sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
-
cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 19 de março de 2015

Dossier: Imigração portuguesa no Luxemburgo começou há 50 anos (4/4)

Mili Tasch-Fernandes: “Já estou no Luxemburgo há 49 anos!” 

Há quase 49 anos no Luxemburgo, Mili Tasch-Fernandes chegou ao Grão-Ducado em Dezembro de 1966, com os pais. Tinha então 17 anos e “ainda” se chamava Mirandolina Fernandes. A vinda para o Luxemburgo surgiu porque os pais conheciam luxemburgueses que tinham “imigrado” de forma forçada para as Caldas da Rainha, de onde a sua família é oriunda.

“Os Lieberman eram judeus que tinham fugido do Luxemburgo e se exilaram nas Caldas durante a Segunda Guerra Mundial. Foi por eles que ouvi falar deste país pela primeira vez”, conta Mili. “A filha dos Liebermann casou com um amigo do meu pai, o Luís Costa e Silva, que foi director do Hospital Termal das Caldas. Em 1965, quando a empresa na qual o meu pai trabalhava foi vendida, o Luís aconselhou-o a emigrar para o Luxemburgo. Foram os sogros do Luís que encontraram um trabalho para o meu pai numa oficina de carros em Gasperich. O meu pai trabalhou ali um ano até nós virmos, em Dezembro de 1966. Mas só nos registámos no Consulado em Janeiro de 1967”, recorda Mili, acrescentando que foi ali que conheceu Maria José Donven (ver artigo aqui).

“Como eu já falava francês, encontrei trabalho como ’fille-au-pair’ (ama) na família que tinha a Boucherie Schmit, onde hoje são os Talhos Ferreira, em Bonnevoie”. Só ficou quatro meses, porque os Schmit confundiam o trabalho de ama com o de mulher de limpezas. Seguiu-se uma experiência similar numa família belga.

Já com 18 anos, concorreu a um lugar de recepcionista na empresa de construção CECO. “A minha mãe queria ir comigo à entrevista de trabalho, mas eu insisti em ir sozinha. Quando lá cheguei e vi que todas as outras candidatas estavam acompanhadas por um dos pais, fiquei desarmada”. Conta que o patrão da CECO era um luxemburguês com modos americanos. “Fez-me a entrevista com as botas em cima da mesa, usava chapéu de cowboy e fumava charuto. Gostou muito de mim, porque apesar de eu não falar luxemburguês, falava inglês. Uns dias mais tarde mandou chamar-me. “You are the girl we want!” [És a rapariga que queremos], “e sabes porquê?”, perguntou. “Porque vieste à entrevista sozinha!”, recorda. A CECO foi uma das empresas que estava na altura a construir as fábricas da Goodyear, da Dupont de Nemours e da Commercial Hydraulics. Mili foi rapidamente promovida a assistente do chefe do pessoal, o que fez com que vivesse a experiência de emitir centenas de contratos de trabalho a portugueses que faziam fila desde manhã cedo à porta da empresa.

“Aí há uns anos, cruzei-me com um senhor que me agradeceu por ter eu lhe ter feito o seu primeiro contrato de trabalho no Luxemburgo. Perguntou-me se eu sabia que nessa altura (final dos anos 60) havia um indivíduo que esperava os portugueses na gare e lhes cobrava 500 francos para os levar a uma empresa onde havia uma menina portuguesa que ’dava’ contratos de trabalho. Não sabia nada dessa história, fiquei chocada”, conta Mili.

Foi nesses anos que conheceu Charles Kraus, que era professor do irmão (que tinha 12 anos) numa ’classe d’accueil’ na escola Aldringen, e a família Pina (ver artigo na pág. IV), ambos fundadores da APL e do CONTACTO. Foi assim que naturalmente começou a colaborar com a APL e com o jornal. “Eu não escrevia só para o CONTACTO, fazia parte da equipa que passava serões a colar as cintas para enviar o jornal”, lembra. E essa aventura jornalística levou-a a outra. Em 1972, com Maria José Donven e um outro investidor, fundou a “Dois Focos”, a primeira revista portuguesa do Luxemburgo, que só durou 11 meses. “A revista era impressa na tipografia do jornal ’L’avenir du Luxembourg’, em Arlon. Os tipógrafos belgas não conheciam o português e nós tínhamos que ir trabalhar três vezes por semana para preparar o jornal”.

Nos anos 1969/70 e 1974/75 trabalhou como funcionária no Consulado de Portugal. Depois casou com um luxemburguês nascido no Congo belga, do qual teve dois filhos. Um é hoje jornalista e o outro realizador de cinema. Trabalhou ainda nos bancos BGL e Kredietbank.

Em 1977 integrou as instituições europeias, onde fez a sua carreira, tendo-se reformado há dois anos e meio. Luxemburguesa pelo casamento, foi “a primeira portuguesa a trabalhar para as instituições europeias, ainda antes de Portugal aderir à CEE”. Foi ali que dinamizou vários grupos culturais, entre outras actividades.

Estudou alemão por correspondência, “um pesadelo”, recorda, mas isso permitiu-lhe aprender luxemburguês sozinha. Durante 20 anos foi formadora do Serviço de Ensino para Adultos do Ministério da Educação e da autarquia do Luxemburgo, onde ensinou luxemburguês a portugueses e português a luxemburgueses.

Foi presidente das Jornadas Literárias de Mondorf, integrou o conselho de administração da Abadia de Neumünster, foi presidente da “Maison des Associations”, entre outras actividades culturais e associativas. Hoje, continua a colaborar activamente com a Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo (CCPL), onde é responsável pelo Pólo de Formação para Adultos. Em 2001, recebeu a comenda do Infante D. Henrique do Estado português pelo seu trabalho na difusão da cultura e da língua portuguesas.

José Luís Correia 
in CONTACTO, 11/03/2015

Sem comentários: