sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Regresso à vida doméstica


Começa Setembro, de volta à labuta, regresso ao trabalho, ao business as usual , foram-se as férias grandes e o descanso sano da silly season . No Luxemburgo, a tradição medieva da feira estabelecida por João O Cego prolonga por mais alguns dias a ligeireza e a ludicidade estival.

Inspirados por esse aspecto lúdico ou não tanto, e apesar de o Parlamento luxemburguês só regressar ao trabalho na segunda terça-feira de Outubro, alguns apressam a rentrée política.

Como Robert Kieffer, o presidente da Caixa de Pensões luxemburguesa, que ataca o Governo por este ser demasiado generoso, e propõe o aumento das quotizações sociais e mais cortes nos reembolsos médicos. Para isso, aproveita a deixa do jornal económico alemão Handelsblatt, que acusa o Luxemburgo de poder vir a ser "a próxima Grécia", já que o país terá uma dívida "implícita" de 1.100 % do PIB. Sim, leram bem, mil e cem por cento! Kieffer e o jornal alemão apostrofam assim o modelo social luxemburguês e acusam os residentes grão-ducais de "viverem há demasiado tempo na abundância”.

A preocupação legítima (quero acreditar) de Kieffer é salvar a caixa de pensões da bancarrota. Mas em vez de optar por cortar, podia propor outras soluções. Se é verdade que o número de trabalhadores fronteiriços já não chega para assegurar a viabilidade da caixa de pensões, então certas franjas da sociedade não deviam ter erupções cutâneas nacionalistas à chegada de mais mão-de-obra estrangeira, vinda de Portugal ou de outros países.

O Luxemburgo, com uma população cada vez mais envelhecida, precisa dessa mão-de-obra para assegurar o mesmo nível das suas pensões no futuro. O primeiro-ministro luxemburguês Jean-Claude Juncker bem avisou há 10 anos quando disse que o país precisava de 750 mil habitantes em 2050 para assegurar o sistema de pensões. Já não estamos muito longe disso: acrescente-se aos 510 mil habitantes os 150 mil fronteiriços e, se a população continuar a crescer ao ritmo dos últimos anos – uma média de 10 mil pessoas por ano –, estaremos nos 750 mil antes de 2025, o que nos deixa alguma margem para preparar o futuro. E o que é governar senão prever sabiamente?

Só que em 2002 as mentes pequeninas insurgiram-se com a proposta de Juncker. Mas ou é isso ou é cortar nas pensões, e muito brevemente. E quem quer isso? Agora o que é necessário fazer é agir de forma coerente e não negar evidências, acolhendo essa mão-de-obra condignamente, já que precisamos dela.

Era o que devia ser explicado, por exemplo, aos peticionários contra a instalação de um centro de requerentes de asilo em Junglinster. Se os habitantes da comuna – vamos apenas pegar nos que têm mais de 45 anos, e já são muitos –, considerarem que são os primeiros, caso fiquem no Luxemburgo, que vão pagar a reforma dos segundos, talvez alguns moradores até oferecessem o terreno para construir o tal centro. Não?

Quanto ao tal jornal alemão, o primeiro objectivo é obviamente desviar os ódios europeus da Alemanha, que até agora se soube manter ao abrigo da crise e lida com altivez com os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), os que chafurdaram na crise. Depois, e com uma cajadada só mata mais um coelho (não o português, que esse se mostra obediente com a cenoura raquítica que obteve do "tutor alemão", como lhe chamou António José Seguro!), atacando Juncker na sua política doméstica para o pôr em questão na sua liderança no Eurogrupo. É que os políticos alemães andam há demasiado tempo a tentar deglutir (engolir) que um líder de um pequeno país dite a política monetária da zona euro, à revelia dos ditames do gigante germânico. Mas falta-lhes o que Juncker tem de sobra: uma verdadeira visão e dimensão europeias.

Na esteira do Verão luxemburguês a já longa "telenovela" que envolve o ministro do Trabalho teve um novo desenvolvimento. Depois de ter sido já acusado de ingerência junto de agentes da autoridade, primeiro para defender o filho e depois a mulher, Nicolas Schmit hesitou muito entre ficar no executivo ou pelo lugar de embaixador em Paris. E ninguém sequer lhe propôs o lugar de Yves Mersch à frente do Banco Central do Luxemburgo?! Então, talvez embaixador? Decisões, decisões… Afinal, na segunda-feira foi anunciado que o executivo escolheu Paul Duhr para Paris. O que faz com que Schmit tenha mesmo que continuar a lidar com mais uma polémica: a troca de director na ADEM. Polémica porque a ex-directora Mariette Scholtus entende recorrer da decisão junto do tribunal administrativo. Será que Scholtus vai utilizar como argumento para se agarrar ao lugar que quando entrou em funções no ano 2000 o desemprego estava nos 2,5 % e agora está nos 6 %? E que muitos "placeurs" (não todos!) pouco mudaram na sua eficiência, altivez e imobilismo (ou será mesmo ausência?) perante os desempregados? Enfim, estes episódios da "telenovela Schmit" mancham aquele que podia ser considerado como uma das mentes mais brilhantes do partido socialista, e mesmo do Governo. Ele que podia ser o Juncker do LSAP é actualmente o membro do executivo menos popular junto do eleitorado.

Mas como em todos os reinos deste globo, polvilhe-se q.b. a parte podre do bolo com cerejas e glamour e o povo com o barulho do circo esquece até o pão. E o que há de melhor para dourar o baço brasão da monarquia grã-ducal e o ilustre lustro que o país perdeu nos últimos anos do que um casamento principesco à la Lady Di, que todos aguardam gulosamente a 20 de Outubro? Guillaume é o nosso William, aspira o povo febrilmente.

São estas as aventuras que nos aguardam na rentrée . Esperam-se ansiosamente mais cenas dos próximos capítulos.

José Luís Correia
(In CONTACTO, 05/09/2012)

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