sábado, 29 de abril de 2017
Nunca dizes nada...
- E achas que eu não tenho ataques de coração?
- ....
- Há terramotos que não se vêem.
- As coisas são como são...
- Não! Não, não são. As coisas são como são se não as quiseres mudar.
- ....
- (E, como sempre, não respondes nada.)
QUERO LER-TE
Quero ler-te
mas por enquanto é só braille à distância.
Quero ler-te
mas não me vires as costas da tua lombada
deixa-me passar os lábios ao de leve
pela seda da tua pele
deixa-me enfiar as mãos nas tuas páginas
senti-las por dentro
deixa toda a tua literatura
encharcar-me os dedos
afastar os teus medos e eu desfolhar-te,
despir-te, ler-te toda, ter-te inteira.
Vem. Agora é hora!
A noite foi-nos concedida
esquece a despedida...
Eu sei, eu sei, quantas vezes te disse adeus
mas hei-de dizer-te adeus e adeus repetidamente
e será sempre mentira porque te quero e este querer não tem fim.
É hora, agora ou nunca.
E eu o nunca rejeito e enjeito.
É hora e é agora, vou despir-te toda do teu preceito,
do teu trejeito e preconceito
vamos esquecer o bem ser e o bem parecer
e simplesmente foder
como se não houvesse amanhã.
É hora de eu correr com a minha boca
todo o teu corpo e sorver o sal do teu suor
lamber o desejo do teu despudor
e a minha língua abrir-te para mim,
meu livro dos desejos
eu quero que os meus beijos
te abram toda para mim,
eu quero segurar-me aos teus cabelos
quando entrar em ti e repetidamente,
em golfadas profundas, mais e mais,
cada vez mais dentro de ti
eu quero que te dobres e grites
apenas para receber mais prazer,
eu quero foder-te como um animal
que fode a sua fêmea
eu quero foder-te como um danado
à espera que o inferno se apague
eu quero possuir-te e dar-me a ti
no mesmo gesto total e completo
dos nossos dois corpos penetrando-se, pertencendo-se.
Vem. É hora! Vem-te!
É a hora da nossa desforra
não há mais destino nem desfado nem desfoda
nem desculpas nem nada.
Agora é hora!
É hora de vires e de nos virmos um no outro,
é hora de atearmos fogo a isto tudo
e de ardermos bem no meio,
os nossos corpos em combustão,
consumindo-se em ânsia, fundindo-se um no outro,
fodendo como deve ser, como sempre foi suposto ser.
Quero-te, desejo-te como nunca
desejo-te e quero-te aqui e agora, é hora!
O nosso sexo há-de deflagrar
chamas intensas pelos oceanos e derreter os pólos
O nosso fogo há-de elevar-se aos céus
como tu sobre as labaredas do meu corpo
e extinguir as nuvens num só sopro.
O chão há-de fugir sob os nossos pés
e a terra desaparecer sob o nosso desejo no vazio sideral
e nós continuaremos um dentro do outro a foder.
E o sol, e todas as luas e todas as estrelas
hão-de ficar abrasadas até rodopiarem,
colapsarem em si e rebentarem em supernovas,
mas os nossos orgasmos serão ainda mais incandescentes
e lançarão filamentos brilhantes de galáxias pelos universos,
e isso serei eu a derramar-me finalmente e à bruta
em ti, em ondas de prazer em catadupa
e o teu corpo contorcendo-se em espasmos de dor,
e prazer e suor
e tesão no meu.
AGW 28042017
quarta-feira, 26 de abril de 2017
Presidenciais francesas: Lobos vestidos de cordeiros
Os franceses “apuraram” para a segunda volta das presidenciais um ultraliberal amigo da alta finança e uma nacionalista demagoga da extrema-direita. E agora, o que será de França?
Como escrevi aqui na semana passada, a França desbipolarizou-se, e a deserção dos eleitores dos dois grandes partidos tradicionais da esquerda e da direita, que se alternavam no poder há mais de 50 anos, ficou mais patente do que nunca. Para a segunda volta “apuraram” dois candidatos antissistema ou que, pelo menos, assim gostam de apresentar-se.
Marine Le Pen pegou no partido do pai em 2011 e em meia dúzia de anos, literalmente, fez o que o ’pater familias’ não conseguiu em 40 anos: transformou a Frente Nacional em partido que quase passa por respeitável. Ou imita bem. Com um discurso calmo e sem nunca irromper pelos histerismos de ódio racial e negacionista de Jean-Marie, a filha sintonizou as preocupações da FN com a dos franceses do “país real”, os que sofrem de desemprego, os que perderam poder económico nos últimos anos devido à crise financeira, às deslocalizações e à pauperização da província.
As linhas de base da FN não mudaram, note-se bem, continua a ser um partido anti-europeu, anti-estrangeiros, anti-islâmico, racista e nacionalista. Mas numa época em que cada vez mais cidadãos se sentem abandonados pelo Estado e pela UE, no centro da qual deveriam ser a preocupação principal, a FN soube passar o seu arado demagógico e cavar trincheiras cada vez mais profundas entre os que se sentem esquecidos e os que estes consideram as elites. Os resultados de domingo mostram-no claramente: Macron ganhou nas cidades, Le Pen na província.
O mesmo fenómeno, o sentimento de abandono do Estado por parte do cidadão anónimo, em detrimento das elites, levou à eleição de um improvável Donald Trump nos EUA.
Emmanuel Macron não é um candidato antissistema, é talvez o melhor candidato do sistema porque passa por... não sê-lo. Tornou-se inspetor das Finanças em 2004, em 2006 é apresentado a François Hollande, dois anos depois troca a Função Pública por um cargo de banqueiro de negócios da família Rotschild.
Em apenas três datas, que fazem parte da sua biografia oficial, percebemos que a subida fulgurante em meia dúzia de anos de um mero inspetor das Finanças a conselheiro de uma das maiores fortunas do mundo não é anódina.
A inteligência de Macron foi perceber e reagir ao fenómeno do descrédito e da erosão dos partidos tradicionais que outros políticos sentiam mas recusavam ver. Afastando-se a tempo de François Hollande, criou o seu próprio movimento político. Com que dinheiro?, eis a questão.
Apresentando-se apartidário e centrista, as políticas que conduziu e propôs no Governo Hollande não deixam margens para dúvidas: Macron é um ultraliberal, anti-Estado social, amigo da alta finança, a quem deve provavelmente a sua ascensão, e diz-se europeu convicto (mas convicto de quê?). Tanto
Le Pen como Macron fazem pensar em lobos (trans)vestidos de cordeiros. Mas agora é tarde, já entraram no estábulo.
José Luís Correia
in Contacto, 26 de abril de 2017
Como escrevi aqui na semana passada, a França desbipolarizou-se, e a deserção dos eleitores dos dois grandes partidos tradicionais da esquerda e da direita, que se alternavam no poder há mais de 50 anos, ficou mais patente do que nunca. Para a segunda volta “apuraram” dois candidatos antissistema ou que, pelo menos, assim gostam de apresentar-se.
Marine Le Pen pegou no partido do pai em 2011 e em meia dúzia de anos, literalmente, fez o que o ’pater familias’ não conseguiu em 40 anos: transformou a Frente Nacional em partido que quase passa por respeitável. Ou imita bem. Com um discurso calmo e sem nunca irromper pelos histerismos de ódio racial e negacionista de Jean-Marie, a filha sintonizou as preocupações da FN com a dos franceses do “país real”, os que sofrem de desemprego, os que perderam poder económico nos últimos anos devido à crise financeira, às deslocalizações e à pauperização da província.
As linhas de base da FN não mudaram, note-se bem, continua a ser um partido anti-europeu, anti-estrangeiros, anti-islâmico, racista e nacionalista. Mas numa época em que cada vez mais cidadãos se sentem abandonados pelo Estado e pela UE, no centro da qual deveriam ser a preocupação principal, a FN soube passar o seu arado demagógico e cavar trincheiras cada vez mais profundas entre os que se sentem esquecidos e os que estes consideram as elites. Os resultados de domingo mostram-no claramente: Macron ganhou nas cidades, Le Pen na província.
O mesmo fenómeno, o sentimento de abandono do Estado por parte do cidadão anónimo, em detrimento das elites, levou à eleição de um improvável Donald Trump nos EUA.
Emmanuel Macron não é um candidato antissistema, é talvez o melhor candidato do sistema porque passa por... não sê-lo. Tornou-se inspetor das Finanças em 2004, em 2006 é apresentado a François Hollande, dois anos depois troca a Função Pública por um cargo de banqueiro de negócios da família Rotschild.
Em apenas três datas, que fazem parte da sua biografia oficial, percebemos que a subida fulgurante em meia dúzia de anos de um mero inspetor das Finanças a conselheiro de uma das maiores fortunas do mundo não é anódina.
A inteligência de Macron foi perceber e reagir ao fenómeno do descrédito e da erosão dos partidos tradicionais que outros políticos sentiam mas recusavam ver. Afastando-se a tempo de François Hollande, criou o seu próprio movimento político. Com que dinheiro?, eis a questão.
Apresentando-se apartidário e centrista, as políticas que conduziu e propôs no Governo Hollande não deixam margens para dúvidas: Macron é um ultraliberal, anti-Estado social, amigo da alta finança, a quem deve provavelmente a sua ascensão, e diz-se europeu convicto (mas convicto de quê?). Tanto
Le Pen como Macron fazem pensar em lobos (trans)vestidos de cordeiros. Mas agora é tarde, já entraram no estábulo.
José Luís Correia
in Contacto, 26 de abril de 2017
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POLITIKA
terça-feira, 25 de abril de 2017
LIBERDADE
Foste r
evolução em mim,
quero ser abril em ti.
cravo dos ventos
cravo os dentes
com força, um beijo
desabrocha na tua boca
sem temer o tempo
sem temer a idade
sem temer o corpo
grita a tua liberdade.
AGW25042017
evolução em mim,
quero ser abril em ti.
cravo dos ventos
cravo os dentes
com força, um beijo
desabrocha na tua boca
sem temer o tempo
sem temer a idade
sem temer o corpo
grita a tua liberdade.
AGW25042017
quinta-feira, 20 de abril de 2017
Presidenciais francesas: Venha o diabo e escolha
Nunca se viveu uma campanha eleitoral como esta para a eleição do Presidente da República francês. França parece estar a desbipolarizar-se para se dividir em quatro. Os papéis invertem-se, os protagonistas habituais passam para os papéis secundários e vice-versa, e tudo a que estávamos habituados na política francesa parece estar de pernas para o ar.
Um candidato é indiciado por crime de desvio de fundos públicos – François Fillon –, mas grita que é alvo de uma cabala política engendrada pelos “gabinetes escuros” do Eliseu. Teoria da conspiração? Fillon disse que se fosse indiciado pela justiça, abandonaria a campanha, foi indiciado e não desistiu. Surreal!
Um outro candidato, Marine Le Pen, é também ela alvo de suspeitas de desvio de fundos, mas europeus. Mas esta, ao contrário do que é seu hábito, não se finge de vítima. São os papéis novamente a inverterem-se.
Mas esta campanha é também inédita porque os dois principais partidos do espectro político gaulês – Les Républicains (UDR nos anos 1970, RPR até 2002 sob Chirac, e depois UMP, sob Chirac e Sarkozy) e os Socialistas – são os que têm tido mais dificuldade em convencer os eleitores, como sempre tinha acontecido em todas as eleições legislativas ou presidenciais até hoje.
Fillon, que era suposto ter a missão “fácil” de unir toda a direita e marcar o regresso desta ao poder após a impopular era de Hollande, sofreu uma derrocada e um descrédito tais que nem depois da eleição terá fim à vista. A justiça encarregar-se-á de ditar o ponto final nessa história.
O PS, que deveria renovar-se com um digno sucessor de Hollande, desentendeu-se internamente e dois ex-ministros do executivo cessante concorrem um contra o outro, com Emmanuel Macron a adiantar-se muito a Benoît Hamon.
Num PS dividido, os eleitores mais à direita alinharam com Macron ou mesmo Fillon. Os mais à esquerda apoiam Jean-Luc Mélenchon, um antigo socialista que em 2008 fundou uma espécie de Bloco de Esquerda francês, e que parece estar também a canalizar os eleitores que ainda hesitavam.
Sobra Marine Le Pen na extrema-direita, que com um discurso aparentemente pausado, menos histérico e radical que o seu pai, tem conseguido também ganhar eleitores aos partidos tradicionais.
Com esta deserção dos partidos tradicionais, França parece estar a desbipolarizar-se para se dividir em quatro. Nunca até hoje e a tão poucos dias do sufrágio presidencial, havia tanta hesitação nas intenções de voto, o que possibilita que qualquer um dos quatro candidatos mais à frente nas sondagens possa passar à segunda volta.
O que na segunda volta pode significar que se passarem Mélenchon e Le Pen, o Hexágono vai fazer uma espargata política inacreditável. O que fez François Hollande, pela primeira vez, sair da sua reserva e falar de um dos candidatos, apelando para que os franceses não votem na esquerda radical e anti-europeia de Mélenchon. Inacreditável!
A extrema-esquerda mete mais medo do que a extrema-direita? Já nos anos 1930 os políticos franceses diziam que Hitler era preferível à Frente Popular de esquerda. A História e a sua tendência para se repetir ou seremos simplesmente burros?
José Luís Correia
in Contacto, 19/04/2017
Um candidato é indiciado por crime de desvio de fundos públicos – François Fillon –, mas grita que é alvo de uma cabala política engendrada pelos “gabinetes escuros” do Eliseu. Teoria da conspiração? Fillon disse que se fosse indiciado pela justiça, abandonaria a campanha, foi indiciado e não desistiu. Surreal!
Um outro candidato, Marine Le Pen, é também ela alvo de suspeitas de desvio de fundos, mas europeus. Mas esta, ao contrário do que é seu hábito, não se finge de vítima. São os papéis novamente a inverterem-se.
Mas esta campanha é também inédita porque os dois principais partidos do espectro político gaulês – Les Républicains (UDR nos anos 1970, RPR até 2002 sob Chirac, e depois UMP, sob Chirac e Sarkozy) e os Socialistas – são os que têm tido mais dificuldade em convencer os eleitores, como sempre tinha acontecido em todas as eleições legislativas ou presidenciais até hoje.
Fillon, que era suposto ter a missão “fácil” de unir toda a direita e marcar o regresso desta ao poder após a impopular era de Hollande, sofreu uma derrocada e um descrédito tais que nem depois da eleição terá fim à vista. A justiça encarregar-se-á de ditar o ponto final nessa história.
O PS, que deveria renovar-se com um digno sucessor de Hollande, desentendeu-se internamente e dois ex-ministros do executivo cessante concorrem um contra o outro, com Emmanuel Macron a adiantar-se muito a Benoît Hamon.
Num PS dividido, os eleitores mais à direita alinharam com Macron ou mesmo Fillon. Os mais à esquerda apoiam Jean-Luc Mélenchon, um antigo socialista que em 2008 fundou uma espécie de Bloco de Esquerda francês, e que parece estar também a canalizar os eleitores que ainda hesitavam.
Sobra Marine Le Pen na extrema-direita, que com um discurso aparentemente pausado, menos histérico e radical que o seu pai, tem conseguido também ganhar eleitores aos partidos tradicionais.
Com esta deserção dos partidos tradicionais, França parece estar a desbipolarizar-se para se dividir em quatro. Nunca até hoje e a tão poucos dias do sufrágio presidencial, havia tanta hesitação nas intenções de voto, o que possibilita que qualquer um dos quatro candidatos mais à frente nas sondagens possa passar à segunda volta.
O que na segunda volta pode significar que se passarem Mélenchon e Le Pen, o Hexágono vai fazer uma espargata política inacreditável. O que fez François Hollande, pela primeira vez, sair da sua reserva e falar de um dos candidatos, apelando para que os franceses não votem na esquerda radical e anti-europeia de Mélenchon. Inacreditável!
A extrema-esquerda mete mais medo do que a extrema-direita? Já nos anos 1930 os políticos franceses diziam que Hitler era preferível à Frente Popular de esquerda. A História e a sua tendência para se repetir ou seremos simplesmente burros?
José Luís Correia
in Contacto, 19/04/2017
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quinta-feira, 13 de abril de 2017
Os senhores da guerra
Os EUA atacaram posições do regime de Bashar al-Assad na Síria, a primeira vez desde o início da guerra civil naquele país em 2011. Para muitos, isto indica o surgimento de um novo conflito que pode depressa degenerar e envolver as principais potências mundias.
Ventos de guerra. Na Síria. No Mar do Japão. Trump gira o globo nos dedos, como num velho filme de Chaplin, e pensa na melhor forma de desviar a atenção da sua política doméstica ineficaz. Precisa de vitórias. Rápidas. Repara como George W. Bush, de simples filho de presidente, amador de bretzels e de hambúrgueres, se transformou em chefe de guerra de um dia para o outro, numa manhã de setembro, graças a duas torres caídas providencialmente...
Donald afasta a franja laranja e posiciona os seus navios e soldadinhos no mapa geoestratégico global. - Ping-pong-gang, um navio para ali!
- Pyongyang!
- E Home, onde fica?
- Homs, Presidente! No norte da Síria.
- Hã? Há petróleo, passa ali um gaseoduto, há reservas de água doce?
Novos ventos de guerra sopram dos quadrantes da cupidez, há ânsia de domínio e de supremacia. As superpotências sonham em inverter o crepúsculo irreversível da sua hegemonia decadente, as potências emergentes planeiam conquistas. E o oligarca de Moscovo ri, uma nova guerra para vender arsenal militar e alargar o feudo. Paris, Londres, Berlim lamentam, condenam. Mas nas salas escuras dos governos dessas metrópoles irrepreensíveis, sempre prontas para dar lições de moral e mostrar a exemplaridade europeia, os senhores da guerra esfregam as mãos ávidas dos negócios chorudos que aí vêm. Não há como uma boa guerra para relançar a economia.
Para nós, essa guerra parece novidade? Sim, é dali que provêm os refugiados sírios que aqui chegam, fogem da guerra e de uma regime sanguinário. Preferem morrer no caminho tentando sobreviver com a família, ter o Mediterrâneo como cemitério, do que ficarem simplesmente à espera de serem gaseados ou bombardeados pelo seu próprio regime. Os sírios (sobre)vivem assim há seis anos! Na senda da primavera árabe, tentaram derrubar a ditadura de Bashar al-Assad em 2011. Reclamavam a mudança, a esperança prometida pelo mesmo Bashar na “primavera de Damasco”, dez anos antes, quando este chegou ao poder parecendo querer encarnar a modernização e o caminho da democracia no pais. Mas foi sol de pouca dura. Bashar mostrou bem ser o filho do general Hafez el-Assad, que tinha governado com autoritarismo o país durante três décadas. E se herdou o “trono” paterno, hoje, 16 anos depois, está mais do que nunca decidido a guardá-lo. Com o apoio de Moscovo.
A Coreia do Norte é outro teatro de uma guerra do porvir. Outro filho e neto de ditadores obstina-se em manter o povo na miséria e no obscurantismo para perpetuar a dinastia Kim, que se segura ao poder desde 1948! Os senhores da guerra, salvadores do mundo livre, já sabem onde agir a seguir.
José Luís Correia
in Contacto, 12.04.2017
Ventos de guerra. Na Síria. No Mar do Japão. Trump gira o globo nos dedos, como num velho filme de Chaplin, e pensa na melhor forma de desviar a atenção da sua política doméstica ineficaz. Precisa de vitórias. Rápidas. Repara como George W. Bush, de simples filho de presidente, amador de bretzels e de hambúrgueres, se transformou em chefe de guerra de um dia para o outro, numa manhã de setembro, graças a duas torres caídas providencialmente...
Donald afasta a franja laranja e posiciona os seus navios e soldadinhos no mapa geoestratégico global. - Ping-pong-gang, um navio para ali!
- Pyongyang!
- E Home, onde fica?
- Homs, Presidente! No norte da Síria.
- Hã? Há petróleo, passa ali um gaseoduto, há reservas de água doce?
Novos ventos de guerra sopram dos quadrantes da cupidez, há ânsia de domínio e de supremacia. As superpotências sonham em inverter o crepúsculo irreversível da sua hegemonia decadente, as potências emergentes planeiam conquistas. E o oligarca de Moscovo ri, uma nova guerra para vender arsenal militar e alargar o feudo. Paris, Londres, Berlim lamentam, condenam. Mas nas salas escuras dos governos dessas metrópoles irrepreensíveis, sempre prontas para dar lições de moral e mostrar a exemplaridade europeia, os senhores da guerra esfregam as mãos ávidas dos negócios chorudos que aí vêm. Não há como uma boa guerra para relançar a economia.
Para nós, essa guerra parece novidade? Sim, é dali que provêm os refugiados sírios que aqui chegam, fogem da guerra e de uma regime sanguinário. Preferem morrer no caminho tentando sobreviver com a família, ter o Mediterrâneo como cemitério, do que ficarem simplesmente à espera de serem gaseados ou bombardeados pelo seu próprio regime. Os sírios (sobre)vivem assim há seis anos! Na senda da primavera árabe, tentaram derrubar a ditadura de Bashar al-Assad em 2011. Reclamavam a mudança, a esperança prometida pelo mesmo Bashar na “primavera de Damasco”, dez anos antes, quando este chegou ao poder parecendo querer encarnar a modernização e o caminho da democracia no pais. Mas foi sol de pouca dura. Bashar mostrou bem ser o filho do general Hafez el-Assad, que tinha governado com autoritarismo o país durante três décadas. E se herdou o “trono” paterno, hoje, 16 anos depois, está mais do que nunca decidido a guardá-lo. Com o apoio de Moscovo.
A Coreia do Norte é outro teatro de uma guerra do porvir. Outro filho e neto de ditadores obstina-se em manter o povo na miséria e no obscurantismo para perpetuar a dinastia Kim, que se segura ao poder desde 1948! Os senhores da guerra, salvadores do mundo livre, já sabem onde agir a seguir.
José Luís Correia
in Contacto, 12.04.2017
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quarta-feira, 5 de abril de 2017
EDITORIAL no Jornal Contacto: Reforçar laços
Assegurar aos alunos de origem portuguesa no Luxemburgo aulas de língua materna, desde o precoce ao secundário, é o grande objetivo de um acordo que António Costa vem assinar hoje no Grão-Ducado.
O primeiro-ministro português está hoje em visita ao Luxemburgo. António Costa retribui a visita que Xavier Bettel fez a Lisboa em novembro, mas vem sobretudo assinar acordos bilaterais que visam uma colaboração mais estreita dos dois países em diferentes áreas.
O mais importante destes acordos, pelo menos para a comunidade portuguesa, é o “Memorando de Entendimento relativo à Promoção da Língua e da Cultura portuguesas no Luxemburgo”. Com este acordo, os dois países comprometem-se a promover juntos o ensino do português na escola luxemburguesa, do precoce ao secundário, como um “ensino complementar”. O que na prática se deverá traduzir pela substituição das aulas do ensino integrado e paralelo.
No Luxemburgo, as autarquias gozam de autonomia política em vários pelouros, a educação é uma dessas áreas. Assim, se uma comuna o desejar, este acordo permitir-lhe-á optar por uma “ferramenta” pensada para os alunos portugueses e feita para “encaixar” no sistema de ensino nacional, que não é “um corpo estranho”, como podia ser considerado o ensino integrado, ou um “corpo externo”, como podia ser visto o ensino paralelo. Pelo menos, é essa a intenção.
O facto de o acordo envolver docentes portugueses, luxemburgueses e até fazer referência a “professores luxemburgueses de origem portuguesa” é um sinal muito positivo. É como se, pela primeira vez, o Grão-Ducado assumisse que tem docentes de origem portuguesa e que estes são uma mais-valia para responder às necessidades específicas de uma parte da população escolar. Esperemos que o acordo sirva sobretudo os alunos e que comunas, como as de Esch/Alzette, não decidam unilateralmente acabar com as aulas de português. Esch anunciou já, aliás, que vai adotar o novo sistema. Esperemos que outras sigam o exemplo.
Um outro acordo a ser assinado hoje é sobre o setor espacial. O Luxemburgo, que vai criar uma agência espacial nacional e decidiu investir na exploração de mineiro de asteróides, tem atraído empresas do ramo aéreo-espacial para o Grão-Ducado. Portugal pode vir a ser um parceiro estratégico nesta área. Isto se for avante o projeto de transformar a base das Lages nos Açores em base espacial da Nasa, com rampas de lançamento para foguetões low-cost, como está a ser estudado desde junho de 2016.
O interesse do Luxemburgo por Portugal vai muito mais longe porque esta “vontade” abre-lhe as portas do “mundo português”, como aliás se viu aquando do pedido que o Grão-Ducado fez há anos para ser país-observador da CPLP. Estes laços só ganham em ser reforçados, em benefício dos dois países, assim o entendam sempre os governos respetivos. E a comunidade portuguesa do Luxemburgo tem um papel determinante a desempenhar nesse âmbito.
José Luís Correia
in Contacto, 05/04/2017
O primeiro-ministro português está hoje em visita ao Luxemburgo. António Costa retribui a visita que Xavier Bettel fez a Lisboa em novembro, mas vem sobretudo assinar acordos bilaterais que visam uma colaboração mais estreita dos dois países em diferentes áreas.
O mais importante destes acordos, pelo menos para a comunidade portuguesa, é o “Memorando de Entendimento relativo à Promoção da Língua e da Cultura portuguesas no Luxemburgo”. Com este acordo, os dois países comprometem-se a promover juntos o ensino do português na escola luxemburguesa, do precoce ao secundário, como um “ensino complementar”. O que na prática se deverá traduzir pela substituição das aulas do ensino integrado e paralelo.
No Luxemburgo, as autarquias gozam de autonomia política em vários pelouros, a educação é uma dessas áreas. Assim, se uma comuna o desejar, este acordo permitir-lhe-á optar por uma “ferramenta” pensada para os alunos portugueses e feita para “encaixar” no sistema de ensino nacional, que não é “um corpo estranho”, como podia ser considerado o ensino integrado, ou um “corpo externo”, como podia ser visto o ensino paralelo. Pelo menos, é essa a intenção.
O facto de o acordo envolver docentes portugueses, luxemburgueses e até fazer referência a “professores luxemburgueses de origem portuguesa” é um sinal muito positivo. É como se, pela primeira vez, o Grão-Ducado assumisse que tem docentes de origem portuguesa e que estes são uma mais-valia para responder às necessidades específicas de uma parte da população escolar. Esperemos que o acordo sirva sobretudo os alunos e que comunas, como as de Esch/Alzette, não decidam unilateralmente acabar com as aulas de português. Esch anunciou já, aliás, que vai adotar o novo sistema. Esperemos que outras sigam o exemplo.
Um outro acordo a ser assinado hoje é sobre o setor espacial. O Luxemburgo, que vai criar uma agência espacial nacional e decidiu investir na exploração de mineiro de asteróides, tem atraído empresas do ramo aéreo-espacial para o Grão-Ducado. Portugal pode vir a ser um parceiro estratégico nesta área. Isto se for avante o projeto de transformar a base das Lages nos Açores em base espacial da Nasa, com rampas de lançamento para foguetões low-cost, como está a ser estudado desde junho de 2016.
O interesse do Luxemburgo por Portugal vai muito mais longe porque esta “vontade” abre-lhe as portas do “mundo português”, como aliás se viu aquando do pedido que o Grão-Ducado fez há anos para ser país-observador da CPLP. Estes laços só ganham em ser reforçados, em benefício dos dois países, assim o entendam sempre os governos respetivos. E a comunidade portuguesa do Luxemburgo tem um papel determinante a desempenhar nesse âmbito.
José Luís Correia
in Contacto, 05/04/2017
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