Estaremos a viver um sismo político no Luxemburgo ou simplesmente o fim de uma era?
É o que muitos estarão neste momento a pensar, depois da revelação na segunda-feira à noite de que Xavier Bettel (DP) quer formar com os socialistas e com os Verdes um governo a três, relegando o CSV para a oposição, onde o partido cristão-social só esteve durante um interregno de cinco anos (1974-1979), nos últimos sessenta. Pior para muitos é que isto significa literalmente o "despejo" de Juncker do Governo. É como cair "o Carmo e a Trindade", qualquer que seja a correspondência luxemburguesa desta expressão.
No domingo, o CSV vencia as eleições e muitos ficavam tranquilos, seguros de que Juncker iria prolongar o seu "reinado" de 18 anos. Aqueles para quem CSV e Juncker são sinónimos de estabilidade. Outros mostravam preocupação e desânimo, os que pensam que esse mesmo binómio significa imobilismo e conservadorismo.
Visto que o DP tinha crescido, mas que o CSV tinha vencido, para uma maioria de luxemburgueses a questão era apenas saber quem Juncker escolheria para parceiro de coligação.
A mais urbana e democrática das opções era Bettel deixar Juncker vir bater-lhe à porta para negociar. Eufórico com a vitória do seu partido, Bettel decretou logo no domingo à noite que "o futuro Governo não se faria sem o DP".
Juncker fez questão de pôr Xavier no seu lugar, recordando que apesar de os cristãos-sociais terem perdido milhares de votos e três assentos parlamentares, o CSV era o vencedor da noite e continuava a ser a maior força política do país. Juncker reclamou até o papel de formador do governo. Ou seja: o DP podia até festejar, mas cabia ao CSV decidir.
Mas estas equações todas não contavam com a ambição desmedida de Bettel, que surpreendou tudo e todos ao tomar a dianteira de uma coligação pouco provável.
A não ser que o jovem estratega liberal já estivesse a preparar esta jogada há muito. Só assim se percebe melhor o ataque cerrado e virulento que DP e Verdes infligiram a Juncker em Julho, no caso que o responsabilizou pelos disfuncionamentos dos serviços secretos. A estocada final veio com a "traição" dos socialistas, parceiros de coligação do CSV, que, no derradeiro momento, alinharam com a oposição e fizeram cair o Governo. Será que os três partidos se concertaram para, qualquer que fosse o resultado das eleições em Outubro, se aliarem, como única forma de retirarem o CSV do poder?
Um governo CSV-DP seria o mais lógico, porque juntaria dois partidos de direita. Mas outras ambições estão aqui em jogo. Bettel sabe que nunca estaria em posição de força num Governo com os cristãos-sociais. E governar na sombra de Juncker, não, obrigado! Choque de carismas?
Com o LSAP e os Verdes, o DP negoceia como líder e pode reivindicar as pastas que quer e até a chefia do Governo. Apesar de o DP ter o mesmo número de assentos parlamentares que o LSAP (13), os socialistas não estão em posição de força, porque tiveram menos votos que os liberais.
Quanto aos Verdes, "servem" ao DP e ao LSAP para conseguir a maioria.
Esta coligação pouco provável adivinha-se turbulenta pelas divergências ideológicas dos três partidos. É como misturar água com azeite. Ou será que basta ter um inimigo comum a abater para de repente encontrar amigos na ala oposta? Será que a vontade de destronar Juncker e o CSV são mais fortes do que as diferenças que separam os três partidos?
Parece que a aritmética oportunista prevalece sobre a política e a democracia.
Tudo isto cria uma situação que é inédita no Luxemburgo e, no mínimo, peculiar: o partido com mais votos pode ir parar à oposição.
Será que Bettel já esqueceu o que disse no domingo, após saber o resultados dos votos: "Se o Governo se fizer sem o DP, isso seria desrespeitar os resultados das urnas, e para quê fazer então eleições?". Não é o que a coligação a três está a fazer com os eleitores do CSV, que foi o partido mais votado?
E o que dizer das consequências internacionais do afastamento de Juncker do Governo? Por essa Europa fora muito são os responsáveis políticos, chefes de Estado, economistas e cidadãos que depositam no veterano dos chefes de governo europeus uma confiança e fé só comparável à que dedicam aos pais fundadores da UE. Como será lá fora a imagem do Grão-Ducado governado pela "coligação gambiana" (alcunha que deriva das cores do três partidos que evocam a bandeira da Gâmbia: azul, vermelho e verde)?
José Luís Correia
(Editorial, in Jornal CONTACTO, de 23/10/2013)
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
Enquanto houver Obama há esperança
Foto: AFP |
Os dois países tinham relações diplomáticas cortadas desde 1979.
Para que este passo histórico fosse dado, um dos mais importantes desde o fim da Guerra Fria, foi necessário a chegada de duas peças fundamentais no xadrez mundial : Obama e Rohani.
O reformista Rohani chegou ao poder em Junho e, em poucos meses, deu mostras de uma real vontade de abrir Teerão ao Ocidente. Uma atitude que contrasta diametralmente com o seu antecessor, o conservador Mahmoud Ahmadinejad.
Rohani multiplicou intervenções e entrevistas na imprensa americana e europeia, nas quais afirma querer fazer avançar o sensível dossier nuclear iraniano, parado há oito anos. Na semana passada anunciou estar já a discutir com a Agência Internacional da Energia Atómica, por forma a provar que o Irão não está a desenvolver armas nucleares.
Sincera ou não, uma tentativa de aproximação entre Teerão e Washington tinha já sido tentada em 2006 por Ahmadinejad, mas George W. Bush nem sequer respondeu à carta do então presidente iraniano, o que acabou por envenenar ainda mais as relações.
Obama, por seu lado, deixou que Rohani multiplicasse as provas de abertura da república islâmica ao mundo e o telefonema histórico que atendeu deixa pensar que uma real aproximação é possível entre Teerão e o Ocidente.
O Prémio Nobel da Paz 2009, que muitos julgavam demasiado enleado na política doméstica, começa finalmente a mostrar a nível internacional que mereceu o galardão que a Academia Sueca lhe atribuiu em 2009.
Obama deu mostras de ser diferente de Bush também numa outra questão internacional recente: a questão da Síria. Obama não se deixou influenciar pela opinião pública mundial nem pelo lobby do sector do armamento americano, que o instigavam a atacar Damasco, para « punir » e destituir o presidente sírio por este ter alegadamente ordenado um ataque a civis com armas químicas.
Obama esperou pelas conversações a nível internacional, tentou a via diplomática e inspectores da ONU passaram pela Síria, o que levou o Conselho de Segurança das Nações Unidas a decidir, esta semana, acabar com todas as armas químicas naquele país.
A resolução da ONU, assinada em conjunto por Rússia e EUA, dita o fim das armas químicas, sem culpar o regime de Al-Assad nem as facções radicais islâmicas, que tinham interesse na entrada de tropas estrangeiras no país que destituissem Al-Assad, como aconteceu com Saddam Hussein no Iraque.
Para quem se dizia há tempos desiludido com Obama, considere apenas isto : tivesse sido o seu opositor republicano a vencer as eleições em 2008 e hoje os EUA, e o mundo (ou uma boa parte dele), estariam em guerra com o Irão e a Síria. E sabe-se lá com que possíveis alastramentos naquela zona do globo.
Claro que é conjectura, mas é baseada em oito anos de « bushismo » e tudo deixa pensar que John McCain, veterano do Vietname, à semelhança de « W », iria seguir a mesma política ou mesmo agudizá-la.
A guerra civil síria, que dura há dois anos, parece ter finalmente um fim à vista, se a comunidade internacional conseguir fazer pressão sobre o regime de Al-Assad e se os EUA e Rússia se mantiverem do mesmo lado do prato da balança, sob a égide da ONU.
Finalmente, o grande perdedor nisto tudo foi o presidente francês François Hollande, que estava decidido a ser visto como um grande líder nesta questão, se mostrou logo muito decidido a fazer justiça na Síria - ao lado dos americanos, ele que tanto criticava Sarkozy por assim agir na cena internacional.
José Luís Correia
(artigo publicado no site www.wort.lu/PT)
Rótulo :
actu_mundo
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
Os políticos são gente honesta
A afirmação do título pode parecer provocação ou piada, mas não é. É uma realidade. Onde? No Luxemburgo, em Portugal? Sim, em Portugal também.
Vem isto a propósito das eleições autárquicas de domingo em Portugal e da passagem recente pelo Luxemburgo do vice-presidente da associação cívica Transparência e Integridade, Paulo de Morais, que veio falar da corrupção na classe política em Portugal (ver a nossa edição da semana passada).
Portugal foi a votos, o mapa virou cor-de-rosa, mas "continua a dança das cadeiras", diz o povo, porque já não acredita que algo possa mudar enquanto uma parte da classe política for corrupta e quiser chegar ao poder apenas para cuidar do seu próprio interesse e do dos grupos económicos que serve.
Mais do que um cliché, esta é uma realidade atroz que levou o nosso país a chegar à situação impensável a que chegou, sem que esses mesmos políticos corruptos fossem condenados ou sequer responsabilizados pelo que fizeram nos últimos 40 anos à nossa frágil democracia.
Em vez disso, culparam a população por viver acima das suas possibilidades e empurram os jovens para o estrangeiro, precisamente aqueles que podiam mudar alguma coisa. Como os que estão no poder há 40 anos não querem que nada mude (apenas permitem que a cor política mude), esvaziaram o país da sua energia vital para poderem continuar a "trabalhar".
Exagero? Então considerem isto: como é que um país como o Luxemburgo, com recursos ínfimos, se comparados com Portugal, fez para ser hoje um dos países como um dos maiores PIB per capita por mundo?
A resposta não é só uma, mas a forma como se faz e pensa a política no Grão-Ducado é com certeza uma das mais determinantes. Há quem pense que o Luxemburgo tem uma política de algibeira, que não segue as grandes ideologias políticas, um país em que há consenso nacional entre todos os partidos no poder e que o resto "é para luxemburguês ver".
O que eu noto no Luxemburgo é que a política serve o país e não o contrário. Outra das diferenças entre o Luxemburgo e Portugal está na base da pirâmide política, o sistema eleitoral. No Grão-Ducado, os eleitores votam em pessoas e não em listas. Ou seja, é eleito o candidato com mais votos e não aquele, mais os seus boys , que o partido vencedor escolhe.
No Luxemburgo também há casos de corrupção e de conflitos de interesse na política, mas são mais raros. Porque os políticos luxemburgueses são mais honestos do que os portugueses? Não, simplesmente porque aqui temem as consequências.
Em Portugal, os políticos corruptos sabem de antemão que não têm nada a temer, porque nos simulacros de julgamentos a que se assiste, quando os há, a culpa morre sempre solteira. Ou quase sempre.
No meio de tanta corrupção, há um único político corrupto preso em Portugal, Isaltino Morais. Dramático é o facto de Isaltino, mesmo atrás das grades, ter ganho as eleições (ganhou o candidato ligado a Isaltino em Oeiras). É caso para nos perguntarmos como é que políticos como este – a que podemos juntar Alberto João Jardim, Valentim Loureiro e outros que tais – gozam de tanta popularidade junto dos eleitores? É como se os valores tivessem sido invertidos.
É dramático porque generaliza a ideia de que no nosso país só se consegue alguma coisa aldrabando, enganando, roubando, corrompendo. Longos anos de corrupção política não provocaram apenas a quase bancarrota económica do país, perverteram os valores.
Razão tinha Natália Correia quando disse: "Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?".
No Luxemburgo, são raros os processos em tribunal contra políticos, ou por corrupção ou para apurar responsabilidades. Houve dois ou três nas últimas três décadas, mas com condenação dos envolvidos. Quando os casos não vão a tribunal funciona a censura pública e a sanção na hora do voto, que afastam da vida política os envolvidos.
Como, por exemplo, o burgomestre da capital, que foi sancionado pelo eleitorado nas últimas eleições comunais e teve que ceder o lugar a Xavier Bettel. Terá sido porque os moradores da capital diziam que favorecia amigos e empresas? Num outro caso, um deputado independente foi condenado por apresentar facturas falsas de viagens e desapareceu da vida política. Houve ainda um ministro da Saúde que se demitiu por "disfuncionamentos" no seu ministério e não voltou a concorrer pelo partido. Um outro ministro, da Economia, trocou a política pela "prática de vela". Terá sido por ter zelado mais pelos interesses económicos do Qatar do que os luxemburgueses? E o próprio primeiro-ministro não está imune a suspeitas. As irregularidades ocorridas nos serviços secretos foram consideradas responsabilidade sua, o que levou à queda do Governo.
Em Portugal, muitos deputados e membros dos sucessivos governos têm abertamente interesses nas empresas que favorecem com as políticas que praticam e com as leis que aprovam e continuam impunemente a fazer negócios à custa dos contribuintes e do país.
São vários os livros publicados nos últimos meses, de jornalistas e outros especialistas, que denunciam a corrupção em São Bento, como o de Paulo de Morais, que chama sem pudor "central de negócios" ao Parlamento português. Não é por acaso que estas obras são sucessos de vendas. A população sabe quem são os culpados da crise em Portugal, mas talvez não imaginasse a real dimensão da calamidade.
As eleições autárquicas de domingo são como as anteriores e as próximas, nada mudarão enquanto os políticos corruptos continuarem impunes. O que é preciso fazer para que isto mude? Quais são os exemplos à nossa volta? Os brasileiros apedrejaram o Parlamento, os gregos e os espanhóis não se cansam de se manifestar contra a austeridade, os italianos vão acabar com a imunidade de certos cargos políticos. Ou então, há sempre o exemplo do pacato Luxemburgo.
Em Portugal, emigramos. Pensamos que não podemos lutar contra as elites e deixamos o país entregue à "bicharada". A primeira coisa a mudar é essa mentalidade de que não se pode fazer nada, "eles é que mandam". Não são nada eles que mandam, somos nós que mandamos, nós os eleitores, que os elegemos. Nós, os emigrantes, podemos votar nas autárquicas portuguesas, mas apenas se continuarmos recenseados em Portugal. Mas nós, que vivemos fora do país, sabemos que existem governos que funcionam, mais ou menos honestamente, nos quais a corrupção é residual, e que as riquezas são de facto redistribuídas de forma mais ou menos equitativa. É esse o exemplo, essa a esperança, que nos compete transmitir do lado de cá.
José Luís Correia
in Jornal CONTACTO, 02/10/2013
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Retratos do alter-ego de um fotógrafo em torno de uma galeria de vamps e "femmes fatales"
Paulo Lobo, fotógrafo português residente no Luxemburgo, vestiu a pele de Edouard Allen e convidou no sábado os fãs da fotografia e do cinema para um vernissage que teve lugar no Café Ancien Cinema, em Vianden. Muitos foram os que responderam ao convite para assistir em directo e ao vivo à mutação do Lobo em Allen na exposição a que deu (deram?) o nome de "Viagem tragi-cómica através da filmografia fictícia de um ex-cinéfilo".
"O espaço não podia ter sido outro", garantiu Paulo Lobo ao CONTACTO, sobre o espaço que acolhe a mostra, o antigo cinema de Vianden, hoje um café que recebe exposições, concertos, e outros eventos culturais.
"Ele hoje não pode cá estar, mas eu sei que quando o Edouard Allen lançou o seu projecto, este foi o primeiro lugar em que pensou para o apresentar", diz Paulo Lobo com convicção e sem sinal de "esquizofrenia" aparente.
O antigo cinema voltou a acolher vedetas glamour, mas desta vez não são actrizes de Hollywood, mas as egérias do alter-ego de Paulo Lobo. "Cada fotografia retrata uma personalidade, uma história, um estado de espírito, fruto de várias sessões de fotografias efectuadas ao longo de dois anos", explica Paulo Lobo.
"O Paulo Lobo sempre sonhou ser realizador de cinema e cinéfilo, e isso é algo que está recalcado nele. Eu nasci para exteriorizar esse sentimento", confia-nos por seu lado Edouard Allen.
Neste novo projecto, Paulo juntou os seus dois amores: a fotografia e o cinema. "Sempre fui um amante do cinema, dos clássicos de Hollywood, e os grandes filmes franceses sempre me acompanharam desde criança. Por isso mesmo decidi convidar algumas modelos que, no meu ponto de vista, tinham um certo ar de actrizes desse tempo e que podiam vestir a pele das grandes musas do cinema dos anos 60", confia o fotógrafo ao CONTACTO.
Durante a vernissage foi ainda apresentado a curta-metragem "Mystery girls", do realizador português Nelson Coelho. O filme põe em cena Edouard Allen com as suas musas, as suas modelos, as suas fotografias, e a câmara indiscreta revela os bastidores das sessões fotográficas, erra atrás das personagens, mostra a metamorfose de Paulo em Edouard.
"A minha ideia inicial era filmar eu mesmo os shootings fotográficos, mas devido a vários contratempos não consegui fazê-lo. Já tinha desistido da ideia quando conheci o Nelson e o convidei para participar neste projecto", conta Paulo, que considera o resultado "excelente".
Nelson Coelho, de 28 anos, reside no Luxemburgo há três e diz-se amante da sétima arte desde os dez, altura em que começou a acompanhar o primo na aventura das filmagens. Para Nelson, o convite de Paulo foi muito bom.
"Trabalhar com o Paulo vai ajudar-me a dar a conhecer o meu trabalho e a travar conhecimentos no Luxemburgo", confia o realizador, que garante ter levado a cabo este projecto como muito prazer, embora o seu trabalho – filmar casamentos – continue a ter a sua preferência. As obras do realizador podem ser vistas no seu portal na internet em www.nelsoncoelhofilms.com (e-mail: info@nelsoncoelhofilms.com).
Paulo Lobo aproveitou ainda a vernissage para apresentar o seu mais recente blogue "The Edouard Allen Project". A noite terminou com a actuação da cantora de jazz Sascha Ley, acompanhada pelo contrabaixo do francês Laurent Payfert.
Aleida Vieira/José Luís Correia
in Jornal CONTACTO, 02/10/2013
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