Começa Setembro, de volta à labuta, regresso ao trabalho,
ao business as usual , foram-se as férias grandes e o descanso sano da
silly season
. No Luxemburgo, a tradição medieva da feira estabelecida por João O
Cego prolonga por mais alguns dias a ligeireza e a ludicidade estival.
Inspirados por esse aspecto lúdico ou não tanto, e apesar de o
Parlamento luxemburguês só regressar ao trabalho na segunda terça-feira
de Outubro, alguns apressam a
rentrée política.
Como
Robert Kieffer, o presidente da Caixa de Pensões luxemburguesa, que
ataca o Governo por este ser demasiado generoso, e propõe o aumento das
quotizações sociais e mais cortes nos reembolsos médicos. Para isso,
aproveita a deixa do jornal económico alemão Handelsblatt, que acusa o
Luxemburgo de poder vir a ser "a próxima Grécia", já que o país terá uma
dívida "implícita" de 1.100 % do PIB. Sim, leram bem, mil e cem por
cento! Kieffer e o jornal alemão apostrofam assim o modelo social
luxemburguês e acusam os residentes grão-ducais de "viverem há demasiado
tempo na abundância”.
A preocupação legítima (quero
acreditar) de Kieffer é salvar a caixa de pensões da bancarrota. Mas em
vez de optar por cortar, podia propor outras soluções. Se é verdade que o
número de trabalhadores fronteiriços já não chega para assegurar a
viabilidade da caixa de pensões, então certas franjas da sociedade não
deviam ter erupções cutâneas nacionalistas à chegada de mais mão-de-obra
estrangeira, vinda de Portugal ou de outros países.
O
Luxemburgo, com uma população cada vez mais envelhecida, precisa dessa
mão-de-obra para assegurar o mesmo nível das suas pensões no futuro. O
primeiro-ministro luxemburguês Jean-Claude Juncker bem avisou há 10 anos
quando disse que o país precisava de 750 mil habitantes em 2050 para
assegurar o sistema de pensões. Já não estamos muito longe disso:
acrescente-se aos 510 mil habitantes os 150 mil fronteiriços e, se a
população continuar a crescer ao ritmo dos últimos anos – uma média de
10 mil pessoas por ano –, estaremos nos 750 mil antes de 2025, o que nos
deixa alguma margem para preparar o futuro. E o que é governar senão
prever sabiamente?
Só que em 2002 as mentes pequeninas
insurgiram-se com a proposta de Juncker. Mas ou é isso ou é cortar nas
pensões, e muito brevemente. E quem quer isso? Agora o que é necessário
fazer é agir de forma coerente e não negar evidências, acolhendo essa
mão-de-obra condignamente, já que precisamos dela.
Era o que
devia ser explicado, por exemplo, aos peticionários contra a instalação
de um centro de requerentes de asilo em Junglinster. Se os habitantes da
comuna – vamos apenas pegar nos que têm mais de 45 anos, e já são
muitos –, considerarem que são os primeiros, caso fiquem no Luxemburgo,
que vão pagar a reforma dos segundos, talvez alguns moradores até
oferecessem o terreno para construir o tal centro. Não?
Quanto
ao tal jornal alemão, o primeiro objectivo é obviamente desviar os
ódios europeus da Alemanha, que até agora se soube manter ao abrigo da
crise e lida com altivez com os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e
Espanha), os que chafurdaram na crise. Depois, e com uma cajadada só
mata mais um coelho (não o português, que esse se mostra obediente com a
cenoura raquítica que obteve do "tutor alemão", como lhe chamou António
José Seguro!), atacando Juncker na sua política
doméstica
para o pôr em questão na sua liderança no Eurogrupo. É que os políticos
alemães andam há demasiado tempo a tentar deglutir (engolir) que um
líder de um pequeno país dite a política monetária da zona euro, à
revelia dos ditames do gigante germânico. Mas falta-lhes o que Juncker
tem de sobra: uma verdadeira visão e dimensão europeias.
Na
esteira do Verão luxemburguês a já longa "telenovela" que envolve o
ministro do Trabalho teve um novo desenvolvimento. Depois de ter sido já
acusado de ingerência junto de agentes da autoridade, primeiro para
defender o filho e depois a mulher, Nicolas Schmit hesitou muito entre
ficar no executivo ou pelo lugar de embaixador em Paris. E ninguém
sequer lhe propôs o lugar de Yves Mersch à frente do Banco Central do
Luxemburgo?! Então, talvez embaixador? Decisões, decisões… Afinal, na
segunda-feira foi anunciado que o executivo escolheu Paul Duhr para
Paris. O que faz com que Schmit tenha mesmo que continuar a lidar com
mais uma polémica: a troca de director na ADEM. Polémica porque a
ex-directora Mariette Scholtus entende recorrer da decisão junto do
tribunal administrativo. Será que Scholtus vai utilizar como argumento
para se agarrar ao lugar que quando entrou em funções no ano 2000 o
desemprego estava nos 2,5 % e agora está nos 6 %? E que muitos
"placeurs" (não todos!) pouco mudaram na sua eficiência, altivez e
imobilismo (ou será mesmo ausência?) perante os desempregados? Enfim,
estes episódios da "telenovela Schmit" mancham aquele que podia ser
considerado como uma das mentes mais brilhantes do partido socialista, e
mesmo do Governo. Ele que podia ser o Juncker do LSAP é actualmente o
membro do executivo menos popular junto do eleitorado.
Mas como em todos os reinos deste globo, polvilhe-se q.b. a parte podre do bolo com cerejas e
glamour
e o povo com o barulho do circo esquece até o pão. E o que há de melhor
para dourar o baço brasão da monarquia grã-ducal e o ilustre lustro que
o país perdeu nos últimos anos do que um casamento principesco
à la Lady Di, que todos aguardam gulosamente a 20 de Outubro? Guillaume é o nosso William, aspira o povo febrilmente.
São estas as aventuras que nos aguardam na
rentrée . Esperam-se ansiosamente mais cenas dos próximos capítulos.
José Luís Correia
(In CONTACTO, 05/09/2012)