá exigir mais direitos para si e para os seus filhos.

O direito de voto nas eleições comunais existe desde 1999. Apenas 17 mil portugueses, dos mais de 100 mil que aqui moram, estão inscritos. É pena. É possível mudar a situação? É! Basta querer.

José Luís Correia
in Contacto, 31.05.2017