sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 22 de junho de 2017

EDITORIAL no Contacto: Chamas, cinzas e luto

Como todos os anos quando há incêndios florestais, os portugueses ficam chocados e parecem acordar para uma calamidade que devora héctares de mata há décadas.

Mais uma vez, as chamas devastaram o jardim à beira-mar plantado. Jardim bem mal cuidado, de que falamos orgulhosamente mas carece de jardinagem e de jardineiro. Jardim do qual gabamos ao turista as bonitas flores, mas que basta este olhar melhor para ver as ervas daninhas. Matas onde se acumulam lixeiras ou aldeias sitiadas por labaredas não vendem postais.

A devastação que está a deixar o fogo que deflagrou no sábado no Pedrógão Grande – ainda não extinto à hora do fecho desta edição (após quatro dias!) –, faz já desta tragédia a mais pesada da história dos incêndios florestais em Portugal. As notícias das perdas humanas caíram como se fossem um eletrochoque junto dos portugueses. Um choque mais forte do que aqueles que nos sacodem nos verões em que morre um ou dois bombeiros, mas um eletrochoque que vem transvestido de uma falsa inocência. Porque mesmo se foram condições climatéricas invulgares que levaram ao início deste fogo, uma trovoada seca como dizem as autoridades, temos que nos questionar porque razão não sabemos lutar melhor contra esta calamidade que nos fustiga anualmente.

Questionemo-nos. Porque, afinal, somos todos culpados. Culpados de não fazer mais pressão junto do poder local e central que sabe há décadas que temos um país propenso aos fogos florestais. Culpados porque não denunciamos quem não limpa as suas próprias matas.

Culpados porque não condenamos o amigo que joga a beata de cigarro pela janela ao conduzir numa estrada pejada de um lado e de outro de eucaliptos, que são “autênticos bicos de gás acesos nas florestas” e só beneficiam a indústria madeireira, como denunciam os cientistas.

Culpados porque nos indignamos e comovemos nas redes sociais e nas televisões mas não agimos, não obrigamos o Governo a refundar o serviço dos guardas florestais, que foram integrados na GNR, a criar mais corporações de bombeiros profissionais, a revalorizar os bombeiros voluntários que ganham uns míseros 1,87 euros à hora e mesmo assim (a)correm, muitas vezes, para uma morte certa.

Culpados porque não questionamos o Executivo por que não investe em mais recursos humanos e materiais na prevenção de um holocausto (do grego “completamente queimado”) evitável.

Um pouco por todo o lado em Portugal, nas comunidades e também no Luxemburgo nascem movimentos solidários para com as vítimas dos incêndios.

Mas é essencial agir a montante e coragem política para implementar medidas que vão levar anos a ter efeito mas a termo farão recuar o número de fogos. É preciso investir na limpeza das matas e na reflorestação com espécies de árvores ditas “bombeiras”, que travam os incêndios, como os castanheiros, os carvalhos ou as bétulas. Também este é um investimento no turismo, mas sobretudo no futuro. Até agora, infelizmente, a política sempre optou pelas ações a curto prazo. Com o resultado que se vê.

José Luís Correia
in Contacto, 21/06/2017

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