sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Editorial no Jornal CONTACTO: "Pot-pourri da silly season"

Conversa de café:
- Então, o nosso Benfica?
 - Nosso? Meu não é. Lá tiveram que ser outra vez levados ao colinho...
 - Colinho, que colinho? Vocês são mesmo maus perdedores.
 - Nós não perdemos, foi empate!

Quando não há nada para conversar na “estação parva”, há sempre o futebol, valor fundamental do “ser bom português”. No entanto, a “silly season” este ano trouxe um rico rol de pérolas de parvoíce.

Primeiro foram os caçadores de Pokémons. Cabeça mergulhada nos seus smartphones, hipnotizados pelos bonecos da realidade aumentada, alguns foram atropelados, causaram acidentes de trânsito, caíram em escadas e rios, outros invadiram jardins e casas privadas. No Luxemburgo, um condutor foi multado por conduzir no boulevard Joseph II, na capital, a 8 km/h, andava a caçar esses monstrinhos. Uma aldeia francesa proibiu os bonecos virtuais da Nintendo e foi festivamente declarada “zona livre de Pokémons”. Em Washington, o director do Museu do Holocausto indignou-se que houvesse Pokémons à solta no memorial dedicado à Shoa.

Depois foi o “burqini”, um fato de banho-burca, que cobre todo o corpo excepto o rosto e que algumas muçulmanas decidiram levar para as praias francesas este Verão. No clima de crescente islamofobia que se vive em França há mais de ano e meio devido aos atentados terroristas, a peça de roupa foi utilizada como um rastilho pelos que surfam na onda fácil da extrema-direita. Felizmente não pegou fogo... ainda. Cannes e Nice proibiram o burqini e algumas banhistas foram mesmo multadas.

O “Zorro do Nicab”, Rachid Nekkaz, um homem de negócios franco-argelino, que se diz contra o burqini, pagou as coimas das autuadas e recordou ao Estado francês que num país que apregoa a torto e a direito ser uma república laica, as liberdades fundamentais devem ser respeitadas, como a de vestir a roupa que se quer. No país dos Direitos Humanos, não aplicar a regra básica do “a minha liberdade acaba onde começa a tua” esta polémica é absurda. A imprensa anglo-saxónica, também em falta de notícias, ri-se dos gauleses. Inventado em 2003 pela estilista australiana de origem libanesa Aheda Zanetti, o fato de banho-burca nunca foi tão popular em França como agora, desde que os seus detractores começaram a denunciá-lo, e quanto mais praias o proíbem mais muçulmanas o vestem.

O Brasil acolheu as piores Olimpíadas de sempre. Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro ficaram manchados pela instabilidade política do país, a demolição de favelas para construir estádios, as instalações inacabadas ou deficientes, os assaltos aos atletas (e até a um ministro português), a poluição de alguns locais onde decorriam provas, a tocha olímpica que foi roubada e apagada, o virar de costas dos brasileiros aos Jogos, entre outros incidentes.

Enquanto isso, em Portugal... “Ai, Portugal, Portugal/Enquanto ficares à espera/Ninguém te pode ajudar”. Podem vir hidroaviões Canadairs da Rússia e de Espanha, mas a canção de Jorge Palma é a melhor resposta às perguntas que nos angustia a garganta: porque razão o nosso país é dizimado pelas chamas todos os Verões? Como é que num país onde os incêndios florestais grassam anualmente ainda faltam meios para combater o flagelo? O jardim à beira-mar plantado transforma-se, de ano para ano, em ermo de cinzas, uma calamidade. Falta investimento, prevenção, visão e vontade. E sem isso, não há futuro.

Uma prova palpável de que “pode mais quem quer do quem pode” é a conquista histórica por Portugal do título de campeão europeu de futebol. A glória do título iluminou as várias gerações de grandes futebolistas portugueses que tivemos nas últimas décadas mas que nunca ganharam nada internacionalmente, e libertou-nos do sentimento de injustiça que pairava sobre a nossa selecção. Mas não havia maldição alguma, faltava apenas acreditarmos e investirmos em nós. O motor da vitória foi o seleccionador, mas também a vontade, o acreditar. Quando se quer, consegue-se. Porque não aplicar essa tenacidade a tudo, Portugal? O país quer, espera, almeja que os nossos melhores atletas tragam medalhas olímpicas, mas não lhes dá condições?! Depois lamenta-se. Tristezas não pagam dívidas.

Dizia alguém que o final de Agosto é como um longo fim-de-semana antes da segunda-feira de trabalho. Que nos sirva para reflectir: em nós, no país, no futuro. Deixemos de ser “silly” e de nos queixarmos. Façamos!

José Luís Correia
in CONTACTO, 24/08/2016