sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

sexta-feira, 22 de julho de 2011

shadow and light


Foto: José Luís Correia
(location: Parque Dräi Eechelen, Kirchberg, Luxembourg)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os escritores portugueses contemporâneos e a difícil relação com "o enredo" e "a narração"

"(...) No palco de Ernestina ou de La Coca [de J. Rentes de Carvalho], encontramos um enredo, essa entidade que é o lince da Malcata da nossa ficção.

A narração e o enredo são raros em Portugal, porque implicam a colocação das personagens num espaço concreto, num cenário social, cultural e político. Ou seja, um enredo implica um certo retrato da realidade. E esse é precisamenteo problema: a ficção portuguesa tem alergia à realidade portuguesa. É como se os portugueses fossem indignos de aparecer na prosa supina dos nossos oráculos literários. Lemos romances portugueses, mas não vemos lá dentro os portugueses, não sentimos lá dentro o cheiro e o pó do Portugal de hoje ou dos Portugais do passado. Onde estão os frescos sobre a Lisboa dos anos 2000? Onde estão os romances sobre os subúrbios?(...)"

Henrique Raposo
(artigo "J. Rentes de Carvalho, o inesperado biógrafo de Portugal", in revista "LER" n°104, Julho/Agosto de 2011)
_______________________________


quarta-feira, 6 de julho de 2011

A política somos nós

Todos somos ou devíamos ter o dever, pelo menos em sociedade, de sermos "animais políticos". Mas seres racionais políticos. Ou seja, não que se entenda por isto de sermos capazes de tudo para encontrarmos um "poleiro" (mais uma alusão animal?), como infelizmente muitos "maus políticos" (será pleonasmo?) nos têm mostrado o exemplo. Não que os animais sejam capazes de tudo por algo parecido. Os animais só são capazes de tudo para sobreviver, como nos ensinou Miguel Torga.

O ser humano deve ser político por natureza, na participação da gestão e do (bom) governo da cidade e do Estado, na acepção original grega da palavra: a "politiké" como arte e ciência "politikós", dos cidadãos, da cidade (polis).

Mas a política vive hoje dias de infâmia e de descrença generalizada. Muitos cidadãos agem como se a política fosse algo que não lhes pertence, a que não pertencem, nem querem pertencer. Como se não quisessem identificar-se com os maus praticantes dessa arte. Como se participar ou não participar, votar ou não votar, desse no mesmo. De quem a culpa?

Em vez de procurar culpados, procuremos soluções. E a solução está em sermos nós próprios actores da mudança. Votando e/ou sendo eleitos.

Voltar a dourar as vestes rasgadas da política, sem dourar a pílula, vai ser difícil. Mas não impossível. Ainda há quem acredite na política. Basta acreditar no ser humano. Porque ainda há lugares, por ventura ignotos e por vezes inóspitos, onde a política até funciona, onde o nepotismo e as politiquices vis não têm a vida fácil. Mesmo se tentam a todo o custo. Estou a falar do Luxemburgo. Na semana passada dois casos vieram à luz do dia que mostram que a política neste país ainda é bem diferente, felizmente, da praticada noutros países.

O deputado independente Aly Jaerling (ex-ADR) foi condenado a um ano de prisão com pena suspensa e ao pagamento de uma multa de mil euros, acusado de ter reclamado reembolsos fraudulentos à Câmara dos Deputados.

O outro caso diz respeito ao ministro da Economia luxemburguês Jeannot Krecké que, dizia-se, andava nos bastidores a preparar a sua "transferência" (a alusão futebolística é intencional) da vida política para um alto posto na Cargolux, contando com o apoio de fundos árabes, com quem negociou a entrada como accionista na empresa luxemburguesa. O que teria sido, no mínimo, conflito de interesses. Dizia-se que até então só a direcção do seu partido o tinha conseguido travar. A notícia caiu na boca do mundo e o ministro foi obrigado a desmentir que pretendia "trocar" de emprego.

Estas duas notícias causaram-me espanto. Estarei demasiado habituado a ver ex-governantes a serem chorudamente beneficiados com cargos nas empresas que amplamente favoreceram enquanto estavam no governo ou a escaparem ilesos à justiça?

Em Portugal é moeda corrente a culpa morrer sempre solteira, os exemplos dariam para encher várias edições do CONTACTO. Mas até em países como a França ou a Alemanha, sempre prontos a darem lições de moralidade, os casos multiplicam-se. Como o caso, que se arrasta há anos em tribunal, em que o ex-presidente francês Jacques Chirac é acusado de desvio de fundos, tráfico de influências e de até ter feito votar pessoas já falecidas quando era presidente da Câmara de Paris. Alguém acredita que o antigo chefe de Estado cumprirá pena?

Muito criticado foi também o posto que o gigante russo do gás, a Gazprom (que agora quer vir instalar-se no Luxemburgo) ofereceu ao antigo chanceler alemão Gerhard Schröder, quando este deixou a política em 2005. Porque foi precisamente Schröder que negociou o traçado do gasoduto da Gazprom, que deverá ligar a Rússia à Alemanha e ao resto da Europa. Negócio chorudo, portanto. E os dividendos arrecadam-se depois, impunemente, gloriosamente.

Um amigo dizia-me que o Luxemburgo não tem política, que não tem discussões acesas no Parlamento, que tudo não passa de uma política de bolso num país de brincar. Retorqui-lhe que discussões animadas no Parlamento as havia, embora ele talvez não as acompanhasse. Mas que se por falta de discussão se queria referir a um bom senso comum dos governantes desde os anos 1960 quanto ao futuro do país, então respondi-lhe que preferia esse consenso à política disparatada portuguesa dos últimos 37 anos.

Felizmente no Luxemburgo (ainda) há governantes que realmente querem e conseguem governar em prol do bem comum. E vai se separando o trigo do joio, os que procuram poleiros deverão ir pregar noutras freguesias. Quem vem de fora pergunta-me sempre qual o segredo da longevidade política de Juncker. É talvez esta uma das respostas possíveis.

E ainda há aqui homens e mulheres corajosos, muitos deles portugueses, cada vez mais cabo-verdianos e de outras origens, que acreditam na política e por isso se empenham, se inscrevem para votar, para participar na sociedade que os acolhe, que ousam candidatar-se e acreditar que podem mudar as coisas.

José Luís Correia
(Editorial do jornal CONTACTO, 06/07/2011)