Hoje estava a ouvir um professor de escrita criativa a falar num documentário e ele dizia que sempre viveu com a impressão que algo grande, devastador, aconteceria um dia à Humanidade, no nosso tempo de vida.
Ora, isto foi o que eu sempre pensei. Mas há algo de sobrenatural nisso, há algum conhecimento omnisciente e inato em todos nós que nos deixa prever o que pode vir a acontecer?
Um outro episódio da minha vida: Eu devia ter uns 12 ou 13 anos e comecei a acreditar na serendipicidade, descobria sentidos encobertos em tudo o que me acontecia e que nada era obra do acaso. Ora, no meu egocentrismo adolescente, comecei a suspeitar que era joguete em mãos divinas, uma experiência no tubo de ensaio de um ser maior. Mas a minha arrogância ia mais longe. Eu não era apenas uma cobaia, um animalzinho a ser testado e por isso amaldiçoado por não poder ter mão no meu próprio destino, eu era também, portanto, um ser único e privilegiado, por ser A EXPERIÊNCIA desse ser divino. E isso levava-me a pensar que não só nada era acaso, como tudo o que me rodeava - as pessoas, as ruas, as cidades, os planetas, o universo, até onde era a grande questão que me obcecava, - tinha sido criado apenas para mim, para o propósito dessa experiência, como se o ser divino tivesse construído um terrário, ambiente controlado, apenas para mim, a formiga, o objecto observado.
Quando muitos anos mais tarde vi o filme Matrix (1999), dos irmãos Wachowski, foi como se fosse uma revelação para mim. Afinal, havia mais gente no mundo a pensar coisas tão aparentemente absurdas como eu.
E isto indicava que eu estava certa no meu delírio? Ou provava de alguma maneira a possível existência de uma consciência colectiva transversal a toda a Humanidade?
Analisei a coisa melhor.
Somos o produto de ingredientes, não só genéticos mas acredito que também mentais ou psicológicos, como lhes quiserem chamar, que herdámos da nossa família, da nossa educação religiosa, escolar, académica, do nosso quadro social, mais tarde profissional, e do que vamos rejeitando e escolhemos ir aceitando desse caldeirão de receitas, algumas delas aparentemente incompatíveis. Mas fizemos a síntese. Somos essa síntese. Um produto inacabado porque sempre em evolução.
Para regressar ao tal professor, ele disse ter cerca de 35 anos, pouco menos do que eu. O que eu acho é que a nossa geração - a dele e a minha - foi tão exposta, bombardeada com esse tipo de histórias de fim do mundo, de apocalipse eminente, de catástrofe global, que hoje transportamos isso em nós, como se fosse um gatilho prestes a ser premido a qualquer momento.
A pergunta não era tanto se iria ser premido, mas quando. Penso que esse medo é uma herança directa que nos vem da Guerra Fria, bem como da ameaça que logo a seguir eclodiu, ainda o Muro de Berlim não tinha bem caído, de uma catástrofe ecológica. A juntar à soma destes medos acrescente-se todos os temores explorados há mais de meio-século pela ficção e pela ficção-científica e de que a minha geração foi, é e continua a ser ávida consumidora: invasão de extraterrestres, guerra total, holocausto atómico, inverno nuclear, pandemia global, colapso económico mundial, mudança do eixo da Terra, sopro solar devastador, raios galácticos mortais, entre muitos outros fins possíveis, com um único resultado: o extermínio de toda a Humanidade.
É claro que esta crença pode não "afectar" toda a minha geração. Depende do que consumiram. Literatura, cinema, televisão, jogos, quero eu dizer.
Mas o que realmente acredito hoje é que esses universos criaram um certo imaginário colectivo, que não sei se se pode chamar consciência colectiva. Mas é inegável que determinaram a forma como pensamos, decidimos e vivemos.
Consciente disso, tento furtar-me à consciência colectiva, à minha tendência natural, porque descobri que afinal não é natural de todo, mas fabricada, artificial. Primeiro deixei de acreditar no destino, que tudo está pré-determinado, e que só eu escolho o meu caminho. Depois esforço-me por acreditar que não estamos no fim, mas no princípio, na aurora da Humanidade. E vistas bem as coisas, quer seja em grutas escuras ou no espaço sideral - as formas como ainda nos coçamos, caçamos, alimentamos, brigamos e acasalamos - continuam a ser instintos tão primitivos como os dos macacos dos quais descendemos.
No fim destas viagens alucinantes pelos meus meandros, que muitas vezes me deixam a mim mesmo com vertigens, acabo sempre por concluir que quanto mais sei, menos sei. Mas, apesar disso, estas incursões turísticas em mim e a materialização catártica pela escrita dessas crenças e desses medos recalcados fazem-me bem. Porque não servem só para me experimentar numa tentativa (vã?) de literatura, mas sobretudo para os exorcizar.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
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