sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Leituras


Quando me aborreço de um, viajo para outro. Sou um leitor infiel, uma vadia literária. Mas assumo.

"Portugal a pé", de Nuno Ferreira: Incursão no país profundo ou Também isto é Portugal no século XXI

Acabo de ler o "Portugal a pé" (Ed. Vertimag, Novembro 2011) do jornalista Nuno Ferreira (ex-Expresso e ex-Público) e adorei.

Gosto de livros de viagens em geral, de Gonçalo Cadilhe (deu duas vezes a volta ao Mundo) a Miguel Sousa Tavares (viagens pelo deserto), passando por Bruce Chatwin e Paul Theroux (que adora viagens em comboio). Nuno Ferreira passará a ser o novo autor com quem deverei contar na minha prateleira das viagens.

"Portugal a pé" conta a sua aventura pela província profunda, de Sagres a Cevide, a aldeia mais a Norte de Portugal, calcorreando o Barrocal algarvio, subindo pela raia alentejana, deambulando pelas Beiras, vencendo a neve na Serra da Estrela, puxando até Trás-os-Montes, desbravando o Minho. Um incursão no país real, como agora se diz. Entre Fevereiro de 2008 e Novembro de 2010.
Primeiro há a coragem de um homem em enfrentar a estrada, a geografia, a natureza e os elementos. Depois, a vontade de um jornalista de escrever sobre o que também é Portugal neste princípio de século XXI. 

Uma das primeiras pedradas no charco que o autor dá, e bem, é desmistificar a tal hospitalidade que dizem que é "natural" nos portugueses. Afinal, como eu próprio já o vivi, os portugueses tanto sabem ser acolhedores e hospitaleiros como provincialmente carrancudos e desconfiados.  Esta é uma característica que o autor vai, infelizmente, encontrar em todos os cantos do país. Passou por ladrão, pedinte, drogado, vagabundo e até contrabandista.
Gostei deste mapa do país, longe das grandes urbes, porque há mais Portugal do que o do Terreiro do Paço, há um Portugal a agonizar longe da capital, mas também a encontrar soluções geniais para (sobre)viver, com bibliotecas ambulantes, ecomuseus, turismo rural e televisões regionais.  

Neste retrato fiel de Portugal no princípio do século, numa mesma aldeia coexistem os cibercafés e as carroças de burros. Num momento, o jornalista escreve no seu laptop num castro recuado no Minho, no outro conversa com velhos que só já têm como ocupação ver passar a vida inexorável, sentados na soleira da porta de casa, encostados ao balcão em pedra de uma taberna, disfrutando de um bagaço, de um café e de um cigarro, ou maldizendo a vida porque têm de tratar da horta sozinhos, porque os filhos emigraram todos para Lisboa ou para França. 
Nuno Ferreira cruza-se com ciganos, dos que pedem dinheiro, mas também dos que o convidam para dormir a sesta junto ao acampamento, dos que têm uma carroça, mas também dos que vão de automóvel à cidade, cruza-se com gente tacanha, provinciana, que corre a esconder-se em casa quando o viajante forasteiro assoma à entrada da aldeia, mas também conhece pessoas afáveis que o convidam naturalmente a partilhar uma sopa, um borrego ou uma lampreia em convívio fraternal, em espírito familiar até. Tudo isso também é Portugal hoje.
Gostei de como o autor conta as situações que viveu, da radiografia às gentes, dos bons momentos e das situações extremas, como aquela em que se perdeu no Marão, ficou pendurado numa falésia e teve de ser resgatado pelos bombeiros de Baião. E de como um dos jovens soldados da paz arriscou a própria vida para o salvar. 
Este é o Portugal que existe, que vive, que sofre, que vibra, que é abnegado e não resignado...
Nuno Ferreira fala-nos in loco das mazelas da desertificação do país rural, das vivendas de emigrantes - amarelas, roxas, com torreões germânicos e telhados suíços, fechadas o ano inteiro - que descaracterizam as aldeias típicas, do envelhecimento demográfico da província, entregue a si mesma, esquecida pelo poder central, de horizontes inteiros desolados que hoje são apenas cinza, dizimados pelos incêndios do Verão português. 
Com este testemunho de Nuno Ferreira, essas realidades, que todos conhecemos mas das quais não temos verdadeiramente a noção (não, não temos, acreditem!), deixam de ser apenas uma estatística e uma banal reportagem de 2 minutos no final de um telejornal, que esquecemos coniventes entre o jantar e a telenovela.
Mas o autor também nos recorda e nos faz (re)descobrir as belezas esquecidas e escondidas do nosso país, as praias fluviais naturais, as cascatas majestosas, a pureza de muitos rios portugueses, a magnificência dos montes, das matas e das florestas nacionais, das praias algarvias (ainda) não devastadas ou dos montados alentejanos sumptuosos no seu sossego.
Gostaria que o autor tivesse falado mais de coisas pessoais, ou melhor, de como viveu certas coisas interiormente. Diz às tantas que leva livros na mochila, eu gostaria que tivesse falado mais dessas leituras e das suas viagens interiores. Gostaria que todo o livro fosse mais pessoal, à semelhança do "capítulo-confissão", em que se entrega ao leitor, admitindo que voltou a cair no alcoolismo nesta sua viagem por Portugal. Um país onde alcoolismo rima com hospitalidade. "Vai mais uma Aldeia Velha? Um café com cheirinho?", todos conhecemos esta "hospitalidade" de café. Como recusar um último bagaço, um "medronho amigo" a quem nos recebeu calorosamente? Foi um dos capitulos que mais gostei. Acho que é preciso muita coragem para se ser sincero com quem nos lê.
O autor confia neste seu diário de viagem que é muitas vezes interpelado com a pergunta de porque está a fazer esta jornada a pé, se é promessa, se é peregrinação a Fátima, perguntam se não tem carro, "atão, mas nem uma bicicleta tem?...". 
Eu acredito que esta viagem ao país verdadeiro só podia mesmo ser a pé, o que lhe permitiu ter o tempo e o vagar de parar e conversar, observar, ver acontecer, viver e conviver, e partilhar o pulsar de cada povoação. Parabéns ao Nuno Ferreira por este trabalho que ainda ninguém tinha feito, uma incursão feita na primeira pessoa no país profundo. Um livro pioneiro.
Nuno Ferreira prepara-se para regressar à estrada e fazer "Os Açores a pé". Eu aguardo pacientemente pelo seu segundo livro desta colecção, que poderá vir a ser um tríptico e que passará a ser obrigatório em cada biblioteca portuguesa.
José Luís Correia

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

NASA descobre planeta-oceano na Constelação de Ophiuchus (Serpente)


A NASA descobriu na terça-feira um novo tipo de planeta, composto em grande parte por água e com uma leve atmosfera de vapor, podendo assim ser considerado um planeta-oceano.

O exoplaneta, denominado GJ1214b, foi descoberto em 2009 pelo telescópio espacial Hubble, está situado a 40 anos luz da Terra, tem um órbita de 38 horas em volta de uma anã vermelha (Gliese-Jarheiss 1214), e desde a Terra pode ser avistado na Constelação de Ophiuchus (Serpente ou Serpentário). O planeta tem uma temperatura estimada de 232 graus Celsius, tem 2,7 vezes o tamanho do nosso planeta e sete vezes o seu peso, sendo assim considerado uma "super-Terra". É, no entanto, mais pequeno que Neptuno, por exemplo (ver imagem).

As medições e observações da passagem de Gliese J1214b diante do seu sol permitiram mostrar que a luz da estrela era filtrada através da atmosfera do planeta, composta de vapor. Na realidade, uma nuvem de gases envolve totalmente o planeta. 

Os cientistas calcularam depois a densidade do planeta a partir de sua massa e tamanho, e concluiram que este dever ter "muito mais água do que a Terra e muito menos rocha", no que pode ser considerado um planeta-oceano.

Um planeta com estas características é algo há muito imaginado pelos autores de ficção-científica mas até agora nunca avistado.

No nosso sistema solar existem apenas três tipos de planetas: 

- rochosos (telúricos): Mercúrio, Vénus, Terra e Marte
- gigantes gasosos: Júpiter e Saturno
- gigantes gelados: Urano e Netuno

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Excerto da versão actualizada dos Lusíadas

I
As sarnas de barões todos inchados
Eleitos pela plebe lusitana
Que agora se encontram instalados
Fazendo o que lhes dá na real gana
Nos seus poleiros bem engalanados,
Mais do que permite a decência humana,
Olvidam-se do quanto proclamaram
Em campanhas com que nos enganaram!

II

E também as jogadas habilidosas
Daqueles tais que foram dilatando
Contas bancárias ignominiosas,
Do Minho ao Algarve tudo devastando,
Guardam para si as coisas valiosas
Desprezam quem de fome vai chorando!
Gritando levarei, se tiver arte,
Esta falta de vergonha a toda a parte!

III

Falem da crise grega todo o ano!
E das aflições que à Europa deram;
Calem-se aqueles que por engano
Votaram no refugo que elegeram!
Que a mim mete-me nojo o peito ufano
De crápulas que só enriqueceram
Com a prática de trafulhice tanta
Que andarem à solta só me espanta.

IV

E vós, ninfas do Coura onde eu nado
Por quem sempre senti carinho ardente
Não me deixeis agora abandonado
E concedei engenho à minha mente,
De modo a que possa, convosco ao lado,
Desmascarar de forma eloquente
Aqueles que já têm no seu gene
A besta horrível do poder perene!

Luiz Vaz Sem Tostões


Não sei quem é o autor, retirei da página de uma amiga no Facebook. Acho admirável que haja quem, no meio da crise e da hora trágica que o país vive, consiga encontrar verve e talento para este pequeno momento de humor

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Restam-nos hoje, no silêncio hostil, 

o mar universal e a saudade


Conquistemos a distância!

Resta-nos o mar universal. Conquistemos a distância!

image by Larry Landolfi (image will be removed if author asks so)
PRECE

Senhor, a noite veio e a alma é vil. 
Tanta foi a tormenta e a vontade! 
Restam-nos hoje, no silêncio hostil, 
O mar universal e a saudade. 

Mas a chama, que a vida em nós criou, 
Se ainda há vida ainda não é finda. 
O frio morto em cinzas a ocultou: 
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —  
Com que a chama do esforço se remoça, 
E outra vez conquistaremos a Distância — 
Do mar ou outra, mas que seja nossa!

Fernando Pessoa
("Mensagem", 1934)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Dois terços das estrelas têm Super-Terras ou Estrelas com planetas são a regra e não a excepção

Uma equipa internacional, que inclui três astrónomos do Observatório Europeu do Sul (ESO), utilizou a técnica de microlente gravitacional para determinar quão comuns são os planetas na Via Láctea. Após uma busca que durou seis anos e onde observaram milhões de estrelas, a equipa concluiu que os planetas em torno de estrelas são a regra e não a excepção. 

Durante os últimos 16 anos, os astrónomos detectaram mais de 700 exoplanetas(*1) (planetas fora do sistema solar) e começaram a estudar os espectros e as atmosferas desses mundos. Embora o estudo das propriedades dos exoplanetas individuais seja extremamente importante, uma questão básica permanece: quão comuns são os planetas na Via Láctea?

A maioria dos exoplanetas conhecidos foram encontrados ou pelo efeito gravitacional que exercem sobre a sua estrela ou por passagem em frente da estrela diminuindo-lhe ligeiramente o brilho. Ambas as técnicas são muito mais sensíveis a planetas que ou são de grande massa ou se encontram próximo das suas estrelas. Por consequência, muitos planetas terão escapado a estes métodos de detecção.

Uma equipa internacional de astrónomos procurou exoplanetas utilizando um método totalmente diferente - as microlentes gravitacionais - o qual permite detectar planetas num grande intervalo de massas e também os que se encontram muito mais afastados das suas estrelas.

Arnaud Cassan (Institut d’Astrophysique de Paris), autor principal do artigo na Nature explica: “Durante seis anos procurámos evidências de exoplanetas a partir de observações de microlentes. Curiosamente, os dados mostram que os planetas são mais comuns na nossa galáxia do que as estrelas. Descobrimos também que os planetas mais leves, tais como as Super-Terras ou Neptunos frios, são mais comuns do que os planetas mais pesados.”

Os astrónomos utilizaram observações, fornecidas pelas equipas PLANET e OGLE (*2) ,  nas quais os exoplanetas são detectados pelo modo como o campo gravitacional das suas estrelas, combinado com o de possíveis planetas, actua como uma lente, ampliando a luz de uma estrela de campo de fundo. Se a estrela que actua como uma lente tem um planeta em órbita, esse planeta pode contribuir de forma detectável ao efeito de brilho provocado na estrela de fundo.

Jean-Philippe Beaulieu (Institut d’Astrophysique de Paris), líder da rede PLANET acrescenta: ”A rede PLANET foi fundada para seguir os efeitos de microlente que se mostravam promissores, com uma rede de telescópios em todo o mundo, situados no hemisfério sul, desde a Austrália e África do Sul até ao Chile. Os telescópios do ESO contribuíram de forma significativa para estes rastreios.”

As microlentes gravitacionais  são uma ferramenta poderosa, com o potencial de conseguirem detectar exoplanetas que não poderiam ser descobertos de outro modo. No entanto, é necessário o alinhamento, bastante raro, entre a estrela de fundo e a estrela que actua como lente para que possamos observar este evento. E para descobrir um planeta é preciso ainda que a órbita do planeta se encontre igualmente alinhada com a das estrelas, o que é ainda mais raro.

Embora encontrar um planeta por meio de microlente esteja longe de ser uma tarefa fácil, nos seis anos de procura utilizando dados de microlente para a análise, três exoplanetas foram efectivamente detectados nas buscas PLANET e OGLE: uma Super-Terra (planeta com uma massa entre duas a dez vezes a da Terra) e planetas com massas comparáveis à de Neptuno e de Júpiter. Em termos de microlente este é um resultado excepcional. Ao detectar três planetas, ou os astrónomos tiveram imensa sorte e acertaram no jackpot apesar da baixa probabilidade, ou os planetas são tão abundantes na Via Láctea que este resultado era praticamente inevitável

Os astrónomos combinaram seguidamente a informação sobre os três exoplanetas detectados com sete anteriores detecções e com um enorme número de não-detecções durante os seis anos do trabalho. A conclusão foi que uma em cada seis estrelas estudadas possui um planeta com massa semelhante à de Júpiter, metade têm planetas com a massa de Neptuno e dois terços têm Super-Terras. O rastreio era muito sensível a planetas situados entre 75 milhões de quilómetros e 1.5 mil milhões de quilómetros de distância às suas estrelas (no Sistema Solar estes valores correspondem a todos os planetas entre Vénus e Saturno) e com massas que vão desde cinco massas terrestres até dez massas de Júpiter.

A combinação destes resultados sugere que o número médio de planetas em torno de uma estrela seja maior que um. Ou seja, os planetas serão a regra e não a excepção.

“Anteriormente pensava-se que a Terra seria única na nossa Galáxia. Mas agora parece que literalmente milhares de milhões de planetas com massas semelhantes à da Terra orbitam estrelas da Via Láctea,” conclui Daniel Kubas, co-autor do artigo científico.

Comunicado de imprensa da ESO

Este trabalho foi apresentado no artigo científico, “One or more bound planets per Milky Way star from microlensing observations”, por A. Cassan et al., no número de 12 de Janeiro de 2012 da revista Nature.

[*1] A missão Kepler está a descobrir um número enorme de candidatos a exoplanetas, os quais não se encontram incluídos neste  número.
[*2] Sigla do inglês “Probing Lensing Anomalies NETwork”. Mais de metade dos dados do rastreio PLANET utilizados neste estudo foram obtidos com o telescópio dinamarquês de 1.54 metros instalado no Observatório de La Silla do ESO./ OGLE: Sigla do inglês “Optical Gravitational Lensing Experiment”.

Foto: ESO