sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Opinião: Filhos, enteados e súbditos

O ministro da Justiça, François Biltgen, veio anunciar há semanas que quando o grão-duque herdeiro Guillaume casasse com a condessa Stéphanie de Lannoy, esta passaria automaticamente a ser luxemburguesa. Para isso, seria promulgada ainda em Outubro uma lei "especial" que permitiria aplicar essa... excepção.

Além de o anúncio ter indignado uma parte dos luxemburgueses (que nunca viram a condessa expressar o mínimo interesse pelo país e muito menos pela língua) e muitos residentes estrangeiros – já que estes, para terem a nacionalidade luxemburguesa, têm que residir no país há sete anos e passar um teste de língua luxemburguesa –, Biltgen vai obrigar o Parlamento a queimar etapas. Senão vejamos: o Parlamento reabre a 9 de Outubro e tem que votar uma lei que deve entrar em vigor... 11 dias depois!

Mais do que um precedente histórico, que abre uma excepção discriminatória, é um atentado à democracia. Que tempo há para o debate e a promulgação da lei? Ou isso é obsoleto neste caso porque se trata de questões de sangue azul?

É caso para perguntar: afinal que interesses há por detrás desta vontade de naturalizar à pressa a jovem condessa? Nada contra a futura grã-duquesa, à qual desejo muitas felicidades no seu matrimónio. Mas não é caso para perguntar como se vão sentir as milhares de pessoas que trabalham há décadas no Luxemburgo e que não podem pedir a nacionalidade? É que a lei só permite às pessoas que tenham chegado antes de 1984 pedir a nacionalidade sem falar luxemburguês. Ou às que aqui residem há sete anos, caso falem luxemburguês. Alguém que tenha aqui chegado, suponhamos, em 1985, e que ainda não fale a língua, não pode pedir a nacionalidade.

O ministro d(est)a (in)Justiça veio dizer a semana passada, pouco tempo depois do anúncio sobre a condessa, que quer lançar um debate público para rever alguns critérios da lei sobre a nacionalidade.

Que critérios? É que se não for para tornar mais fáceis os testes de língua e diminuir os anos de residência exigidos, não vejo que outros critérios podem ser revistos. É preciso ser belga? Ou ter sangue azul? Ainda há príncipes disponíveis na Casa Grã-Ducal para casar?

É que não vejo bem como se pode pedir a uma população trabalhadora que aceite estes critérios da lei e ao mesmo tempo uma excepção desta natureza e que, ainda por cima, pague os 350 mil euros com que o Estado luxemburguês (ou seja, o dinheiro dos nossos impostos!) se comprometeu em contribuir para as despesas do casamento.

Biltgen apresentou também o balanço sobre a lei da nacionalidade, volvidos quatro anos sobre a sua modificação em 23 de Outubro de 2008. Uma das alterações tornou possível que um cidadão se naturalizasse luxemburguês sem perder a sua nacionalidade de origem (dupla nacionalidade).

Com a entrada em vigor desta nova lei, a 1 de Janeiro de 2009, o número de naturalizações aumentou muito. Entre Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2011, deram entrada mais de 13 mil pedidos: mais de cinco mil em 2009; 3.745 em 2010; 4.007 em 2011. Nos cinco primeiros meses deste ano já deram entrada mais 2.246 pedidos. Em termos de comparação, houve quatro mil pedidos de naturalizações entre 1950 e 2008! Os portugueses são os que mais pedem a dupla nacionalidade, representando cerca de um terço dos pedidos (31,3 %); 23,2% provêm de cidadãos dos países limítrofes (França, Alemanha, Bélgica), 17,1 % de cidadãos da ex-Jugoslávia e 12,5 % de italianos.

Estes dois mil novos pedidos de naturalização vão ser submetidos a que critérios? Sabendo que a lei que abre a excepção à condessa deve ser votada em Outubro e só depois disso será discutida a lei da nacionalidade, espero, pelo menos, ver depois uma certa abertura por parte do Parlamento e do Governo aos novos pedidos de nacionalidade.

Porque nós, que trabalhamos neste e para este país, que pagamos impostos e contribuímos para pagar casamentos reais, também já mostrámos abertura com esta excepção. A não ser que tenhamos apenas o direito de ficar calados. Já não basta 46 % da população – os estrangeiros – não poderem votar nas legislativas? Quo vadis, Democracia?



José Luís Correia 
in CONTACTO, 26/09/2012

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