Ano Internacional
(da Lógica) da BatataQuo vadis 2008? Para onde vais 2008? Ou melhor: Para onde nos levas?, poderíamos nós perguntar circunspectos da soleira deste ano bissexto que ainda agora se enceta.
A assembleia geral das Nações Unidas proclamou 2008 Ano Internacional do Planeta Terra, da Batata e das Línguas. Três temas que podem parecer secundários à primeira vista mas que são verdadeiras questões-pano de fundo da actualidade. A ONU pretende s
ensibilizar a opinião pública mundial para a preservação não só do meio ambiente como do próprio Homem.
A promoção da batata visa lembrar a importância que esta pode desempenhar na luta contra a fome e a pobreza mundiais, como este tubérculo já o havia protagonizado no século XVI, quando espanhóis e portugueses o importaram do Novo Mundo e resolveram – com um legume fácil de produzir e barato de consumir –, os problemas de má nutrição que subsistiam há séculos na velha Europa. E se a solução funcionou há quatro séculos porque não aplicá-la hoje nos países mais pobres? É a "lógica da batata" em todo o seu esplendor! A solução para a fome no Mundo era mais do que óbvia, só que teimávamos em não entender.
Promovendo simultaneamente neste ano as Línguas, a ONU pretende não só salvaguardar o Homem enquanto "sistema físico-químico" (como diria Fernando Pessoa), mas também o seu espírito, pela mais-valia socio-cultural que a diversidade linguística acrescenta ao património que este legará às gerações vindouras.
Na mesma senda, Bruxelas é mesmo mais arrojada, ao declarar 2008 Ano Europeu do Diálogo Intercultural. A União Europeia mostra que o caminho certo não está apenas em defender as línguas e as culturas dos diferentes povos, mas de os pôr a dialogar entre si. Foi este, aliás, um dos princípios que lhe deu origem e a consolidou como espaço de paz duradoura e de cooperação mútua entre os estados que a integram. Pudessem esses valores universalizar-se com os mesmos propósitos.
Na sua declaração "Urbi et Orbi" (à Cidade e ao Mundo), proferida a 25 de Dezembro e em antecipação ao Dia Mundial da Paz (que se assinala a 1 de Janeiro), o papa Bento XVI foi dos primeiros a dar o tom. Denunciando o uso abusivo dos recursos naturais e recordando os desastres ecológicos do passado, o Sumo Pontífice pediu aos governantes mundiais que encontrassem "soluções humanas, justas e duradouras" para os conflitos e crises que afectam o planeta, acrescentando que isso deveria ser conseguido "com sabedoria e coragem".
Mais fácil dizer do que fazer, pensarão muitos. Basta haver homens de boa vontade... política! Porque são fundamentalmente essas as qualidades a que a Humanidade deverá fazer apelo na encruzilhada política decisiva que 2008 prognostica ser.
Em Março, Putin passa o testemunho a Medvedev, mas deverá continuar a ser o marionetista-mor por detrás das grandes linhas directrizes da Rússia.
Em Novembro, as eleições norte-americanas revelarão com quem o pupilo de Putin deverá contar no xadrez político internacional para discutir espinhosos e sensíveis dossiês como o Iraque, o Irão, a Palestina, mas também o aquecimento global (Protocolos de Kioto e a Conferência de Bali).
Se os Estados Unidos voltarem a apostar num republicano (Rudy Giuliani, por exemplo, presidente da Câmara de Nova Iorque durante os ataques do 11 de Setembro de 2001), a linha política de Washington não deverá mudar de um palmo.
Em contrapartida, o mapa político mundial pode alterar-se significativamente se a Casa Branca for ocupada por um democrata (a ex-Primeira Dama, Hillary Clinton, que se tornaria a primeira mulher a ocupar o cargo; ou o mulato Barack Obama, que seria o primeiro cidadão de origem afro-americana a chegar ao gabinete oval). Como mudou quando os americanos catapultaram Bush para o poder, com a série de desencadeamentos políticos e económicos globais que hoje se conhecem. O seu sucessor terá de saber lidar não só com essas questões de política externa que influem directamente nos preços "inflamáveis" do petróleo, mas também com a crise dos empréstimos imobiliários que assola os EUA e ameaça atingir como um tsunami a economia britânica e consequentemente a europeia.
E a China? Após a euforia económica chinesa que está preceder os Jogos Olímpicos (que começam a 8 de Agosto), sofrerá o gigante económico um abrandamento conjuntural? Com que consequências para a economia mundial? Serão as Olimpíadas – encaradas este ano como um verdadeiro desafio político – boicotadas pelos defensores dos direitos humanos ou pelos ecologistas, assuntos que Pequim tem "olimpicamente" ignorado de forma arrogante e autista?
Se se souber discutir todas essas e outras matérias com mais "sabedoria e coragem", como preconiza Bento XVI, ficará assegurado o nosso futuro comum. Também isso parece óbvio como a "lógica da batata". A paz, afinal, é como as batatas: cultiva-se!
(José Luís Correia, in "Contacto", 02/01/08)