sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Os políticos são gente honesta


A afirmação do título pode parecer provocação ou piada, mas não é. É uma realidade. Onde? No Luxemburgo, em Portugal? Sim, em Portugal também.

Vem isto a propósito das eleições autárquicas de domingo em Portugal e da passagem recente pelo Luxemburgo do vice-presidente da associação cívica Transparência e Integridade, Paulo de Morais, que veio falar da corrupção na classe política em Portugal (ver a nossa edição da semana passada).

Portugal foi a votos, o mapa virou cor-de-rosa, mas "continua a dança das cadeiras", diz o povo, porque já não acredita que algo possa mudar enquanto uma parte da classe política for corrupta e quiser chegar ao poder apenas para cuidar do seu próprio interesse e do dos grupos económicos que serve.

Mais do que um cliché, esta é uma realidade atroz que levou o nosso país a chegar à situação impensável a que chegou, sem que esses mesmos políticos corruptos fossem condenados ou sequer responsabilizados pelo que fizeram nos últimos 40 anos à nossa frágil democracia.

Em vez disso, culparam a população por viver acima das suas possibilidades e empurram os jovens para o estrangeiro, precisamente aqueles que podiam mudar alguma coisa. Como os que estão no poder há 40 anos não querem que nada mude (apenas permitem que a cor política mude), esvaziaram o país da sua energia vital para poderem continuar a "trabalhar".

Exagero? Então considerem isto: como é que um país como o Luxemburgo, com recursos ínfimos, se comparados com Portugal, fez para ser hoje um dos países como um dos maiores PIB per capita por mundo?

A resposta não é só uma, mas a forma como se faz e pensa a política no Grão-Ducado é com certeza uma das mais determinantes. Há quem pense que o Luxemburgo tem uma política de algibeira, que não segue as grandes ideologias políticas, um país em que há consenso nacional entre todos os partidos no poder e que o resto "é para luxemburguês ver".

O que eu noto no Luxemburgo é que a política serve o país e não o contrário. Outra das diferenças entre o Luxemburgo e Portugal está na base da pirâmide política, o sistema eleitoral. No Grão-Ducado, os eleitores votam em pessoas e não em listas. Ou seja, é eleito o candidato com mais votos e não aquele, mais os seus boys , que o partido vencedor escolhe.

No Luxemburgo também há casos de corrupção e de conflitos de interesse na política, mas são mais raros. Porque os políticos luxemburgueses são mais honestos do que os portugueses? Não, simplesmente porque aqui temem as consequências.

Em Portugal, os políticos corruptos sabem de antemão que não têm nada a temer, porque nos simulacros de julgamentos a que se assiste, quando os há, a culpa morre sempre solteira. Ou quase sempre.

No meio de tanta corrupção, há um único político corrupto preso em Portugal, Isaltino Morais. Dramático é o facto de Isaltino, mesmo atrás das grades, ter ganho as eleições (ganhou o candidato ligado a Isaltino em Oeiras). É caso para nos perguntarmos como é que políticos como este – a que podemos juntar Alberto João Jardim, Valentim Loureiro e outros que tais – gozam de tanta popularidade junto dos eleitores? É como se os valores tivessem sido invertidos.

É dramático porque generaliza a ideia de que no nosso país só se consegue alguma coisa aldrabando, enganando, roubando, corrompendo. Longos anos de corrupção política não provocaram apenas a quase bancarrota económica do país, perverteram os valores.

Razão tinha Natália Correia quando disse: "Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?".

No Luxemburgo, são raros os processos em tribunal contra políticos, ou por corrupção ou para apurar responsabilidades. Houve dois ou três nas últimas três décadas, mas com condenação dos envolvidos. Quando os casos não vão a tribunal funciona a censura pública e a sanção na hora do voto, que afastam da vida política os envolvidos.

Como, por exemplo, o burgomestre da capital, que foi sancionado pelo eleitorado nas últimas eleições comunais e teve que ceder o lugar a Xavier Bettel. Terá sido porque os moradores da capital diziam que favorecia amigos e empresas? Num outro caso, um deputado independente foi condenado por apresentar facturas falsas de viagens e desapareceu da vida política. Houve ainda um ministro da Saúde que se demitiu por "disfuncionamentos" no seu ministério e não voltou a concorrer pelo partido. Um outro ministro, da Economia, trocou a política pela "prática de vela". Terá sido por ter zelado mais pelos interesses económicos do Qatar do que os luxemburgueses? E o próprio primeiro-ministro não está imune a suspeitas. As irregularidades ocorridas nos serviços secretos foram consideradas responsabilidade sua, o que levou à queda do Governo.

Em Portugal, muitos deputados e membros dos sucessivos governos têm abertamente interesses nas empresas que favorecem com as políticas que praticam e com as leis que aprovam e continuam impunemente a fazer negócios à custa dos contribuintes e do país.

São vários os livros publicados nos últimos meses, de jornalistas e outros especialistas, que denunciam a corrupção em São Bento, como o de Paulo de Morais, que chama sem pudor "central de negócios" ao Parlamento português. Não é por acaso que estas obras são sucessos de vendas. A população sabe quem são os culpados da crise em Portugal, mas talvez não imaginasse a real dimensão da calamidade.

As eleições autárquicas de domingo são como as anteriores e as próximas, nada mudarão enquanto os políticos corruptos continuarem impunes. O que é preciso fazer para que isto mude? Quais são os exemplos à nossa volta? Os brasileiros apedrejaram o Parlamento, os gregos e os espanhóis não se cansam de se manifestar contra a austeridade, os italianos vão acabar com a imunidade de certos cargos políticos. Ou então, há sempre o exemplo do pacato Luxemburgo.

Em Portugal, emigramos. Pensamos que não podemos lutar contra as elites e deixamos o país entregue à "bicharada". A primeira coisa a mudar é essa mentalidade de que não se pode fazer nada, "eles é que mandam". Não são nada eles que mandam, somos nós que mandamos, nós os eleitores, que os elegemos. Nós, os emigrantes, podemos votar nas autárquicas portuguesas, mas apenas se continuarmos recenseados em Portugal. Mas nós, que vivemos fora do país, sabemos que existem governos que funcionam, mais ou menos honestamente, nos quais a corrupção é residual, e que as riquezas são de facto redistribuídas de forma mais ou menos equitativa. É esse o exemplo, essa a esperança, que nos compete transmitir do lado de cá.

José Luís Correia
in Jornal CONTACTO, 02/10/2013

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