Cartas até agora inéditas que o poeta Thomas Stearns Eliot (1888-1965) escreveu nos anos 20 reflectem a sua preocupação pela mulher doente e desmentem a fama de marido cruel e insensível, pelo menos até ao internamento daquela numa clínica psiquiátrica.
Essas cartas, a que "The Sunday Times" se referiu na sua última edição, mostram um Eliot crescentemente desesperado com os problemas médicos de Vivien, com a qual se tinha casado em 1915, aos 26 anos.
Numa das cartas, enviada ao romancista e crítico John Middleton Murry, Eliot conta que a mulher passara tão mal que durante três dias ela tivera a sensação de que a mente lhe abandonara o corpo.
Eliot descreve a sua própria angústia: "Matei deliberadamente os meus sentidos, matei-me deliberadamente, para poder continuar com esta vida que é apenas exterior".
A fama do marido insensível que acabaria por internar a mulher num asilo psiquiátrico deve muito à obra de teatro "Tom e Viv", de Michael Hasting, estreada em 1984 e transposta para o cinema com Willem Dafoe no papel de Eliot e Miranda Richardson no de Vivien.
As cartas, compiladas com a ajuda da segunda mulher do poeta, Valerie, serão publicadas esta semana no Reino Unido.
Eliot, empregado no banco Lloyds de Londres, continuou o seu trabalho, de que não gostava, porque necessitava de ganhar dinheiro para manter na clínica a mulher doente, e ao mesmo tempo escrevia poesia e ocupava-se da revista literária "The Criterion".
O responsável da publicação das cartas, John Haffendon, disse não estar seguro de que as cartas possam ser tomadas "à letra", mas reconheceu que "estas e muitas outras deixam bem claros o seu desespero e a sua angústia".
Há também cartas da própria Vivien em que expressa ao poeta a sua preocupação e o seu amor por ele. Numa delas, datada de 1925, Vivien pede-lhe que a desculpe por o torturar e enlouquecer.
Um mês mais tarde, Vivien escreveu à criada do casal, Ellen, a pedir-lhe que dissesse ao marido que o amava e o amaria sempre.
Segundo o editor das cartas, tanto Eliot como a mulher estavam doentes, mas o certo é que ele e o cunhado acabaram por a internar num asilo psiquiátrico, onde permaneceria entre 1938 e 1947, um ano antes de o poeta ser distinguido com o Prémio Nobel de Literatura.
Sabe-se também que Eliot nunca a visitou na clínica, embora continuassem casados.
O segundo lote de cartas será publicado dentro de dois anos, e uma das principais revelações, assinalou o editor, é a de que Eliot, considerado um anti-semita, tinha amigos judeus.
A correspondência cruzada com um dos seus amigos, o académico norte-americano Horace Kellen, mostra que, durante a Segunda Guerra Mundial, o poeta ajudou refugiados judeus a fugirem para os Estados Unidos.
"Não há provas de anti-semitismo algum na correspondência que examinei", asseverou Haffenden.
Opinião diferente tem Anthony Julius, autor de um livro em que analisa os alegados sentimentos anti-semitas na obra Eliot e concretamente em poemas como "Gerontion", "Burbank with a Baedeker: Bleistein with a Cigar" e "Sweeney among the Nightingales".
Eliot - disse Julius ao 'The Sunday Times' - "fez-se eco dos lugares comuns existentes sobre os judeus e utilizou-os criativamente na sua poesia. Mas claro que é possível ter, ao mesmo tempo, amigos judeus. Todos temos as nossas contradições".
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