Nunca se viveu uma campanha eleitoral como esta para a eleição do Presidente da República francês. França parece estar a desbipolarizar-se para se dividir em quatro. Os papéis invertem-se, os protagonistas habituais passam para os papéis secundários e vice-versa, e tudo a que estávamos habituados na política francesa parece estar de pernas para o ar.
Um candidato é indiciado por crime de desvio de fundos públicos – François Fillon –, mas grita que é alvo de uma cabala política engendrada pelos “gabinetes escuros” do Eliseu. Teoria da conspiração? Fillon disse que se fosse indiciado pela justiça, abandonaria a campanha, foi indiciado e não desistiu. Surreal!
Um outro candidato, Marine Le Pen, é também ela alvo de suspeitas de desvio de fundos, mas europeus. Mas esta, ao contrário do que é seu hábito, não se finge de vítima. São os papéis novamente a inverterem-se.
Mas esta campanha é também inédita porque os dois principais partidos do espectro político gaulês – Les Républicains (UDR nos anos 1970, RPR até 2002 sob Chirac, e depois UMP, sob Chirac e Sarkozy) e os Socialistas – são os que têm tido mais dificuldade em convencer os eleitores, como sempre tinha acontecido em todas as eleições legislativas ou presidenciais até hoje.
Fillon, que era suposto ter a missão “fácil” de unir toda a direita e marcar o regresso desta ao poder após a impopular era de Hollande, sofreu uma derrocada e um descrédito tais que nem depois da eleição terá fim à vista. A justiça encarregar-se-á de ditar o ponto final nessa história.
O PS, que deveria renovar-se com um digno sucessor de Hollande, desentendeu-se internamente e dois ex-ministros do executivo cessante concorrem um contra o outro, com Emmanuel Macron a adiantar-se muito a Benoît Hamon.
Num PS dividido, os eleitores mais à direita alinharam com Macron ou mesmo Fillon. Os mais à esquerda apoiam Jean-Luc Mélenchon, um antigo socialista que em 2008 fundou uma espécie de Bloco de Esquerda francês, e que parece estar também a canalizar os eleitores que ainda hesitavam.
Sobra Marine Le Pen na extrema-direita, que com um discurso aparentemente pausado, menos histérico e radical que o seu pai, tem conseguido também ganhar eleitores aos partidos tradicionais.
Com esta deserção dos partidos tradicionais, França parece estar a desbipolarizar-se para se dividir em quatro. Nunca até hoje e a tão poucos dias do sufrágio presidencial, havia tanta hesitação nas intenções de voto, o que possibilita que qualquer um dos quatro candidatos mais à frente nas sondagens possa passar à segunda volta.
O que na segunda volta pode significar que se passarem Mélenchon e Le Pen, o Hexágono vai fazer uma espargata política inacreditável. O que fez François Hollande, pela primeira vez, sair da sua reserva e falar de um dos candidatos, apelando para que os franceses não votem na esquerda radical e anti-europeia de Mélenchon. Inacreditável!
A extrema-esquerda mete mais medo do que a extrema-direita? Já nos anos 1930 os políticos franceses diziam que Hitler era preferível à Frente Popular de esquerda.
A História e a sua tendência para se repetir ou seremos simplesmente burros?
José Luís Correia
in Contacto, 19/04/2017
quinta-feira, 20 de abril de 2017
Presidenciais francesas: Venha o diabo e escolha
Rótulo :
actu_mundo,
contacto,
editoriais,
na imprensa,
POLITIKA
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário