sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 29 de junho de 2006

Comentário: Troca de galhardetes

A bandeira é um sinal de pertença à uma nação? Com certeza. Mas há que não descontextualizar os fenómenos da actualidade que os caracterizam.

Só se vêem bandeiras suspensas nas janelas e varandas do Luxemburgo quando acontecem eventos futebolísticos de dimensão internacional: o Euro, há dois anos, ou agora, o Mundial. Porque o futebol é assim mesmo, mexe connosco, faz-nos vibrar, ou não fosse o desporto-rei por excelência. Isso é sinal de não-integração ou de segregacionismo para com o país em que vivo? O fenómeno existe apenas em torno do futebol, senhora!

Não vejo bandeiras nacionais a serem hasteadas noutras ocasiões! Nem durante os muito populares Jogos Olímpicos. E muito menos no dia nacional de uma qualquer comunidade radicada no Grão-Ducado. O que tenho visto muitas vezes é portugueses hasteando bandeiras luxemburguesas a 23 de Junho. Porque as pessoas gostam de estandartes.

Há depois que distinguir entre patriotismo (que se define como amor à pátria), nacionalismo (que é uma preferência, por vezes exclusiva, por tudo o que diz respeito à nação de que se faz parte) e... futebol! E isto, é apenas futebol, senhora!

Em Portugal, por esta altura, vêem-se bandeiras brasileiras, ucranianas, angolanas e francesas, sem que tal choque ninguém. Muito pelo contrário, isso só traz mais cor e alegria à festa do futebol que galvaniza os povos à escala mundial como nenhum outro evento. Em Colónia, Frankfurt, Gelsenkirchen e Nuremberga, onde a selecção portuguesa jogou, havia adeptos japoneses e alemães a envergarem a camisola das quinas sem pejo.

Porque isto é apenas futebol, senhora! O que se suspende nas janelas é paixão pelo futebol, não é chauvinismo recalcado nem gritos de Ipiranga. São bandeiras, senhora!

No fórum aberto pelo site Bomdia.lu em torno desta questão, um dos testemunhos põe o dedo na ferida: "Parece que as bandeiras, as buzinas dos automóveis e os gritos de vitória portugueses incomodam quem tão generosamente permitiu que as nossas mães fizessem limpeza e os nossos pais trabalhassem nas obras nos últimos 30 anos."

O Mundial e o fenómeno das bandeiras teve pelo menos esse mérito: dar visibilidade às comunidades que contribuem esforçadamente para a riqueza económica deste país. Mas assim que ousam mostrar a sua diferença, há quem se julgue no direito de proclamar que devem ser calados e ostracizados. Quem quer segregar quem, afinal, senhora?

José Luís Correia,
in CONTACTO, 28/06/2006

quinta-feira, 15 de junho de 2006

Portugueses têm os níveis de formação mais baixos do Luxemburgo - estudo

Cerca de 62% dos trabalhadores portugueses possuem apenas o ensino primário, vendo-se assim relegados para profissões onde são exigidas menos qualificações Foto: Anouk Antony
Um estudo do CEPS-Instead revela que o nível de formação dos trabalhadores difere segundo a sua nacionalidade. Os portugueses continuam a constituir a população activa com a formação mais baixa no Grão-Ducado.

A comunidade portuguesa representa mais de um terço (quase 40%) da população activa estrangeira residente no Grão-Ducado, mas a maioria dos trabalhadores portugueses continua a ter uma formação baixa. Em 2004, 62% tinham frequentado o ensino primário e apenas 3% eram detentores de um diploma pós-secundário.

Estes dados são avançados no estudo "Formação e nacionalidade no seio da população activa" que o Instead - Centro de Estudos de Populações, Pobreza e de Políticas Sócio-Económicas (CEPS), sediado em Differdange, publicou no seu site , na semana passada.

A análise pode ser considerada negra e nada animadora para a comunidade portuguesa mas, lendo o documento do CEPS, pode verificar-se que a situação melhorou desde 1989. Nesse ano, 89% dos portugueses residentes no país possuíam apenas o ensino primário; em 2004, esse número reduziu-se em 27% em relação há 15 anos. Há dois anos, existiam mais 10% de portugueses com o ensino secundário inferior do que em 1989. E eram mesmo mais 14% a sair do liceu com o ensino secundário superior do que 15 anos antes. Dos 0,1% detentores de um diploma do ensino superior em 1989 passou-se para 2,7% em 2004.

Apesar destes progressos, os trabalhadores portugueses residentes continuam a ter os níveis de formação mais baixos do país.

Formação difere segundo a nacionalidade 

O estudo demonstra que os níveis de formação da população activa no Luxemburgo diferem e muito segundo a nacionalidade e origem dos trabalhadores. Para o constatar, basta comparar os diferentes grupos populacionais.

Em 2004, os trabalhadores imigrantes representavam 44% da população activa. Os trabalhadores alemães, franceses e belgas residentes representavam no seu conjunto 30% da mão de obra residente estrangeira.

Cerca de 22% dos trabalhadores residentes tinham a escola primária, 11% os estudos secundários inferiores, 39% o nível secundário superior e 29% tinham alcançado o ensino superior. Os trabalhadores com melhores qualificações eram incontestavelmente os imigrantes oriundos da França, Bélgica e Alemanha, bem como os estrangeiros da União Europeia (UE), exceptuando italianos e portugueses.

Cerca de 60% dos imigrantes dos países vizinhos do Luxemburgo e da União Europeia (na sua maioria holandeses e britânicos) possuíam formação académica. Pelo contrário, apenas 27% dos trabalhadores luxemburgueses, 19% dos italianos e 21% dos estrangeiros extra-comunitários possuíam um diploma universitário.

A evolução desde 1989

Nos últimos 15 anos, os níveis globais de formação da população activa subiram, mas em proporções diferentes por nacionalidade. Entre 1989 e 2004, os trabalhadores apenas com o ensino primário baixaram de 36 para 22%; os que tinham frequentado o ensino secundário inferior aumentaram de 7 para 11%; os que tinham um nível secundário superior baixaram de 46 para 39%; e os activos com formação universitária passaram de 11 para 29%.

Os activos luxemburgueses seguiram a tendência global da população activa, aumentando em 15% o número dos que têm um diploma pós-secundário e baixando em 18% os que apenas têm o ensino primário. Desde 1989, alemães, belgas e franceses elevaram o seu nível de estudos, sobretudo no ensino superior (de 21 para 62%). Já eram os mais qualificados em 1989 e o fenómeno acentuou-se nos últimos 15 anos. Entende-se assim que continuem ainda hoje a ser a reserva privilegiada de mão de obra qualificada para o Luxemburgo, pode ler-se no estudo do CEPS. E nisto diferem, em substância, da imigração italiana e portuguesa, conclui ainda o estudo.

José Luís Correia 
in CONTACTO, 14/06/2006

sábado, 3 de junho de 2006

Juncker distinguido com Prémio Carlos Magno



Juncker dedicou o prémio ao povo luxemburguês Foto: Marc Wilwert
Credibilidade, competência, tenacidade, trabalho e esforço em prol da construção europeia são as qualidades reconhecidas a Juncker pelos responsáveis da atribuição do "Karlspreis".

O prestigiado Prémio Carlos Magno ("Karlspreis"), anualmente atribuído pela cidade de Aachen (Aix-la-Chapelle, em francês) a personalidades e instituições que se empenham na unificação da Europa, foi este ano atribuído ao primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker, por este ser "um europeísta convicto e um motor da integração europeia", segundo disse Jürgen Linden, burgomestre daquela cidade alemã.

A cerimónia decorreu a 25 de Maio na Câmara Municipal de Aachen, na presença de 800 convidados, entre os quais os membros do Governo luxemburguês, o casal grão-ducal e muitos outros grandes vultos do mundo político europeu. Alguns desses são antigos laureados com o galardão, como o antigo chanceler alemão Helmut Kohl, o ex-presidente francês Valérie Giscard d'Estaing, a ex-presidente do Parlamento Europeu Simone Veil, e o político polaco Bronislaw Geremek.

 "Continuarei a lutar pela Constituição europeia" 

No seu discurso, Juncker dedicou o prémio à população do seu país e disse que os europeus devem estar orgulhosos do que realizaram em comum nos últimos 50 anos.

Apelando a uma solidariedade entre os povos e declarando-se contra uma União Europeia que fosse apenas uma "zona económica de livre câmbio", o chefe de governo luxemburguês disse ser necessário "envolver os trabalhadores na [construção europeia], dando-lhes direitos mínimos europeus. (...). Temos que aprender com os sucessos europeus do passado e não deixar este prédio desmoronar-se (...) Enquanto não houver uma declaração de óbito, continuarei a lutar prela Constituição Europeia", afirmou convicto. O Grão-Ducado é o recipiendário deste prémio pela terceira vez.

O primeiro galardoado com esta distinção foi o ministro dos Negócios Estrangeiros Joseph Bech, em 1966. Vinte anos depois, em 1986, foi o próprio povo luxemburguês a ser distinguido pelo seu empenho na causa europeia. O Prémio Carlos Magno foi criado em 1950 e é considerado uma das maiores distinções europeias. Em 2005 premiou o presidente da Itália, Carlo Azeglio Ciampi. O prémio já foi atribuído a personalidades como Jean Monnet (1953), Winston Churchill (1955), Robert Schumann (1958), Rei Carlos de Espanha (1982), Henry Kissinger (1987), François Mitterand (1988), Jacques Delors (1992), Tony Blair (1999) e Bill Clinton (2000).

José Luís Correia 
in CONTACTO, 31/05/2006

sexta-feira, 2 de junho de 2006

Raquel Barreira, definitivamente jazzy

Já cantou rock, depois fado. Hoje, a sua música não tem fronteiras nem complexos Foto: Francisco S.
Num registo de voz cada vez mais maduro, caloroso, definitivamente jazzy, Raquel Barreira assumiu uma postura descontraída na apresentação, em formato acústico, do seu último álbum "Notas Soltas". A cantora convidara ao Teatro de Esch/Alzette, em 21 de Maio, um vasto leque de talentosos músicos amigos.

Além de Georges Urwald (piano) e Al Lenners (percussão) – com quem compôs o álbum que mais se parece consigo –, faziam parte da lista de convidados especiais Marc Demuth (contrabaixo), Lisa Berg (violoncelo), Maurizio Spiridigliozzi (acordeão), Gast Gnad (trombone), Ernie Hammes (trompete), Nadine Kauffmann (saxofone), Vania Lecuit (violino) e Joachim Kruithof (alto).

A noite era de estreias e prometia. Raquel cantou pela primeira vez em francês, "Mémoires", um original escrito por si, à semelhança de quase todos os temas dos seus álbuns. Este aguarda ser incluído no próximo álbum. Como aliás outros novos temas já compostos por si, Urwald e Lenners, mas que o trio ainda não está a apresentar ao vivo, confiou a cantora ao nosso jornal.

Outra novidade: Raquel fez-se acompanhar na lindíssima canção "À luz do dia" por um grupo coral adolescente. Um excelente proposta que, infelizmente nesse dia, não surtiu o efeito desejado. Mas uma ideia, quiçá a reservar para um próximo trabalho.

Do italiano ao inglês, do swing ao fado, passando pelo tango e a valsa, Raquel provou ser uma artista multifacetada que já viajou muito pela música, conseguindo seduzir públicos muito diferentes.

Os espectadores não-portugueses eram aliás numerosos, como sempre nos seus concertos, e foram, mais uma vez, contagiados pelo entusiasmo da cantora que já os conquistou. A prová-lo, consulte-se no site www.raquelbarreira.net a sua agenda de concertos previstos até ao Verão. A próxima actuação é já na sexta-feira, 2 de Junho, às 17h, na Abadia de Neumünster, no Grund.

 No concerto em Esch, Raquel mostrou ainda que não é o xaile que faz a fadista. É a voz. Com a sua, sentida e depurada, e o piano sensível de Urwald, o fado "Ó gente da minha terra" (um dos mais famosos fados cantados por Amália) adquiriu um encanto dramático muito belo, personalizando naquele instante a saudade, mesmo para quem não falava a língua de Camões. Porque há coisas que não se explicam.

José Luís Correia 
in CONTACTO, 31/05/2006

quinta-feira, 1 de junho de 2006

Cow Parade Lisboa 2006: As vacas saíram à rua num dia assim

Fotos: José Luís Correia
Uma estranha transumância, invasão de bovinos mutantes ou uma vacada que escapou do novo Campo Pequeno?

Os lisboetas interrogam-se sobre as vacas bizarras à solta, desde 13 de Maio, pelas ruas, avenidas, praças e pracetas da capital portuguesa. Mas estas não mugem, nem tugem. Nem incomodam ninguém. Muito pelo contrário, divertem os passantes, atraem as crianças e interpelam até o turista menos incauto. Impassíveis e serenas, apesar das suas vestimentas e aparatos coloridos e excêntricos, pastam nas pedras da calçada das sete colinas como se de uma deliciosa e verdejante pradaria se tratasse, alheias aos olhares curiosos, ao vai-vém dos transeuntes e até ao chinfrim poluente dos automóveis.

Sob a denominação de "Cow Parade - Lisboa 2006", a manada insólita coloca Portugal no mapa das já célebres manifestações de arte pública com vacas que estiveram patentes em cidades como Chicago, Nova Iorque (EUA), Praga (República Checa), Barcelona (Espanha), Bruxelas (Bélgica), Estocolmo (Suécia), Tóquio (Japão) e São Paulo (Brasil), entre muitas outras.

A ideia nasceu em Zurique em 1998 e estendeu-se praticamente às cidades dos quatro cantos do planeta. Aqui no Luxemburgo,m recorde-se, adoptou o nome de "Art on Cows" (Arte nas Vacas) e coloriu a capital luxemburguesa no Verão de 2000.

A par de Lisboa, onde o evento decorre até Setembro, este ano a exposição acontece igualmente nas cidades europeias de Paris (França) e Edimburgo (Escócia). Do outro lado do Atlântico, em Boston, Denver (EUA) e Belo Horizonte (Brasil). Tendo passado por mais de 25 cidades em todo o mundo, a “Cow Parade” pintou já mais de quatro mil vacas.

Quem pintou a manta às vacas? 



As 101 esculturas bovinas em fibra de vidro e tamanho real foram decoradas e pintadas por artistas locais. Quase sempre com cores berrantes ou psicadélicas, às florzinhas, às listas, às riscas, às pintas, malhadas (tresmalhadas?), aos quadradinhos... de chocolate, com chapéus, luvas de boxe e até camisa com mangas-balão. O bovino que arbora esta renascentista vestimenta responde pelo nome de “Vacamões” e protege com “mão de vaca” o épico poema, pomposamente semi-deitado à entrada da rua do Carmo.

Não confundir com a “Cow-mões”, que conversa, em amena cavaqueira mas surda aos humanos ouvidos, com o seu colega Chiado, no largo do mesmo nome, lugar de artistas, escritores e poetas. Os outros utentes da via pública, engraxadores e cauteleiros que tais, que se acautelem eles também, pois as vacas apoderaram-se igualmente das esplanadas e parques da "cidade branca".

Mesmo os taxistas lisboetas acusam a concorrência nas bandeiradas da “Vaca Táxi”, colocada junto à Praça do Saldanha. Passeando por Lisboa, podem descobrir-se outras vacas fabulosas.

Há as tipicamente portugueses, como a “Vacabarcelos” (Amoreiras), a “Vaca Calçada Portuguesa” (Praça do Município) ou a “Portucow” (Rossio), que veste o lombo com as quinas. As “tecnológicas”, como a “Cowpyright” (Campo Pequeno) e a “CowPuter” (Gare do Oriente). E as francamente extravagantes, como a “Vaca Ilha da Madeira” (Centro Comercial do Colombo), a “Blue Cow” (Estação de Entrecampos), a “Vaca Alada” (Parque das Nações) ou a “Cândida Charneca”, junto ao Marquês de Pombal, que se improvisa do alto palanque em pastor providencial de gado grosso.

Após a exposição, em Setembro, as vacas serão vendidas em leilão público a 30 desse mês, revertendo o valor, distribuído através do Mecenato.net, para a Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), a Assistência Médica Internacional (AMI), a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), o "Chapitô", Cruz Vermelha Portuguesa, Espaço T, Escuteiros de Portugal, Liga dos Bombeiros Portugueses e projectos da SIC Esperança.

José Luís Correia, em Lisboa 
in CONTACTO, 31/05/2006