sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Poema: "Os meus pais"

Os meus pais 



Ele falava francês há bem mais tempo do que ela,
mas foi ela que me ensinou o pouco que conhecia
antes de eu ir pra escola, um dia. 
Mas uma coisa os dois fizeram questão, 
que eu e o meu irmão 
soubéssemos, bem antes dos dez, 
a falar e a escrever, pelo menos, português. 
Ela não me falou dos livros que leu
porque nunca tinha lido nenhum. 
Cresci numa casa onde os primeiros livros foram os meus.
Ela dizia-me: « Sou uma ‘Alfabeta’, 
mas tu, tens de comer o Nestum, 
aprender a ler e a escrever, 
é isso que tens de fazer, 
para arranjares mais tarde um bom emprego ». 
Ele? Ele sabia ler bem, mas nem em segredo
me falou do que tinha lido
e do que recitava de ouvido.
Ela gostava de me ver a mexer nos legos,
nos carrinhos e nos livros, 
mas se eu saísse, sem pedir, para jogar à bola com os colegas
levava logo com castigos. 
Ela quis mostrar-me como se cozinhava, costurava, faxinava
e lavava a loiça, o que até é uma coisa bem prática, 
mas só obrigado eu participava. 
Ele era bom na matemática
mas eu não percebia nada. 
Ele quis transmitir-me o nome das ferramentas de carpinteiro, 
que era o ofício que tinha aprendido, 
mas eu não me interessava pela arte de marceneiro
e ele ficava triste e aborrecido. 
Para ser totalmente sincero, houve uma coisa que ele me ensinou: 
a História de Portugal e isso ficou. 
Explicavam-me muitas vezes que não havia dinheiro
para comprar todos os brinquedos que eu queria,
eu parava o berreiro 
e fazia que percebia. 
Ela dizia-me para eu parar de ser chato,
para comer a sopa toda do prato
porque havia meninos pobres que queriam e não tinham.
Ele? Ele não dizia nada, dava-me um tabefe e tefe-tefe 
eu metia a mistela à boca, mesmo já fria, 
continha as lágrimas e planeava uma táctica 
para ser presidente um dia 
e plantar espinafres em toda a África. 
Ela contou-me como se tinham conhecido em Paris, 
como se tinham casado, 
mas não como se tinham amado. 
Disse-me que uma vez se tinha apaixonado, 
mas não me disse se tinha sido por ele. 
Não li nada sobre Sócrates, Platão ou Filosofia 
antes de chegar aos bancos da escola. 
Eles não me falaram de Napoleão, de Rousseau,
nem de Voltaire ou Waterloo, 
excepto do dos Abba, que era uma canção muito boa. 
Não me falaram de Camilo, de Eça, de Antero ou de Pessoa
mas ele conhecia algumas rimas do Aleixo 
e d’« Este livro que vos deixo ». 
Disse-me também que se lembrou da Cartilha de João de Deus
enquanto atravessava a pé os Pirinéus. 
Sem saber que não era o mesmo João, ela contava-me mais, 
que tinha sido um santo, que nasceu na terra dela e criou os hospitais. 
Eu perguntava mais, mas ele lembrava-se pouco de Maio de 68, 
só que os jovens bloquearam as ruas todas uma noite 
e não o deixaram ir trabalhar. 
Não me disseram que era importante votar, 
mas eu fui, e eles acharam bem.
E começaram a votar também. 
Conheciam muitas histórias que falavam da PIDE e da ditadura
mas nada sobre como fugir aos impostos. 
No tempo deles não havia Coca-Cola, só bebiam Pirolito e Sumol. 
Lembravam-se da censura,
de passar fome, do trabalho de sol a sol, 
ela, sob a chuva, nas herdades,
ele, no mar, debaixo de tempestades. 
Ele não foi à tropa, mas ela foi madrinha de guerra. 
Ele dizia-se comunista mesmo quando já não estava na berra, 
mas não sabia quem fora Lenine nem o tsar. 
Ela? Ela não falava de política, só não gostava do Salazar. 
Nunca foram ao Louvre, mas viam muitos filmes franceses, 
dos que nunca tinham passado nem em Montemor nem em Faro.
Diziam que o de Gaulle era um bom presidente. E os gauleses ?
Deviam ser apenas cigarros! Aí, ela interrompia, e dizia-me que a droga
era perigosa, e ele acrescentava « E o tabaco muito caro ». 
Ele contou-me do mundo antes da televisão: 
quando era jovem era, às vezes, folgazão, 
ao fim-de-semana ia ao baile 
ou ao cinema nas salas da sociedade. 
Ele gostava de ver cobóis, ela os filmes do Calvário e da Madalena, 
não tinham discos nem cassetes, mas conheciam a cantilena 
dos ranchos, das modas, do ié-ié e até dos Beatles. 
Não me disseram como fazer com as raparigas: 
ele disse-me apenas para ter cuidado com o dinheiro
e ela para não as fazer sofrer e não ser um pantomineiro. 
Levei uns açoites, umas estaladas
e umas valentes bofetadas, 
mas sei que fui amado, com certeza, muito. 
Ela dizia-o com beijos, abraços e mimos. 
Ele? Ele não o mostrava, não sabia como mostrar. 
Não havia nada que eu devesse ter feito, 
excepto, talvez, a Universidade. 
Ela queria que eu fosse bancário ou professor, 
ele apenas que eu ganhasse o meu dinheiro. 
Não havia nada que eu não devesse ter sido, 
excepto, talvez, jornalista ou escritor. 
Não me disseram nada sobre os novos ricos
nem sobre os esquerdistas, os anárquicos,
os socialistas, os nacionalistas. Não eram dessa rês. 
Eu não era filho da esquerda nem da direita,
era filho dos meus pais, do meu país e de 1973. 
Falávamos pouco sobre religião, mas muito sobre fé
que, disse-me ela, é sempre uma opção,
mas logo a seguir obrigou-me a fazer a Primeira Comunhão. 
Não me falaram dos árabes nem de Maomé, 
não me falaram dos chineses (ainda não havia chineses!), 
mas dos belgas, dos alemães e dos luxemburgueses. 
« Nós somos católicos », incutiram-me, 
mas não souberam explicar-me 
o que nos diferenciava dos judeus, 
e disseram-me que todos, até os negros e os ciganos,
                                                              são filhos de deus.
Deram-me um certo modelo moral, 
uma certa força vital 
– ou melhor –, a força vital certa, 
um certo sentido da vida, uma educação normal, 
uma mente aberta. 
Os meus pais. 



JLC 20052012
(inspirado livremente da canção « France Culture », de Arnaud Fleurent-Didier, do álbum « La reproduction », 2010)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Já chegou a nova revista LER. O meu mês já pode começar :-)



O que gosto na LER é que é uma revista literária que não se restringe aos sacro-santos estilos e formatos literários pelos quais juram os (supostos) intelectuais dos nossos dias, e ousa sem pejo abordar assuntos menos mainstream como a ficção-científica ou a banda desenhada. 


SF - É assim, como prazer jubilatório, que me deparei com duas páginas dedicadas a um clássico da ficção-científica britânica, "Quatermass and The Pit", da autoria de Nigel Kneale, artigo no qual Rogério Casanova aproveita para evocar mestres da SF (Science Fiction ou FC, Ficção Científica) como HG Wells, Lovecraft e Jack Handey e até fala em Eric van Daniken e da sua célebre Teoria dos Antigos Astronautas. E a meio da revista, como quem não quer a coisa, fala em Edgar Rice Burroughs (o criador de Tarzan), a propósito do seu "John Carter" (Crónicas Marcianas), que acaba se sair no cinema. Muito bom mesmo. 


Um catalão, um italiano, uma brasileira, dois portugueses e um inédito de Vitorino Nemésio 

Depois, prazer imenso ao ler a entrevista de Carlos Vaz Marques a Enrique Vilas-Matas, em que o catalâo volta a repetir que recusaria o Nobel da Literatura se este lhe fosse atribuído. E responde com humor ao Questionário de Proust, que o entrevistador resolve de imprevisto lançar como desafio ao escritor.


Venho à tona de água e volto a mergulhar no prazer.


Nove páginas sobre o mais português e o mais pessoano dos italianos, Antonio Tabucchi, que nos deixou há pouco tempo.


Página panorâmica sobre a autora brasileira Clarice Lispector (1920-1977) por ocasião da publicação em Portugal de "Lustre" e "Água Viva".

E porque a literatura também é sublimada através da sétima arte, a LER apresenta a mais recente obra do cineasta mais idoso do Mundo ainda em actividade, Manoel de Oliveira (103 anos!), "O Gebo e A Sombra", adaptação do livro homónimo de Raúl Brandão (1923). E, de passagem, publica um texto inédito de Vitorino Nemésio sobre Brandão.


BD lusa: De 1872 aos nossos dias


A LER aproveitou esta edição para transfigurar a sua capa (imagem em cima) num dos expoentes emergentes da Nona Arte, o português João Lemos, que a Marvel já adoptou.


A revista dedica ao todo 11 páginas à BD portuguesa + 1 sobre a saída recente em Portugal de "Persépolis", da iraniana Marjane Satrapi. 


A LER passa em revista rápida os nomes dos percursores da banda desenhada em Portugal como Rafael Bordalo Pinheiro (primeira BD, em 1872), Stuart Carvalhais (1887-1961), Carlos Botelho (1899-1982), Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005), José Garcês (n. 1928), José Ruy (n. 1930) e revistas como Mosquito (dos anos 1930 aos anos 80) e Visão (anos 70), para chegar aos jovens talentos que começam a fazer-se notar hoje a nível nacional e internacional. 


Como os que começaram já a trabalhar para gigantes como a Marvel. João Lemos assinou recentemente um número de Wolwerine (imagem da esquerda) e participou com Ricardo Tércio e Nuno Plati num volume colectivo com argumento de C.B. Cebulski; ou a Dark Horse, para a qual Filipe Melo editou, em co-autoria com Juan Cavia, "As Incríveis Aventuras de Dog Mendoza & Pizza Boy". 


Entre muitos outros, como: Diniz Conefrey, José Carlos Fernandes (A Pior Banda do Mundo; Aaron Slobodj), Miguel Rocha, Filipe Abranches (Lanza en Astillero; Diário de K.), Nuno Saraiva, António Jorge Gonçalves, Eliseu Gouveia, Miguel Montenegro, Ana Freitas, Mário Freitas, Filipe Teixeira, Filipe Andrade, Rui Lacas (Merci Patron!), André Lemos (Mediaeval Spectres Soaked in Syrup), David Soares (Mucha) & com Pedro Nora (M. Burroughs), Paulo Monteiro (O Amor Infinito Que Te Tenho e Outras Histórias), Bruno Borges, Miguel Carneiro, Susa Monteiro (Adeus Tristeza), Osvaldo Medina (A Fórmula da Felicidade), Pepedelrey (A Tua Carne é Má), Joana Figueiredo, Carlos Pinheiro, Marcos Farrajota, Pedro Serpa ou José Feitor. 


Nomes a ter em atenção no futuro da literatura portuguesa quer venha aos quadradinhos, em pranchas, storyboards, romances gráficos ou comics.


Porque a BD é um fascínio para quem é fã, a LER não resistiu a partilhar connosco a génese e o making of da capa deste mês da revista, concebida por João Lemos (o tal da Marvel).



Ainda não li tudo, mas o mês ainda nem vai a meio...

terça-feira, 8 de maio de 2012

"História do Luxemburgo" lançado na Livraria Ler Devagar, em Lisboa, no dia 23 de Maio

O livro "História do Luxemburgo", do historiador luxemburguês Gilbert Trausch é oficialmente lançado em Lisboa a 23 de Maio, às 18h, na livraria "Ler Devagar" (rua Rodrigues Faria, n° 103, Ed. G-0.3).

O evento vai contar com a presença do embaixador do Luxemburgo em Portugal, Paul Schmit, que vai fazer uma apresentação, em português e em francês, sobre a história do Luxemburgo.

A versão portuguesa da obra de Gilbert Trausch, "História do Luxemburgo", agora publicada em edição portuguesa, resulta de um projecto do Ministério da Cultura luxemburguês, com a colaboração do Forum Portugal-Luxemburgo e o apoio da Embaixada do Luxemburgo em Portugal.

Trata-se de uma obra importante para o desenvolvimento das relações bilaterais entre os dois países, nomeadamente por razão da importante comunidade lusófona residente no Luxemburgo, que conta actualmente mais de 100 mil portugueses.

Apesar do seu tamanho – 2.586 km2 e 500 mil habitantes – o Grão-Ducado do Luxemburgo é um verdadeiro Estado, com uma história particularmente rica. Situado no coração da Europa, entre a França, a Bélgica e a Alemanha, o Luxemburgo participou nos grandes desenvolvimentos Europeus. O passado movimentado do Grão-Ducado é um verdadeiro resumo da história europeia. Na Idade Média, os seus principes usaram a coroa do Sacro Império Germânico e nos tempos modernos a sua fortaleza foi de uma importância fundamental na luta entre as grandes potências. Antes de se tornar independente, no Século XIX, o Luxemburgo viveu sucessivamente sob soberania bourgonha, espanhola, francesa, austriaca e holandesa. No Século XX, este país próspero e dinâmico desempenhou um papel decisivo na unificação da Europa.

sábado, 5 de maio de 2012

Poema do Herói


Herói

Eu era um índio
vestia uma velha serrapilheira
na qual a minha mãe tinha cortado franjas
e colado fitas coloridas
calçava as pantufas da minha tia a fazer de mocassins
e elas punham-me riscas de baton no rosto
a imitar pinturas de guerra
para eu lutar contra o Batman e o Zorro.

Também eu queria resgatar a fada e a princesa
mas elas não queriam.
O Batman e o Zorro ganhavam sempre. 
Pum, pum, pum e eu tinha que morrer
mesmo se não me apetecesse.

Como pode o vilão ser tão bem mandado?

Eu preferia fumar o cachimbo da paz,
escolher penas de águia para enfeitar o cabelo
e partilhar o lanche com a minha squaw
debaixo da carteira da professora imitando o tipi.

Mas a Anita soltava um gritinho
e fugia esconder-se atrás do Osvaldo ou do Bruno.
Como pode uma princesa preferir um herói
vestido de morcego ou de raposa ?

No ano seguinte fiz uma birra
e quis um coldre, um colete,
uma estrela, um chapéu de cobói
e uma pistola que dava estalidos e tudo.
Mas a princesa veio de Pocahontas
e as setas do Gerónimo 
vieram colar-se à testa do xerife mau.

JLC05052012

O meu amigo Paul de Sousa numa curta-metragem psico-romântica com Jessica Spotts

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Da consciência colectiva e outros meandros

Hoje estava a ouvir um professor de escrita criativa a falar num documentário e ele dizia que sempre viveu com a impressão que algo grande, devastador, aconteceria um dia à Humanidade, no nosso tempo de vida.

Ora, isto foi o que eu sempre pensei. Mas há algo de sobrenatural nisso, há algum conhecimento omnisciente e inato em todos nós que nos deixa prever o que pode vir a acontecer?

Um outro episódio da minha vida: Eu devia ter uns 12 ou 13 anos e comecei a acreditar na serendipicidade,  descobria sentidos encobertos em tudo o que me acontecia e que nada era obra do acaso. Ora, no meu egocentrismo adolescente, comecei a suspeitar que era joguete em mãos divinas, uma experiência no tubo de ensaio de um ser maior. Mas a minha arrogância ia mais longe. Eu não era apenas uma cobaia, um animalzinho a ser testado e por isso amaldiçoado por não poder ter mão no meu próprio destino, eu era também, portanto, um ser único e privilegiado, por ser A EXPERIÊNCIA desse ser divino. E isso levava-me a pensar que não só nada era acaso, como tudo o que me rodeava - as pessoas, as ruas, as cidades, os planetas, o universo, até onde era a grande questão que me obcecava, - tinha sido criado apenas para mim, para o propósito dessa experiência, como se o ser divino tivesse construído um terrário, ambiente controlado, apenas para mim, a formiga, o objecto observado.

Quando muitos anos mais tarde vi o filme Matrix (1999), dos irmãos Wachowski, foi como se fosse uma revelação para mim. Afinal, havia mais gente no mundo a pensar coisas tão aparentemente absurdas como eu.

E isto indicava que eu estava certa no meu delírio? Ou provava de alguma maneira a possível existência de uma consciência colectiva transversal a toda a Humanidade?

Analisei a coisa melhor.

Somos o produto de ingredientes, não só genéticos mas acredito que também mentais ou psicológicos, como lhes quiserem chamar, que herdámos da nossa família, da nossa educação religiosa, escolar, académica, do nosso quadro social, mais tarde profissional, e do que vamos rejeitando e escolhemos ir aceitando desse caldeirão de receitas, algumas delas aparentemente incompatíveis. Mas fizemos a síntese. Somos essa síntese. Um produto inacabado porque sempre em evolução.

Para regressar ao tal professor, ele disse ter cerca de 35 anos, pouco menos do que eu. O que eu acho é que a nossa geração - a dele e a minha - foi tão exposta, bombardeada com esse tipo de histórias de fim do mundo, de apocalipse eminente, de catástrofe global, que hoje transportamos isso em nós, como se fosse um gatilho prestes a ser premido a qualquer momento.

A pergunta não era tanto se iria ser premido, mas quando. Penso que esse medo é uma herança directa que nos vem da Guerra Fria, bem como da ameaça que logo a seguir eclodiu, ainda o Muro de Berlim não tinha bem caído, de uma catástrofe ecológica. A juntar à soma destes medos acrescente-se todos os temores explorados há mais de meio-século pela ficção e pela ficção-científica e de que a minha geração foi, é e continua a ser ávida consumidora: invasão de extraterrestres, guerra total, holocausto atómico, inverno nuclear, pandemia global, colapso económico mundial, mudança do eixo da Terra, sopro solar devastador, raios galácticos mortais, entre muitos outros fins possíveis, com um único resultado: o extermínio de toda a Humanidade.

É claro que esta crença pode não "afectar" toda a minha geração. Depende do que consumiram. Literatura, cinema, televisão, jogos, quero eu dizer.

Mas o que realmente acredito hoje é que esses universos criaram um certo imaginário colectivo, que não sei se se pode chamar consciência colectiva. Mas é inegável que determinaram a forma como pensamos, decidimos e vivemos.

Consciente disso, tento furtar-me à consciência colectiva, à minha tendência natural, porque descobri que afinal não é natural de todo, mas fabricada, artificial. Primeiro deixei de acreditar no destino, que tudo está pré-determinado, e que só eu escolho o meu caminho. Depois esforço-me por acreditar que não estamos no fim, mas no princípio, na aurora da Humanidade. E vistas bem as coisas, quer seja em grutas escuras ou no espaço sideral - as formas como ainda nos coçamos, caçamos, alimentamos, brigamos e acasalamos - continuam a ser instintos tão primitivos como os dos macacos dos quais descendemos.

No fim destas viagens alucinantes pelos meus meandros, que muitas vezes me deixam a mim mesmo com vertigens, acabo sempre por concluir que quanto mais sei, menos sei. Mas, apesar disso, estas incursões turísticas em mim e a materialização catártica pela escrita dessas crenças e desses medos recalcados fazem-me bem. Porque não servem só para me experimentar numa tentativa (vã?) de literatura, mas sobretudo para os exorcizar.





terça-feira, 1 de maio de 2012

Reportage sur RTBF: Le Luxembourg, un Eldorado pour les "réfugiés de l'euro" portugais?

http://www.rtbf.be/info/monde/detail_le-luxembourg-un-eldorado-pour-les-refugies-de-l-euro-portugais?id=7753685

Reportage du 24/04/2012

Li Hamlet... e sobrevivi!

"Hamlet" (ou "The Tragical History of Hamlet, Prince of Denmark)", de William Shakespeare (1603) 

Diziam-me que não iria sobreviver, que iria ficar desgastado de Shakespeare para sempre, que iria deixar a leitura pelo meio... ou que iria adorar. Pois foi quem apostou na última hipótese que ganhou.

Uma peça muito longa, deveras (192 páginas!), mas excelente, uma obra prima mesmo. Sei bem que sou apenas um dos milhares que já leu a peça e achou isto, mas pronto, desta vez sou eu a dizê-lo ;-)

Dizer que as peças de Shakespeare são lições de vida é quase uma Lapalissade. Mas adorei sobretudo a forma como Shakespeare até se dá ao luxo de dar lições de poesia e de teatro, enquanto conta a história e enquanto vai abatendo (quase) todos os seus personagens.

Foi também muito giro chegar àquelas partes em que se percebe o contexto textual das expressões universalmente conhecidas como "Ser ou não Ser" ou "Há qualquer coisa de podre no Reino da Dinamarca", "Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que pode supôr a tua vã imaginação", etc. Aconselho a leitura e aconselho a paciência ao desbravarem as páginas mais densas.