sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

sábado, 29 de março de 2014

Morreu Carlos Correia, ex-adido social da Embaixada de Portugal no Luxemburgo

Foto: Álvaro Cruz
Morreu Carlos Correia, ex-adido social da Embaixada de Portugal no Luxemburgo Carlos Pereira Correia, adido cultural da Embaixada de Portugal no Luxemburgo entre 2004 e 2012, morreu nesta sexta-feira. O antigo diplomata era actualmente chefe de gabinete do secretário de Estado das Comunidades.

“Lamento muito ter de informar que o Carlos Correia, meu chefe de gabinete faleceu hoje a meio da tarde, vitima de doença súbita. O Carlos era um grande Amigo com quem tive um percurso comum, de mais de 15 anos, ao serviço da causa das Comunidades. Era, sobretudo, UM HOMEM BOM, leal, generoso e muito dedicado. Paz à sua alma”, escreveu o secretário de Estado das Comunidades na sua página no Facebook, na sexta-feira.

Carlos Correia trabalhava como chefe de gabinete de José Cesário desde 2012, depois de ter estado durante oito anos no Luxemburgo, onde exerceu o cargo de adido social e cultural da Embaixada de Portugal, tendo ainda sido, entre 2006 e 2012, responsável pelo Instituto Camões no Grão-Ducado.

Depois da mensagem de José Cesário no Facebook multiplicaram-se as condolências na página do secretário de Estado, bem como mensagens sentidas em memória de Carlos Correia em páginas pessoais de responsáveis do movimento associativo português no Luxemburgo e de anónimos que privaram com o antigo diplomata.

“Acabei de ter a triste noticia que faleceu um grande amigo pessoal e um homem atento às migrações. O Dr. Carlos Correia, actual chefe de gabinete do secretário de Estado das Comunidades e ex-director do Instituto Camões do Luxemburgo, era um verdadeiro diplomata, sempre atento e sempre disponível. Obrigado Dr. Carlos Correia pelas suas últimas palavras de simpatia da passada terça-feira. Paz à sua alma e até um dia”, escreveu José Coimbra de Matos, presidente da Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo (CCPL), na sua cronologia no Facebook.

Foi também através do Facebook que se exprimiu Eduardo Dias, conselheiro das Comunidades pelo Luxemburgo. “Carlos Correia morreu. Era um diplomata e um homem de terreno. Sempre disponível. Profundamente chocado, recordo um homem dedicado, elegante no trato, sensível. Com todas as contradições, foi um modelo de funcionário, alto funcionário, leal. Tive o prazer de ter convivido com ele, no Luxemburgo e em Portugal. Era um amigo! Morreu cedo e não merecia. Descanse em Paz!”.

Também o deputado do PSD eleito pela Emigração deixou uma mensagem de homenagem a Carlos Correia na sua página Facebook. “O falecimento do Dr. Carlos Pereira Correia é uma grande perda para as comunidades portuguesas. No exercício de funções de chefe de Gabinete de vários secretários de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas e como conselheiro social em Paris, Luanda e Luxemburgo realizou um trabalho notável e que as comunidades não esquecem. Por onde passou deixou amigos e saudade porque era, antes de tudo, um homem bom. Não esqueço o apoio que me deu no início da minha carreira política pois sempre acreditou em mim e sempre mantive com ele uma relação de amizade, mas também tinha por ele uma enorme admiração. Sempre disponível, sempre pronto a ajudar os outros e, sobretudo, duma honestidade extraordinária. Lembro neste momento em que o Dr. Carlos Correia nos deixa os momentos que muitos de nós passaram com ele em Paris. Momentos inesquecíveis de encontros de amigos que nunca se apagarão. O que é importante na vida é a família e os amigos. Hoje perdemos um amigo e as comunidades portuguesas perderam alguém que era da sua família”, escreveu Gonçalves.

No momento da despedida, em Maio de 2012, ao CONTACTO, Carlos Correia garantia que não iria esquecer a sua passagem pelo Grão-Ducado. “Vivi no Luxemburgo uma experiência muito rica com a comunidade portuguesa, quer com o movimento associativo na sua globalidade – onde fiz muitos amigos –, quer na execução dos programas anuais de actividades do Instituto Camões. Levo a comunidade no coração”.

O funeral de Carlos Correia tem lugar no domingo à tarde na Igreja de Tercena, em Oeiras.

José Luís Correia 
(in CONTACTO.LU, 29/03/2014)

quinta-feira, 6 de março de 2014

Putin que o pariu

Uma guerra entre dois estados europeus em pleno século XXI só podia ser parida por um filho da Put(in), um ex-expiãozeco com azia soviética, que depois de se destacar como um medíocre agente secreto, foi relegado a mero funcionário diligente do KGB, e que hoje aspira – bolorento, paranóico e saudosista –, a restabelecer a antiga glória e grandeza da URSS.

Ao recorrer à escalada militar na Crimeia, enviando milhares de soldados russos para a Ucrânia, Vladimir Putin não só violou a integridade territorial de um país europeu, como prova definitivamente que nunca digeriu a queda do muro de Berlim e o consequente colapso da União Soviética, dois acontecimentos históricos que trouxeram mais estabilidade à Europa.

É o que todos nós acreditamos. Putin não! Mas será que ao acenar com a bandeira vermelha de uma guerra na Europa, que acende em nós as piores memórias da nossa história recente, Putin não estará a fazer bluff?

Quando algo acontece na actualidade e cujos contornos ainda permanecem indefinidos, quando os analistas políticos ainda não decifraram claramente as motivações dos quem e dos porquês, por deformação profissional coloco-me sempre a mesma questão: isto beneficia quem?

A resposta a que cheguei, no caso de uma eventual guerra Rússia-Ucrânia, é que não beneficia ninguém: nem a Rússia, que se quer impor como um parceiro sério no xadrez económico e político internacional; nem os EUA, a braços com uma crise económica interna e que não têm interesse em embarcar numa nova guerra, que os seus cidadãos nunca apoiariam; nem a UE, que tem tudo a perder com um conflito armado no seu seio; e muito menos a Ucrânia, que não quer ser palco de um teatro de guerra sangrento.

Mas, destes todos, talvez a Rússia seja o país que realmente mais tem a perder. O valor do rublo nunca esteve tão baixo e desde que a crise com a Ucrânia piorou, ainda se deteriorou mais. Ao lançar-se numa guerra com a Ucrânia, a Rússia arrisca-se a perder o seu lugar no G8, pelo qual tanto lutou nos últimos anos. Perderia também os seus melhores clientes do mercado do gás, cujas condutas atravessam a Ucrânia para chegar à UE. E veria parte da sua economia bloqueada, com as contas bancárias dos seus dirigentes e oligarcas congeladas na UE. Mesmo se graças a este braço-de-ferro com Kiev, Putin nunca esteve melhor nas sondagens domésticas, ao intervir na Crimeia perderia toda a credibilidade internacional, ele que tanto tem defendido a não-ingerência na guerra civil síria.

A Península da Crimeia (dez vezes maior do que o Luxemburgo), no sul da Ucrânia, é para a Rússia um ponto estratégico. Militar primeiro, porque é lá que está estacionada a frota russa do mar Negro, no que é também o seu único acesso ao Mediterrâneo. Político e cultural também, porque os russos são a nacionalidade dominante da região e porque, historicamente, a Crimeia sempre foi russa. A região foi doada por Khrushchev à Ucrânia em 1954. Na altura, o gesto foi simbólico, já que a Ucrânia e a Crimeia faziam parte da URSS.

Mas revelou-se um presente envenenado quando, em 1991, os ucranianos se tornaram independentes, e a Crimeia lutou para ser uma região autónoma, não sem suscitar tensões com Kiev. Para continuar a ter ali a sua frota, Moscovo concordou em pagar uma renda anual à Ucrânia, num acordo benéfico para ambos os países e que expira em 2042. Mas sempre que o Governo de Kiev adopta uma preferência pró-UE (esta não é a primeira vez!), em detrimento da aproximação ancestral com a Rússia, as tensões agudizam-se.

Para muitos ucranianos, destituir Ianukovich significou livrar-se de um ditador que servia os interesses de Moscovo e que nem ucraniano falava. Para os pró-russos, o novo regime de Kiev é fascista, aliena-os do estatuto de protectorado da Mãe-Rússia de que gozavam, e a destituição de Ianukovich foi um golpe de Estado, incentivado pela UE e pelos EUA, o que não está longe da verdade.

Como em tudo, aqui há muitas áreas cinzentas e sobretudo muitos interesses económicos. Moscovo teme que os seus interesses sejam prejudicados na Ucrânia, com quem tem acordos económicos, como o do gás russo exportado para a UE. Se a Ucrânia pedir a adesão à UE, Putin terá de desistir da ambicionada "União Euroasiática" – bloco económico e político que Putin almeja constituir face à UE, da qual fazem já parte o Cazaquistão e a Bielorússia (ambos governados por ditadores pró-russos) –, e que sem Kiev não faz sentido.

Tudo isto leva a pensar que Putin está a fazer bluff. Nos últimos dias tem dado uma no cravo, outra na ferradura. No sábado, enviou mais tropas para a Crimeia, no domingo aceitou a mediação de Angela Merkel para dialogar com Kiev, na segunda-feira lançou um ultimato à Ucrânia, na terça mandou os seus soldados na Crimeia regressar às casernas. Quo vadis?

A ser bluff, este serve como mera demonstração de força, que visa provar toda a magnanimidade de Putin quando este propuser outras opções à guerra. Moscovo deverá então propor mais vantagens económicas e políticas à Ucrânia para que esta não se aproxime da UE. Putin pode ainda apresentar-se como salvador da Crimeia, exigindo a independência da região, o que a Ucrânia tem todo em interesse em aceitar, pouco perdendo com essa opção. Putin tem de mostrar que a Rússia é um gigante que não se deixa demover pelos seus vizinhos, nem pela UE, nem pelos EUA, nem por ninguém.

O povo amordaçado da Bielorússia está de olhos postos na crise do vizinho ucraniano. E o ditador pró-russo que dirige o país também. Lukashenko não quer ser outro Ianukovich. Putin tem de ter tudo isto em consideração e não mostrar parte fraca ao que considera uma provocação da Ucrânia. O seu pior pesadelo seria que o afastamento da Ucrânia da órbita de Moscovo contagiasse outras ex-repúblicas soviéticas que continuam, de bom ou mau grado, fiéis servos da Rússia. É um jogo perigoso o de Putin. Perigoso para a Rússia e para todos nós na Europa, afastada que pensávamos a possibilidade de uma nova guerra no nosso continente, onde a UE tem sido o garante de uma paz duradoura entre Estados, outrora inimigos ancestrais durante séculos.

Esperemos que esta crise se resolva e se torne apenas uma linha num parágrafo menor da História da Europa. Esperemos que a Rússia perceba que o reino oligarca de Putin, que dura desde 1999, apenas favorece as elites e não os cidadãos, e o povo russo entenda o seu desígnio europeu, dentro da UE, ou de uma UE diferente, alargada, maior, que poderá até ter uma denominação diferente – porque não "União Euroasiática", estendendo-se de Lisboa a Vladivostok? –, sem uma Rússia dominadora, mas parceira.

Esperemos que o povo e os dirigentes da Rússia futura entendam que é a bem que se constitui uma união e não pela força. Todos os que o tentaram pela força fracassaram, desde Alexandre Magno a Hitler. Há que aprender com a História, para não repetir os erros do passado. Os erros pagam-se caro e custam muitas vidas.

José Luís Correia
(in Jornal CONTACTO, 05/03/2014)