Os franceses “apuraram” para a segunda volta das presidenciais um ultraliberal amigo da alta finança e uma nacionalista demagoga da extrema-direita. E agora, o que será de França?
Como escrevi aqui na semana passada, a França desbipolarizou-se, e a deserção dos eleitores dos dois grandes partidos tradicionais da esquerda e da direita, que se alternavam no poder há mais de 50 anos, ficou mais patente do que nunca. Para a segunda volta “apuraram” dois candidatos antissistema ou que, pelo menos, assim gostam de apresentar-se.
Marine Le Pen pegou no partido do pai em 2011 e em meia dúzia de anos, literalmente, fez o que o ’pater familias’ não conseguiu em 40 anos: transformou a Frente Nacional em partido que quase passa por respeitável. Ou imita bem. Com um discurso calmo e sem nunca irromper pelos histerismos de ódio racial e negacionista de Jean-Marie, a filha sintonizou as preocupações da FN com a dos franceses do “país real”, os que sofrem de desemprego, os que perderam poder económico nos últimos anos devido à crise financeira, às deslocalizações e à pauperização da província.
As linhas de base da FN não mudaram, note-se bem, continua a ser um partido anti-europeu, anti-estrangeiros, anti-islâmico, racista e nacionalista. Mas numa época em que cada vez mais cidadãos se sentem abandonados pelo Estado e pela UE, no centro da qual deveriam ser a preocupação principal, a FN soube passar o seu arado demagógico e cavar trincheiras cada vez mais profundas entre os que se sentem esquecidos e os que estes consideram as elites. Os resultados de domingo mostram-no claramente: Macron ganhou nas cidades, Le Pen na província.
O mesmo fenómeno, o sentimento de abandono do Estado por parte do cidadão anónimo, em detrimento das elites, levou à eleição de um improvável Donald Trump nos EUA.
Emmanuel Macron não é um candidato antissistema, é talvez o melhor candidato do sistema porque passa por... não sê-lo. Tornou-se inspetor das Finanças em 2004, em 2006 é apresentado a François Hollande, dois anos depois troca a Função Pública por um cargo de banqueiro de negócios da família Rotschild.
Em apenas três datas, que fazem parte da sua biografia oficial, percebemos que a subida fulgurante em meia dúzia de anos de um mero inspetor das Finanças a conselheiro de uma das maiores fortunas do mundo não é anódina.
A inteligência de Macron foi perceber e reagir ao fenómeno do descrédito e da erosão dos partidos tradicionais que outros políticos sentiam mas recusavam ver. Afastando-se a tempo de François Hollande, criou o seu próprio movimento político. Com que dinheiro?, eis a questão.
Apresentando-se apartidário e centrista, as políticas que conduziu e propôs no Governo Hollande não deixam margens para dúvidas: Macron é um ultraliberal, anti-Estado social, amigo da alta finança, a quem deve provavelmente a sua ascensão, e diz-se europeu convicto (mas convicto de quê?).
Tanto
Le Pen como Macron fazem pensar em lobos (trans)vestidos de cordeiros. Mas agora é tarde, já entraram no estábulo.
José Luís Correia
in Contacto, 26 de abril de 2017
quarta-feira, 26 de abril de 2017
Presidenciais francesas: Lobos vestidos de cordeiros
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