O CONTACTO festeja este ano o seu 45° aniversário. O jornal foi fundado em Janeiro de 1970, para informar a comunidade portuguesa no Luxemburgo. Ao comemorarmos esta data, surgiu-nos uma questão natural. Em que ano exacto situar o início da emigração portuguesa para o Luxemburgo? Esta pergunta levantou outras.
Quisemos saber se algum historiador, alguma entidade associativa, federativa, ou governamental já se debruçou sobre esta questão. Infelizmente, a resposta é não. Como estabelecer uma data para o início da imigração portuguesa no Luxemburgo? Devemos tomar em conta o acordo entre os governos luxemburguês e português para a vinda de mão-de-obra lusa para o Grão-Ducado, que data de 1970? Mas se a peregrinação de portugueses a Wiltz (1968), a fundação da primeira associação lusa – as Amizades Portugal-Luxemburgo (1969) – e até o nascimento do CONTACTO (1970) precedem a data desse acordo, como fixar aí o começo da imigração? Houve outros eventos antes desses, organizados pela comunidade portuguesa? Fomos investigar.
Questionámos historiadores, responsáveis políticos e dirigentes associativos sobre o assunto. Para uns, estabelecer a data exacta não é importante, enquanto outros respondem que o número de portugueses era ínfima e que não se pode falar de comunidade antes de 1970.
O CONTACTO sabe que havia portugueses no Luxemburgo antes de 1965. Há um registo de nascimento de uma menina portuguesa em 1928, filha de um trabalhador português da Arbed, como referido na brochura “Portugueses no Luxemburgo”, da ASTI, de 1992. Em 2010, o CONTACTO entrevistou Maria Augusta Esteves, que chegou ao Grão-Ducado em 1955. Havia pelo menos meia centena de portugueses em 1960, se contarmos aqueles com autorização de trabalho (ver quadro) e os clandestinos, muitos deles a trabalhar nas vinhas do rio Mosela. Outros chegaram em 1962 e 1963. Sabemos que pelo menos um deles trabalhou na construção do porto de Mertert, entre 1963 e 1965. Algumas dezenas de pessoas já constituem uma comunidade?
Segundo a primeira funcionária do Consulado de Portugal (ver entrevista na pág. V), em 1970 já havia, pelo menos, 11 mil portugueses registados no Consulado. O Statec ignora estes números nas suas estatísticas (ver quadro). No livro “Culture portugaise au Luxembourg” (1973), o então cônsul de Portugal, José Mendes-Costa, corrobora o número de 11 mil portugueses, precisando que houve chegadas maciças em 1968 e 1969, cerca de mil num ano e quase três mil no outro.
Em apenas quatro anos, entre 1965 e 1969, chegaram mais de 5.500 portugueses. Depois, num só ano, em 1970, chegaram 5.403. O actual Consulado-Geral de Portugal no Luxemburgo não tem dados sobre as chegadas de portugueses nestes anos. Os portugueses que chegavam ao Luxemburgo e não precisavam de ir ao Consulado, não faziam parte da estatística. Ou seja, o número pode ter sido até muito maior.
Agora, tomemos em consideração apenas o ano de 1965, quando estavam registados mais de 1.500 portugueses no serviço consular (o Consulado só seria inaugurado em Março de 1966), sem contar os clandestinos, que também os havia. Um grupo de um milhar e meio de pessoas já constitui uma comunidade? Sim, dirão alguns. Não, responderão outros, um grupo humano disperso não é uma comunidade organizada, nem sequer existiam ainda associações.
E se tomássemos em conta o primeiro evento organizado por portugueses aqui no Grão-Ducado?
O CONTACTO descobriu que em Junho de 1965 os portugueses celebraram pela primeira vez no Luxemburgo o Dia de Portugal e de Camões, com uma missa na Catedral Notre-Dame. Depois da missa, houve um almoço-convívio e uma festa no restaurante Carrefour, no boulevard Royal, que contou com música, cantores e dançarinos portugueses, luxemburgueses e até cabo-verdianos (os cabo-verdianos de então tinham nacionalidade portuguesa – ver artigo na pág. XI). Os organizadores esperavam uma centena de pessoas, e ficaram surpreendidos quando apareceram cinco vezes mais portugueses (ver artigo na pág. III).
Podemos assumir esta data como o início da imigração portuguesa no Luxemburgo?
Porque é que esta questão é tão importante para nós? Se a comunidade portuguesa está no Luxemburgo há 50 anos, surpreende que nenhuma associação, federação ou entidade governamental tenha decidido ainda assinalar a data. Os portugueses, que tanto contribuem há já cinco décadas para o crescimento do país, não merecem? Não temos direito a um nome de rua ou de bairro? Os italianos tiveram direito ao seu “quartier Italia”, em Dudelange. Mas hoje, não existe nenhuma rua com o nome de Portugal ou de um português, uma placa comemorativa, uma calçada portuguesa no centro da capital, um mural de azulejos, que assinale o nosso meio-século de presença por estas terras.
A rue de Bragance, na capital, não faz referência à cidade transmontana, mas à luso-austríaca Maria Ana de Bragança (1861-1942), filha de D. Miguel, mulher do grão-duque Guillaume IV, mãe da grã-duquesa Charlotte e bisavó do actual grão-duque Henri.
É verdade que existe um busto de Camões, inaugurado em 2006, na place Léon XIII, em Bonnevoie. Mas é tão discreto que parece um parco reconhecimento da contribuição da comunidade para este país. E nós, preocupamo-nos com isso, ou somos uma comunidade sem memória? Esta reflexão sobre a imigração portuguesa e a memória até podia ir mais longe e estender-se ao país: o Luxemburgo, um país atravessado há séculos por emigrações e imigrações, não teve ainda oportunidade ou vontade política de criar um Museu das Migrações? Somos um país sem memória?
O CONTACTO não pretende responder a todas as perguntas, mas apenas lançar o debate.
Por ocasião do nosso 45° aniversário, neste suplemento especial, falámos com três portuguesas que chegaram ao Luxemburgo antes da grande vaga de imigração (págs IV e V), conversámos com a geógrafa luxemburguesa Aline Schiltz, especializada em migrações humanas, que defende que houve um processo de “lusificação” do Luxemburgo; evocámos também os primórdios da imigração cabo-verdiana para o Grão-Ducado (pág. XI) e prestámos homenagem aos portugueses e luso-descendentes que marcaram a história do desporto luxemburguês (pág. XII).
José Luís Correia
in CONTACTO, 11/03/2015