sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 4 de maio de 2017

EDITORIAL: A forca ou a guilhotina?

Os franceses vão ter que escolher para chefe de Estado, no domingo, entre um ultraliberal, amigo da alta finança, e uma xenófoba fascista. O resultado pode e vai afetar-nos a todos, dentro e fora da UE.

É a história de um condenado à morte a quem o bom rei concede uma última graça: ele pode escolher como vai morrer, na forca ou na guilhotina. O homem encolhe os ombros e recusa escolher, porque o resultado será o mesmo.

O mesmo parecem responder muitos franceses quando confrontados com a pergunta se votarão Emmanuel Macron ou Marine Le Pen no próximo domingo. Mas será que abster-se é uma opção quando existe um perigo real e tangível de um regime fascista chegar ao poder de um dos países fundadores da União Europeia, um Estado que clama habitualmente tão alto ser “o país dos direitos do Homem”?

De um lado do ringue temos um ultraliberal, amigo e produto direto da alta finança e das grandes empresas, europeísta e federalista, o que até seria positivo nesta UE em desintegração acelerada, não fosse tudo o que mencionámos antes e, portanto, a Europa é para este um meio mais do que um fim para servir os interesses económicos.

 Do outro lado temos uma nacionalista, xenófoba, neofascista, anti-imigração, anti-africanos, anti-árabes, anti-refugiados, anti-UE, enfim, “anti” quase tudo, exceto os seus próprios interesses. Sim, porque é preciso não esquecer que embora Marine queira mostrar-se como próxima do povo, esse não é o seu meio. Marine é “filha de”, como se diz em França quando se quer falar de alguém de uma família privilegiada. Marine nasceu e cresceu numa família que enriqueceu à custa dos militantes da Frente Nacional, partido cuja caixa registadora e património se confundem com os bens dos Le Pen, a tal ponto que ela e o pai já tiveram que prestar contas à justiça e ao fisco franceses por diversas vezes.

Não esqueçamos que Marine “herdou” o partido, como se este verbo e este substantivo pudessem estar juntos na mesma frase numa democracia! O pai e antigos colaboradores nazis do regime de Vichy criaram o partido em 1972 e sempre defenderam uma França isolada e fascista. Não é a operação de cosmética e charme dos últimos meses que mudam o fundo de comércio dos Le Pen.

Estará a França perante um suicídio programado? O resultado está nas mãos dos franceses. Este é o terceiro editorial seguido que dedico inteiramente às presidenciais francesas, sem contar as outras vezes em que abordei o assunto ao falar dos populismos, dos recuos identitários, das derivas económicas ultraliberais, do recuo dos valores europeus, dos novos equilíbrios de força que estão a emergir e a deixar a Europa e o mundo resvalar para um canto sombrio da civilização que já ninguém pensava ser possível. O que está em jogo é decisivo, não só para França e para os franceses, mas para todos nós, que ainda vivemos em democracia, ainda vivemos na UE, ainda gozamos de paz. Ainda. Mas por quanto tempo? Vivemos tempos conturbados, na verdade.

José Luís Correia, in Contacto, 03.05.2017

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