sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

fora de tempo

é cedo? é tarde?
quem estabeleceu regras?
isso não? isso sim?
é inteligente? é alarve?
vens cá? não vens?
ai de nós! ai de mim!
estamos a tomar as decisões certas?
não somos vítimas, apenas reféns
da nossa utopia.
és minha? não queres ser minha?
pouco tempo, pouco tempo...
hoje não, outro dia!
hã, ... outro dia?
não tenho sede, estou sedento...

pouco tempo, pouco tempo...
e o passado a perseguir-nos,
tens de libertar-te dos farrapos,
velhos são os trapos
ainda há tempo
para conseguirmos tudo
os fantasmas estão em ti
acredita em mim
não quero mais ser mudo!
o que foi já não volta a ser
se tu também quiseres ver.

Vem, vamos começar algo de inteiramente novo,
inteiramente bom, inteiramente nós,
pego nos pincéis de cordel,
pegas na pauta de lós,
canta comigo, dança comigo,
olhos meus, lábios de mel,
vamos desenhar uma aurora luminosa,
com cores de ti e de mim,
iguais às manhãs de ouro e de cetim,
queres esquissar comigo a linha recta,
o destino, o futuro, o horizonte e o lume,
em que os outros não quiseram acreditar?
vamos tranformar,
todo este estrume,
em qualquer coisa de concreta,
em qualquer coisa de nós.

é agora? ou nunca?
temos tempo, temos tempo...
esperarei por ti, meu amor!
pensas que já não sei usar este músculo
chamado coração? sabes, fiz musculação ;-)
não morreu, não parou
mirrou, ficou minúsculo,
mas depois cresceu
com os teus olhos, os teus beijos, no teu céu
tomou fôlego, ruborizou
dá-me a tua mão,
devagar, um passo depois do outro,
não queremos que isto nasça torto!

Não tenhas medo
olha em frente
acordámos na aurora nova que resplandece
deixou de ser segredo
se quiseres acreditar
na tua estrela daqui em diante
na flor frágil que luta e cresce
que se agarra serôdia à terra
fora de tempo
como uma bela quimera
que nem a traição nem o vento
hã-de conseguir arrancar.
A nossa alma. O nosso Amor.


JLC310807

domingo, 26 de agosto de 2007

Fado cismado

Eu pensava que o fado
era uma sina torta
na mão de um desgraçado
que um dia te bate à porta
e que tu tens de aceitar calado.
[e que tu tens de receber calado]

Eu pensava que o fado
era apenas um xaile e uma canção
triste sobre a saudade e o passado
mas é o porão da minha alma apagada
e todo o novelo da minha vida magoada.

Eu pensava que o fado
era uma guitarra e uma nau que partem de um cais
[era uma guitarra numa nau que nunca mais regressa ao cais]
mas não o teu coração transviado
de já não me amares mais
de já não seres meu
como as estrelas pertencem ao céu.

Eu pensava que o fado
era sempre escrito pela mão de Deus.
Mas olha como corre no meu sangue,
na minha vida e na minha voz.
Eu cismava, mas agora canto
porque o fado fala-me de nós
do sopro que o teu coração deixou no meu.
[do rasto que a tua mão
deixou no meu coração]

JLC 260807 / Lago de Echternach
Vem comigo

A banda original sonora da minha vida está riscada
passo como um fantasma por ela
como se apenas a assombrasse
como se apenas tivesse dela
o ténue e translúcido retrato
que deixam os dedos suados
numa vidraça entre dois mundos indistintos.

Turista de universos paralelos
passageiro da vida
como se observasse tudo de outro lugar.

Devolveram-me o rascunho.
Desenha outro!, ordenaram-me.
Mas eu fiz birra, disse que já não queria, era o que faltava!
Desatei aos pontapés com a vida
e com um revés de mão violento
varri do estirador a minha dor
e todos os meus papéis certinhos
misturei o passado ao futuro
porque já não tenho, não estou nem sou presente.

Tinha saudades do que podia ser
procurava incansavelmente o círculo que não existe.
Tudo é apenas alucinação, vertigem
e eu caí na espiral, na miragem.

Preciso escapar de mim mesmo
para sair ileso daqui.
A vida é um caminho
que não vai dar a lugar nenhum,
mas tu gostas de pensar que sim,
porque é isso que te faz correr, pular, dançar, amar,
dar cambalhotas no lençol.

O nosso encontro não foi por acaso.
Acredito que tens de me dar a tua mão.
Eu também estou perdido,
mas juntos vamos conseguir sair daqui,
ou pelo menos não nos vamos perder em nós.

Não olhes para trás, já lá nos fizeram demasiado mal.
Eu sei que tens medo, agarra-te bem a mim.
O nosso encontro não foi por acaso.
Há um caminho que conduz a qualquer lado
não sei bem onde, mas não podemos ficar aqui.

Despe-te!, ouve o que eu te digo.
Retira os trapos que os outros te vestiram
e apontaram e disseram que eras tu.
Eu quero-te só a ti e tu não és assim!
Diante dos teus espelhos tens de estar nua.
Olha para mim, pensas que acredito na perfeição?
Procuro apenas a sinceridade do coração,
uma alma sem anemia, um peito que não teme entregar-se.

Quanto menos sentido o mundo faz
mais procuro um sentido a tudo isto
um caminho que explique o princípio e não o fim.

Não fiques para trás, já nada te espera aqui,
apenas cinzas do passado,
vestígios baços dos dias em que acreditámos,
estrume do que podia ter sido.
De que vale um futuro que não foi,
os sonhos prometidos, arrancados como espinhos
ao coração, um beijo de amor, que já não significa nada?

Vem comigo! Descalça e nua, comigo, até ao fim deste trilho.
Não é um castigo, é uma oportunidade, tens de acreditar!
Não em mim! Em ti!

Este não é o teu fado, o teu destino escolhes tu!
Amor é ferida que não se sente e que arde sem se ver?
Olha as minhas veias abertas, achas que já não sangro?
Repara nas pontas queimadas dos meus dedos,
já brinquei demasiado com o fogo.

Eu sei que estamos perdidos, mas para escaparmos daqui,
temos apenas de seguir em frente,
chega de bifurcações, de desvios,
não olhar mais para trás, mas para diante.

Vais passar quanto tempo aqui,
a contemplar as lágrimas e o sangue do nosso desengano?
Não esperes a noite, que é escura e fria.
Se quiseres o meu abraço, não peço nada em troca,
apenas que venhas comigo.

Não sei por onde vou, mas sigo o instinto da luz,
a fragrância da manhã que há-de nascer,
com a promessa de um novo dia.

Caminha só um pouco comigo,
não me deixes sozinho neste caminho,
eu também tenho medo do desconhecido.

JLC 260807 / Lago de Echternach

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O que são os Cadernos do Gaspar?

Na minha curta e cometaica carreira literária, assumo-me com o pseudónimo Alexandre Gaspar Weytjens, ou só A. Weytjens ou apenas Gaspar (aka AGW). Foi uma personagem que me nasceu entre as entranhas e o cerebelo (e acreditem que doeu!) por volta de 1994, em pleno 2° ano de faculdade, em Estrasburgo, quando me foi solicitado para participar no jornal literário da Residência Universitária Paul Appel. Ao contrário de outras esquizofrenias benignas (Daniela A. ou F.F. Júnior), esta vingou.

Durante muito tempo, A. Weytjens escreveu para a gaveta ou para um público mais ou menos escolhido a dedo, que sempre o reconfortou com elogios qualitativos que careciam obviamente, como espectadores próximos do objecto que eram, de rigor e objectividade.

Quando começou a ser lido por um público maior do que o seu círculo de amizades, sem quase dar por isso, muito graças ou por causa do sucesso crescente do blog Os Cadernos do Gaspar, passou a responder naturalmente ao nome de... Gaspar.

O primeiro volume dos meus cadernos está disponível online em www.cadernosgaspar.blogspot.com e foi escrito num dia-a-dia fictício e extrapolado das minhas próprias vivências e no fim de contas desembocou num pequeno romance "pulp" erótico-romântico-policial. A sua leitura deve ser efectuada seguindo as datas em que foram escritos os cadernos de modo a entender-se o enredo da história.

O segundo volume, inteiramente independente do primeiro, está disponível em www.cadernosgaspar2.blogspot.com , e é, para já, uma sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias.

Por vezes, acrescento um clip youtubano ou excertos de livros que estou a ler para proporcionar aos meus leitores férias da minha torpe literatura e da minha não menos ilustre rotina. A sebenta dos cadernos pode ser lida aleatoriamente.

JLC (The Real McCoy)

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

hoje decidi que...

Punkt. Period. Ponto final, parágrafo. Aliás, virar a página. Tourner la page. No more drama. No more pain.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

"And what can I tell you my brother, my killer, what can I possibly say?"

(Aaron, "Famous blue raincoat")

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

God zooming on me?


"Todos dizem que Deus é mudo, mas ninguém pensa na surdez dos homens!" / "Tout le monde dit que Dieu est muet, mais personne ne pense que les hommes sont sourds!"

Michel Boujenah (humorista francês/humoriste français)

domingo, 19 de agosto de 2007

domingo inane


Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa, "Liberdade"

rainy sunday, sleepy afternoon

walk away!

It was cool but it was all pretend
wasn't long till I called you mine
I even fell for that stupid love song
how come i'd never hear you say
I just wanna be with you
guess you never felt that way
but since you been gone
I can breathe for the first time
i'm so moving on
you had your chance, you blew it
I’m looking for attention
not another question
should you stay or should you go
well if you don’t have the answer
why you still standing here?
just walk away!

What you see's not what you get
With you there's just no measurement
No way to tell what's real from what isn't there
Your eyes they sparkled
that 's all changed into lies that drop like acid rain
you washed away the best of me
you don't care
you know you did it
I'm gone
to find someone to live for in this world
there's no light at the end of the tunnel tonight
just a bridge that I gotta burn
you are wrong
if you think you can walk right through my door
that is just so you
coming back when I've finally moved on
Sometimes shattered
Never open
Nothing matters
When you're broken
That was me whenever I was with you
Always ending
Always over
Back and forth, up and down like a rollercoaster
I am breaking
That habit
Today
I'm already gone
there is nothing you can say
sorry doesn't cut it babe
take the hit and walk away
'Cause I'm gone
Doesn't matter what you do
It's what you did that's hurting you
All I needed was the truth
Now I'm gone

I want a love
I want a fire
To feel the burn, my desires
I want a woman by my side
Not a child who runs and hides

(Kelly Clarkson Random Listening - adapté des chansons de Kelly Clarkson, "since you been gone", "gone" et "walk away")

ride the snake

"Preferir o saber dos caminhos à frivolidade do pensamento das sobrancerias, cavalgar a linha branca da estrada. (...) Para um escritor, a única forma de viajar é improvisando, flanando..."

Bernard-Henri Lévy, "American Vertigo"

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

échafaud II

quand l’épée te traverse aussi soudainement, tu la sens toujours?

quand la dague s’est plantée tellement profondément que tu ne sais plus si c’est de la douleur , ressens-tu toujours le coup porté?

quand le sang te coule encore chaud des mains, le reconnais-tu comme tien?

quand tu n’entends plus le vaccarme du coup de feu e que tu constates le trou noir sur ta poitrine fumante, est-ce le moment opportun pour savoir que tu dois mourir?

quand le brûlis dévaste une nouvelle fois la terre est qu’elle n’est plus combustible, que reste-t-il à brûler?

quand tu perds pied e que tu sais que la mer va te remplir la gueule et les narines et les orbites des yeux, es-tu encore en vie pour penser à tout celá?

quand le désert te brûle les poumons avec sa poussière, as-tu encore soif?

quand tu passes en vol plané par le dixième étage en fonçant droit sur le sol, sens-tu encore tes veines qui pulsent à l’envers?

quand tu te désintègres en un seul souffle d’explosion, que deviens-tu?

quand le soleil se noircit e il ne fait plus jour ni nuit, où es-tu?

quand tous te disent que tu es un monstre, dois-tu continuer à vivre?

Docilement, tu t’agenouilles devant tes bourreaux,

les yeux bien ouverts tu aperçois la vérité dans les leurs,

tu couches ta tête sur le bout de poutre

tu remets ta nuque à la justice

la foule en délire se taît haletante

le ciel respire une, deux fois,

pendant quelques brefs instants tu as la sensation que tu arrives a entendre le soleil qui brûle.

Soudain, tu n’entends ni ne sens plus rien.

La main de l’ange est-elle intervenue pour toi, stoppant net le dernier instant?

Tu peux lever les yeux?

Si ton sang ne coule pas autour de toi, est-ce bon signe?

S’il n’y a plus de foule, ni de lame, ni de ciel,

et que le soleil est noir e qu’il ne fait plus jour ni nuit, où es-tu?



AGW

cadafalso II

quando a espada te atravessa tão repentinamente, ainda a sentes?
quando o punhal foi tão fundo que tu já não sabes se é dor que desatina sem doer, ainda é golpe?
quando o sangue te escorre das mãos e ainda está quente, ainda é teu?
quando já não ouves o estrondo do tiro e vês o buraco negro no teu peito fumegante, é a altura certa para saberes que deves morrer?
quando a queimada devasta mais uma vez a terra e ela já não é combustível, o que mais há para arder?
quando perdes pé e sabes que o mar te vai encher as goelas e as narinas e as órbitas dos olhos, ainda estás vivo para pensar nisso tudo?
quando o deserto te queima os pulmões com pó, ainda tens sede?
quando passas a voar pelo 10° andar a caminho do solo, ainda sentes as tuas veias a pulsar arrepiadas?
quando te desintegras num só sopro de explosão, para onde vais?
quando o sol fica negro e já não é dia nem é noite, onde estás?
quando todos te dizem que és um monstro, deves continuar a viver?
...
Docilmente, ajoelhas-te perante os teus carrascos,
de olhos bem abertos vês a verdade nos seus,
deitas a cabeça no madeiro,
entregas a nuca nua à justiça,
a multidão em delírio cala-se ofegante,
o céu respira uma, duas vezes,
durante uns breves instantes tens a sensação que consegues ouvir o sol a arder.
De repente já não ouves, não sentes nada.
A mão do anjo veio intervir por ti e paralisou o derradeiro momento?
Já podes levantar os olhos?
Se o teu sangue não escorre à tua volta, é bom sinal?
Quando já não há multidâo, nem gume, nem céu,
e o sol ficou como bréu e já não é dia nem é noite, onde estás?

AGW

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Bullet proof

Quand je ferme les yeux

la douleur disparaît

le bruit s’éteint

le monde se tait

j’oublis le corps immonde


je ne vois plus le cratère noir et nauséabond que la balle à laissé sur ma poitrine

le trou putride sur ma nuque par ou on m’a arraché le cœur

les images sordides ne me tourmentent plus le cerveau en décomposition

les vils instants ne grouillent plus sur mes paupières comme des insectes dégueulasses

l’abject venin ne m’immobilise plus le sang souillé dans mes artères


je m’étends sur le drap blanc sur la table de la cuisine

à sang froid, je rebrousse ma peau, je tire les veines,

j’extrait tout le poison qui reste dans les blessures encore ouvertes

dans la bassine le sang averse et haineux dégouline en pus perfide


je secoue l’enveloppe maculée

je l’expose à la lumière du jour

je prends une aguille d’argent

et je recous les trous béants

le corps purifié et prêt

pour d’autres


et si je fermais les yeux à cette vitesse

maintenant sur l’autoroute ?

ni même mil hordes d’anges en furie

accrochés à mes bras

ne me sauverait de moi-même !


AGW
Jihad

Les pointes des étoiles brûlent la lune rouge qui croît
Le ciel en feu griffe le visage bleu
d'Orient arrivent de nouveaux rois mages du mot,
mais tout ce qui brille n'est pas d'or.
J'entends le vacarme des batailles qui ont commencé
quand les eaux du déluge n'avaient même pas encore séché
les terres. Aujourd'hui, c'est le sang qui ne séche plus.

Et moi, apeuré par les nouvelles invasions barbares
et les promesses vides que le crépuscule renferme
je me cache derrière la croix d'or indigo, j'assiste aux fous sans dire mot
et ils me poussent vers l'abîme.
La caravane impassible passe, pendant que les chiens n'aboient pas,
se préparent. Je sens l'odeur du désert.
Je suis assoiffée de mandarines d'argent, d'ivoire,
de cannelle, de menthe psychotique et de safran.

Avec mes bagages je dégringole
les escaliers de l'hotel
mes burnes bourrés à rabord.
Je comprends enfin que l'enfant est otage de la perfection,
que la sérénité et la clareté de l'impasse sombre,
que sont l'idéalisme dogmatique et acnéique,
dépendent uniquement de l'égotisme, de la tolérance
et de la lutte qui doit toujours commencer du dedans
avec ma propre jihad.

Ce n'est ni une faute, ni un recul.
C'est prendre de l'élan, un horizon plus grand,
pour sauter plus loin.

Socrates pointe son nez à ma porte
et répète qu'il ne sait rien sur rien.
Je regarde ma montre de éon
les flèches de l'Halocène clignotent
la brise du matin retarde ses ailes.
La nuit grise et brumeuse va encore s'attarder.

AGW
scaffold


This time, the desert will not win,

it will not swallow my longs with dust.

What happened after the storm

when the river broke the deck

before i even anchored into the estuary?

I don't want to remember that ominous day,

the gospel lied, the world didn't end.

From the towers, I see on the horizon

judgment day's black clouds

spreading through the numbed sky

anouncing thunder.

Is it worth to let the wind blow into the sails and save the ship?,

it endured already so many assaults!

Today, I'm not afraid anymore,

i knew this day would come.

The smell of blood and powder remains on my bold fingers,

I've done too much evil to escape now.

This time, my time is over.

The shockwave will not get me from the ground.

I'll close my mouth to the tsunami, I'll shut my eyes to the hurricane,

electricity will run through my body

but i'll still be standing,

laughing brashly to my executioners and slayers,

even if the crowd, claiming for a show,

will not ear my last words

"25 men on a dead man's chest,
yo ho ho and a bottle of rum!..."

I'm thirsty, but even the sky will open to save me anymore.


AGW

Tempête

Un crépuscule de juillet. Il pleut comme à la fin du monde.

J’expérimente les eaux et le froid sur mon corps.

De petites mers se déversent en de grandes gorgées dans le caniveau,

le vent fuit les impasses, le tonnerre traverse le ciel hanté et moi ma vie.

Si tu étais ici maintenant, me sentirais-je plus heureux ?

Si tu m’enlaçais en cette heure, aurais-je encore peur ?

Le ciel impénétrable oublie le monde trempé…

Et toi, où es-tu ? Enroulée dans ton gilet en laine, lisant mon livre, à la lumière de l’abat-jour ? As-tu déjà écouté l’eau ?

L’océan s’ouvre à l’envers et chaque goutte cherche le sol comme le salut,

têtes penchées les arbres nettoient lourdement leur visage sur l’asphalte,

des silhouettes dans la pénombre passent comme des fantômes à mes pieds.

Sans défense sous la pluie, le vent cherche mon échine,

la voûte céleste se déchire

sur mes tempes, chaque goutte qui m’atteint à quelle vitesse tombe-t-elle,

à quelle vitesse explose-t-elle sur ma peau ?

La douleur, après le cri. Le nef céleste se tord en convulsion,

une clarté fugace rompt l’arc. Ce n’est pas Dieu agacé,

ne sont pas les nuages qui se déchargent, ce n’est pas le cycle se perpétuant.

C’est le ciel voulant se voir, comme Narcisse, au miroir.

Moi aussi, j’ai découvert le chemin me menant vers toi.

Je ne me suis tout simplement pas encore décidé à le prendre.




segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Oh Soledad, dime si algún día habrá

entre tú y el amor buena amistad.

Vuelve conmigo a dibujar las olas del mar,

dame tu mano una vez más.


(in "Soledad", La Oreja de Van Gogh)

petite ballade



« Je n'entends pas écrire une ode à la dépression, mais chanter victoire aussi vigoureusement que Chanteclerc au matin, debout sur son perchoir, quand ce ne serait que pour réveiller mes voisins. »

("Walden", Henri David Thoreau)

Photos: A.Weytjens, Liefrange-Esch/Sûre)

domingo, 12 de agosto de 2007

sur mes déambulations meeticiennes...et la vie, tout court!



...c'est encore le fabuleux Grand Corps Malade qui en parle le mieux, dans ses "Rencontres". Je lui laisse la (les) parole(s) sur mon blog. Bon dimanche ensoleillé!

sábado, 11 de agosto de 2007

morse

"...quis pedir ajuda,
mas a língua estava morta.
Sei lá! Parei de olhar, tenho
uma corda acesa, prestes
a rasgar. Não és
capaz de me levar
a sério. Vou saltar
em teu lugar."

"...j'ai voulu demander au secours, mais ma langue était morte. Qu'est-ce que j'en sais! J'ai arrété de regarder, j'ai une corde allumée, prête à se déchirer. Tu ne prends pas eu sérieux. Je vais sauter à ta place."

- in "Luz Vaga", de Mesa (letra e música: João Pedro Coimbra)

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Superbus - Butterfly



Pour S. et les deux papillons dans la nuit, libérés de leur cocon.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Gerir os transportes no Grão-ducado como numa grande área metropolitana

Por uma verdadeira
política dos transportes

Exceptuando talvez a A13 ("Collectrice du Sud")

– cuja solução é a transformação de alguns troços em verdadeira auto-estrada com ligação inevitável às congéneres da Bélgica e de França e da resolução do nó de Hellange, em direcção a Schengen –

o problema dos engarrafamentos de todas as restantes auto-estradas do país é estas se dirigirem para e em saída da capital, sem escapatória possível, tornando esses eixos concêntricos literalmente nós rodoviários difíceis de destrinçar.

Diariamente, nas auto-estradas A3, A4 e A6 que ligam o sul, o leste e o oeste à cidade do Luxemburgo, repete-se o mesmo lamentável cenário. Horas críticas em que se consegue circular, na melhor das hipóteses, a "passo de caracol".

Recordo nestas ocasiões aquele episódio caricato de um amigo meu que uma manhã pensou ser possível vir do aeroporto de Bruxelas à cidade do Luxemburgo em pouco mais de uma hora. Em Porsche! Sem querer incentivar à violação do código da estrada e a repreensíveis excessos de velocidade, posso dizer-vos que ele até teria conseguido, já que demorou uma hora de Bruxelas... a Arlon! O problema foi depois. De Arlon a Hollerich demorou mais uma. O episódio não é apenas caricato, mas verdadeiramente sintomático! Mas é este o quotidiano de alguns milhares de automobilistas que tentam aceder à mesma cidade simultaneamente utilizando infra-estruturas já obsoletas para a realidade actual.

Um país com 600 mil pessoas

E qual é a realidade actual? Um país que já tem que suportar diariamente mais de 600 mil pessoas: cerca de 460 mil residentes + c. 130 mil fronteiriços, entre mais alguns milhares que estão de passagem, em negócios ou lazer.

Ou seja, não estamos longe do número de 750 mil pessoas prognosticado pelo primeiro-ministro Jean-Claude Juncker e que tanto alvoroço causou há uns anos. Um conhecimento básico da situação actual do mercado do trabalho e do fluxo rodoviário teria chegado para evitar tanta histeria.

Assim, todas as manhãs são mais de 130 mil os trabalhadores fronteiriços que afluem à capital luxemburguesa. E o mesmo número que parte ao entardecer. A maioria de carro, com um só ocupante, o que representa depressa quase tantos veículos como pessoas. Basta ver o número de automóveis de matrícula estrangeira nos P&R e outros tantos nas ruas e parques de estacionamento da capital.

Acresce que o Grão-Ducado é o país europeu com mais automóveis per capita , e que mesmo nós, os residentes, somos os que mais continuamos a preferir o transporte privado em detrimento do público.

O Governo discute ad eternum variantes, desvios e tangentes. E se se pode até entender que estudos de impacto ambiental levem tempo a concretizar e analisar, é preciso tomarmos consciência que essas soluções são necessárias há anos, que são hoje mesmo urgentes, e que os congestionamentos se intensificam, se não de dia para dia, de semana para semana.

Cada vez mais, as horas de ponta deixaram de ser apanágio dos engarrafamentos, proliferando agora o trânsito intenso a qualquer hora nas auto-estradas para a capital.

E basta um despiste ou uma colisão, mesmo menos grave, para que as auto-estradas, na sua grande maioria com apenas duas faixas de rodagem, entupam. O caos instala-se. É a fuga para as C.R. (estradas secundárias)! Mas até estas não chegam para tanto "deus-nos-acuda". Pior ainda em horas de ponta: os congestionamentos alargam até às localidades adjacentes às auto-estradas e aos bairros periféricos da capital.

Os ecologistas vituperam contra o alastramento do alcatrão, não querem saber de mais faixas de rodagem nem de mais asfalto, preconizando alternativas mais amigas do ambiente.

O problema é que projectos ecológicos que partam do Estado, como um eléctrico ligeiro para a capital, demoram anos a ser aprovados, outros tantos a ver a luz do dia, enquanto que outros ainda nem saem do papel.

Porque não um modelo de eléctrico-comboio híbrido para todo o país? Um comboio ligeiro fora das cidades e que funcionaria como um eléctrico no espaço urbano, conceito que chegou a ser considerado quando se começou a discutir nos anos 90 que tipo de eléctrico escolher para a cidade do Luxemburgo?

Ou porque não ir mais longe, criando uma rede de eléctrico que funcionasse entre a cidade do Luxemburgo e zonas nevrálgicas específicas do país que cresceram muito em termos urbanos ou deverão crescer nos próximos anos como Belval, Dudelange, Differdange, Mamer-Kap, Strassen-Bertrange, o triângulo Grevenmacher-Wasserbillig-Echternach, a "Nordstad" (Diekirch e Ettelbruck), como se de um verdadeiro metropolitano se tratasse e tivesse que servir a superfície do país como a área de uma grande capital europeia.

Mas até entre a capital e as cidades fronteiriças de Trier, Arlon, Thionville e Metz, de modo a incentivar os fronteiriços a não vir de automóvel.

Falta de ambição...ou de visão?

Primeiro, seria ainda preciso ligar bem os bairros da capital – a Gare ao Hamm, Cents, Pfaffenthal e Kirchberg, até ao Findel.

O que está, de momento, planeado para o eléctrico na capital, cuja primeira linha deverá abrir ao público em 2012 (se não ocorrerem os habituais atrasos, inerentes a este tipo de obras!) é algo com uma singular falta de ambição. Como se tudo tivesse sido feito para não levantar polémicas entre a população, que está ainda, na sua grande maioria, contra o "esventramento" das ruas da cidade do Luxemburgo para a instalação de um eléctrico.

O actual trajecto proposto pelo Ministério dos Transportes prevê uma linha Gare-Findel, pela avenue de la Liberté, av. de la Porte Neuve e Kirchberg. Mas a ligação da estação central ao Findel por Bonnevoie, e por Cents e Neudorf, por forma a "desencravar" esses bairros, não deveria ser igualmente descurada. Quanto ao Limpertsberg, seria o ponto central ideal para funcionar como plataforma entre o Kirchberg, a baixa da cidade e uma linha de eléctrico oeste no sentido dos bairros de Merl, Belair, com desvios para Sul, via Hollerich e Cessange de forma a fechar o círculo por Gasperich, Howald-Hesperange e, finalmente Gare.

Para os que retorquem que essas zonas já são hoje servidas por autocarros e que esses circulam muitas vezes vazios num movimento de ioiô inane, deve contrapor-se que não só um eléctrico polui menos, como é mais pontual e passa mais frequentemente do que um autocarro que os utentes depressa esquecem para preferir o automóvel.

E que dizer da falta de coordenação inteligente entre semáforos sucessivos que permitissem um fluxo regular e contínuo em muitas das grandes artérias da capital?

Luxemburgo, área metropolitana

E porque não gerir o país como uma grande área metropolitana?

Talvez a ideia, embora parecendo desproporcionada e megalómana, não só resolvesse os problemas do excesso de trânsito, como favorecesse as ligações em transporte público entre localidades de pequena e média dimensão, sem que a capital servisse sempre de ponto de passagem obrigatória. O que aliviaria simultaneamente o fluxo de entradas e saídas na capital.

Só quem já tentou deslocar-se de Remich até Esch, ou de Rodange a Redange, em transporte público, percebe onde quero chegar! Aos fins de semana sobretudo, é melhor esquecer a tão apregoada "mobilidade" do Ministério dos Transportes . Nem recorrendo ao site "mobiliteit.lu", lançado em 2002, se chega lá. Um portal que responde a todas as expectativas em termos de informações úteis, só que estas depois, frequentemente, não funcionam na prática, porque os atrasos de comboios e autocarros fazem perder as correspondências respectivas. Quem se arrisca a ficar perdido no meio do "no man's land" da província luxemburguesa?

Enquanto se tergiversa na capital sobre o eléctrico, isoladamente é essa a alternativa corajosa que deverá ser adoptada pelas autarquias de Ettelbruck e Diekirch, para fomentar, junto dos seus seus mais de 20 mil moradores, a mobilidade em transporte público entre as duas cidades.

A mesma falta de visão fez com que nenhum membro do Governo reagisse à proposta recente surgida por parte do sindicato OGB-L em prolongar a A7 até Wemperhardt (fronteira norte do país), tornando mais fluída a circulação para a Bélgica, o que seria também facilitado com a criação de circulares em Ettelbruck e Feulen no sentido Wiltz e Bastogne?

Experiências positivas como a "partilha de boleias" ("car pooling"/"co-voiturage"), mostraram já infelizmente toda a sua limitada eficácia.

As pistas cicláveis, apesar de terem aumentado em algumas cidades, nem sempre dispõem de itinerários com princípio, meio e fim.

A introdução das bicicletas de aluguer (uma boa ideia à partida!) não diminuiu de forma consequente o trânsito em Esch/Alzette, primeira cidade a importar do estrangeiro o conceito em 2004, no que deverá ser brevemente imitada pela autarquia da capital.

Mas são soluções residuais, que funcionam como complemento e não como alternativa.

Enquanto isso, os comboios continuarão a vir apinhados das zonas fronteiriças-dormitório e das principais cidades do Grão-Ducado, o trânsito de carros ligeiros e o caos rodoviário crescerão, os autocarros persistirão a chegar religiosamente atrasados e, consequentemente, os peões a transformar-se em novos automobilistas. Multiplicara-se-á intempestivamente o transporte privado, que é precisamente o que se quer evitar. Mas quer-se mesmo? A única ideia que o Governo luxemburguês ainda não teve foi o de decretar o pagamento de uma portagem para a entrada na capital, à semelhança do que acontece em Londres, o que não só seria abusivo como prejudicaria o pequeno comércio do centro em detrimento das grandes superfícies da periferia. Mas motivaria os automobilistas a optar pelos transportes públicos?

É urgente uma verdadeira política dos transportes em três tempos: a curto, médio e longo prazo, adaptada não só aos problemas de hoje mas aos que possam surgir de futuro, tendo em consideração o constante aumento demográfico, as novas zonas urbanas e de actividade, a chegada de mais mão-de-obra fronteiriça e os milhares de estudantes e profissionais estrangeiros que a Universidade nascente aguarda.

O IVL – Conceito Integrado de Desenvolvimento do Território e dos Transportes – parece ser a resposta a todos os problemas. Mas deixa demasiadas questões em aberto e muitos projectos em embrião. Resta tornar mais expeditos tanto as decisões políticas como os trâmites administrativos e ministeriais que daí advêm.

José Luís Correia (in Contacto 08.08.07)

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

un peu sonné par cette foutue bataille...

J'ai des butterfly, des papillons en pagaille

Ton visage se dessine dans les moindre détails
Un peu sonné par cette foutue bataille
Je m'accroche a tes mots dans le moindre détail

J'ai des butterfly, des emotions en pagaille
Mon ventre se tort avant de te dire bye bye
Un peu sonné par ce foutu détail
Ta voix résonne au fond de mes entrailles

*
Superbus "Butterfly" (Wow, 2006)

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

a queda

Hoje sei como e porque razões os homens estão condenados à danação do inferno, o que anteriormente não entendia Não compreendia devido à minha inocência idiota e crédula, à minha ingenuidade pacóvia, bacoca, infantil e ao meu esforço de colhão mole, de débil profundo de querer acreditar no homem

O homem, na sua queda, acredita que pode suspender a trajectória alucinada, que é possível escapar ao solo que se aproxima a grande velocidade? Pensa realmente que enquanto não se rebentar todo contra o chão, tudo está bem, tudo é ainda possível? O ponto de não retorno já passou Era lá em cima Mas ele ainda não sabe

(Diário-060807, A.Weytjens)

domingo, 5 de agosto de 2007

A bruma e a madrugada

Há mais coisas que nos ligam ao rei Hamurabi (*1) do que ao biónico Ralph 124C 41+ (*2). Estamos hoje mais próximos dos primeiros egípcios do que do próximo homem "transgénico" (*3) ou ciborgue (*4). E embora sejamos já o "rascunho" do embrião desse primeiro humanóide modificado, se seguirmos a linha imaginária traçada há mais de um século por Darwin, não podemos deixar que essas hipotéticas ramificações da nossa eventual evolução sejam desculpa para outras derivas.
Consequência directa da nossa entrada fulminante na era industrial-tecnológica, o nosso poder aumentou exponencialmente mais depressa do que a nossa sabedoria. É já um lugar comum dizê-lo. Mas mesmo assim...
Hoje mais do que nunca, numa época em que, não contentes por já termos feito recuar e depois dizimado a flora, a começámos a manipular geneticamente para nosso proveito, numa altura em que alguns cientistas já trabalham com células estaminais em busca da panaceia universal e cada vez mais pós-modernos Prometeus aventam a possibilidade da clonagem humana, é preciso atentar para que não sucumbamos nem ao mal nem à cura. Devemos saber avaliar e usar com inteligência, ética, moral, e sobretuto cautelosamente, os poderes que vamos tendo à nossa disposição.
A nossa histeria pela potência nuclear matou milhares de seres humanos nas guerras e catástrofes do século passado, mais do que em todos os conflitos e cataclismos juntos nos séculos anteriores, quando devia ser precisamente a razão de um salto evolutivo e a solução para todos os problemas energéticos. Por ora, gostamos de sentir que dominamos esse recurso, mesmo se temos consciência de que ainda não é bem o caso.
Hoje, mais do que aniquilarmos o que somos, podemos alterar tudo aquilo que ainda podemos vir a ser.
Estamos a alcançar em poucos séculos o equivalente ao que a anterior era – que começara com a invenção da escrita cerca de 4 mil anos antes de Cristo – levou milénios a conquistar. O próximo boom ainda demorará, mas virá mais depressa do que se supõe.
E embora pareça, não é o fim. É apenas o princípio, a aurora da Humanidade. E apesar da bruma primitiva que nos submerge, há que abrir bem os olhos ramelosos.
Daqui a muitos séculos e eras, os nossos descendentes, mesmo que já nem se nos assemelhem física e culturalmente, partilharão connosco, quiçá, os instintos, como defendiam Jung e Freud. Ou até alguns valores comuns, como nós a Filosofia com Sócrates.
Mas se derivas houver, o único frágil mas indissociável cordel que ainda nos ligará a esses seres orwellianos será apenas a História. Seremos o seu Passado e eles o nosso Futuro. A História não como a interpretação dos factos dignos de registo pela nossa memória colectiva, e cujo valor dos mesmos se altera consoante os critérios socioculturais dos que os estudam e analisam nas diferentes épocas, mas a História reduzida à sua expressão mais simples, a linearidade temporal (História=Tempo). A História será a única a nos unir, resistindo às revoluções, choques e contra-choques civilizacionais, aos cataclismos naturais, às eras e até aos cometas ómega (*5). Mas o que restará de humano em nós?
As gerações vindouras, que nos irão substituindo neste planeta ou mesmo já noutro, nos seus primeiros tempos de aprendizagem (vulgo "escola"), entre uma aula de Matemática Fractal e uma de Cosmologia Dimensional, sorrirão, por ventura, ao aprenderem em Sociologia Primitiva Humana que os seus antepassados eram barbaramente carnívoros neste nosso tempo primário, e que lutavam e se matavam por hegemonias, delimitavam territórios, como se fizessem parte de uma matilha. E que viviam obcecados e assombrados – como Fukuyama, Toffler, ou mesmo os mais fantasistas como Fontebrune e o resto de nós – com esse temor infantil do fim da história, do fim dos tempos, do fim da Humanidade. E que esse medo ancestral, os levava a se auto-mutilar, auto-destruir e até alterar celularmente.
Os ponteiros do Haloceno (*6) no relógio de Eon (*7) assinalam meio-dia e pouco no ciclo de vida do nosso planeta. A Humanidade, essa, mal rompe a madrugada.


(texto de JLC, Contacto, 01/08/2007)
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1*- Hamurabi: primeiro rei do império babilónico, 1792-1750 a.C.
2*- Ralph 124C 41+: personagem do séc. XXVII, no romance homónimo de antecipação, editado em 1911, pelo autor norte-americano de origem luxemburguesa, Hugo Gernsback [1884-1967], pai da ficção-científica moderna.
3*- transgénico: (neologismo) geneticamente modificado.
4*- ciborgue: organismo cibernético, meio-homem, meio-robô.
5*- cometa-ómega: vulgarizado pela ficção-científica, grau último de perigo dos cometas; cometa que se atingisse a Terra, a destruiria maciçamente.
6*- Haloceno: da época Neolítica até aos dias de hoje, os últimos 10 a 20 mil anos.
7*- Eon: maior subdivisão do tempo, que se divide em diversas eras geológicas [actualmente vivemos no Eon Fanerozóico, na Era Cenozóica, no Período Quaternário, na Época Holocena].