sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Sismo político no Luxemburgo

Estaremos a viver um sismo político no Luxemburgo ou simplesmente o fim de uma era?

É o que muitos estarão neste momento a pensar, depois da revelação na segunda-feira à noite de que Xavier Bettel (DP) quer formar com os socialistas e com os Verdes um governo a três, relegando o CSV para a oposição, onde o partido cristão-social só esteve durante um interregno de cinco anos (1974-1979), nos últimos sessenta. Pior para muitos é que isto significa literalmente o "despejo" de Juncker do Governo. É como cair "o Carmo e a Trindade", qualquer que seja a correspondência luxemburguesa desta expressão.

No domingo, o CSV vencia as eleições e muitos ficavam tranquilos, seguros de que Juncker iria prolongar o seu "reinado" de 18 anos. Aqueles para quem CSV e Juncker são sinónimos de estabilidade. Outros mostravam preocupação e desânimo, os que pensam que esse mesmo binómio significa imobilismo e conservadorismo. Visto que o DP tinha crescido, mas que o CSV tinha vencido, para uma maioria de luxemburgueses a questão era apenas saber quem Juncker escolheria para parceiro de coligação.

A mais urbana e democrática das opções era Bettel deixar Juncker vir bater-lhe à porta para negociar. Eufórico com a vitória do seu partido, Bettel decretou logo no domingo à noite que "o futuro Governo não se faria sem o DP".

Juncker fez questão de pôr Xavier no seu lugar, recordando que apesar de os cristãos-sociais terem perdido milhares de votos e três assentos parlamentares, o CSV era o vencedor da noite e continuava a ser a maior força política do país. Juncker reclamou até o papel de formador do governo. Ou seja: o DP podia até festejar, mas cabia ao CSV decidir.

Mas estas equações todas não contavam com a ambição desmedida de Bettel, que surpreendou tudo e todos ao tomar a dianteira de uma coligação pouco provável. A não ser que o jovem estratega liberal já estivesse a preparar esta jogada há muito. Só assim se percebe melhor o ataque cerrado e virulento que DP e Verdes infligiram a Juncker em Julho, no caso que o responsabilizou pelos disfuncionamentos dos serviços secretos. A estocada final veio com a "traição" dos socialistas, parceiros de coligação do CSV, que, no derradeiro momento, alinharam com a oposição e fizeram cair o Governo. Será que os três partidos se concertaram para, qualquer que fosse o resultado das eleições em Outubro, se aliarem, como única forma de retirarem o CSV do poder?

Um governo CSV-DP seria o mais lógico, porque juntaria dois partidos de direita. Mas outras ambições estão aqui em jogo. Bettel sabe que nunca estaria em posição de força num Governo com os cristãos-sociais. E governar na sombra de Juncker, não, obrigado! Choque de carismas?

Com o LSAP e os Verdes, o DP negoceia como líder e pode reivindicar as pastas que quer e até a chefia do Governo. Apesar de o DP ter o mesmo número de assentos parlamentares que o LSAP (13), os socialistas não estão em posição de força, porque tiveram menos votos que os liberais. Quanto aos Verdes, "servem" ao DP e ao LSAP para conseguir a maioria.

Esta coligação pouco provável adivinha-se turbulenta pelas divergências ideológicas dos três partidos. É como misturar água com azeite. Ou será que basta ter um inimigo comum a abater para de repente encontrar amigos na ala oposta? Será que a vontade de destronar Juncker e o CSV são mais fortes do que as diferenças que separam os três partidos?

Parece que a aritmética oportunista prevalece sobre a política e a democracia. Tudo isto cria uma situação que é inédita no Luxemburgo e, no mínimo, peculiar: o partido com mais votos pode ir parar à oposição.

Será que Bettel já esqueceu o que disse no domingo, após saber o resultados dos votos: "Se o Governo se fizer sem o DP, isso seria desrespeitar os resultados das urnas, e para quê fazer então eleições?". Não é o que a coligação a três está a fazer com os eleitores do CSV, que foi o partido mais votado?

E o que dizer das consequências internacionais do afastamento de Juncker do Governo? Por essa Europa fora muito são os responsáveis políticos, chefes de Estado, economistas e cidadãos que depositam no veterano dos chefes de governo europeus uma confiança e fé só comparável à que dedicam aos pais fundadores da UE. Como será lá fora a imagem do Grão-Ducado governado pela "coligação gambiana" (alcunha que deriva das cores do três partidos que evocam a bandeira da Gâmbia: azul, vermelho e verde)? 

José Luís Correia
(Editorial, in Jornal CONTACTO, de 23/10/2013)

Sem comentários: