Por uma verdadeira
política dos transportes
política dos transportes
Exceptuando talvez a A13 ("Collectrice du Sud")
– cuja solução é a transformação de alguns troços em verdadeira auto-estrada com ligação inevitável às congéneres da Bélgica e de França e da resolução do nó de Hellange, em direcção a Schengen –
o problema dos engarrafamentos de todas as restantes auto-estradas do país é estas se dirigirem para e em saída da capital, sem escapatória possível, tornando esses eixos concêntricos literalmente nós rodoviários difíceis de destrinçar.
Diariamente, nas auto-estradas A3, A4 e A6 que ligam o sul, o leste e o oeste à cidade do Luxemburgo, repete-se o mesmo lamentável cenário. Horas críticas em que se consegue circular, na melhor das hipóteses, a "passo de caracol".
Recordo nestas ocasiões aquele episódio caricato de um amigo meu que uma manhã pensou ser possível vir do aeroporto de Bruxelas à cidade do Luxemburgo em pouco mais de uma hora. Em Porsche! Sem querer incentivar à violação do código da estrada e a repreensíveis excessos de velocidade, posso dizer-vos que ele até teria conseguido, já que demorou uma hora de Bruxelas... a Arlon! O problema foi depois. De Arlon a Hollerich demorou mais uma. O episódio não é apenas caricato, mas verdadeiramente sintomático! Mas é este o quotidiano de alguns milhares de automobilistas que tentam aceder à mesma cidade simultaneamente utilizando infra-estruturas já obsoletas para a realidade actual.
Um país com 600 mil pessoas
Ou seja, não estamos longe do número de 750 mil pessoas prognosticado pelo primeiro-ministro Jean-Claude Juncker e que tanto alvoroço causou há uns anos. Um conhecimento básico da situação actual do mercado do trabalho e do fluxo rodoviário teria chegado para evitar tanta histeria.
Assim, todas as manhãs são mais de 130 mil os trabalhadores fronteiriços que afluem à capital luxemburguesa. E o mesmo número que parte ao entardecer. A maioria de carro, com um só ocupante, o que representa depressa quase tantos veículos como pessoas. Basta ver o número de automóveis de matrícula estrangeira nos P&R e outros tantos nas ruas e parques de estacionamento da capital.
Acresce que o Grão-Ducado é o país europeu com mais automóveis per capita , e que mesmo nós, os residentes, somos os que mais continuamos a preferir o transporte privado em detrimento do público.
O Governo discute ad eternum variantes, desvios e tangentes. E se se pode até entender que estudos de impacto ambiental levem tempo a concretizar e analisar, é preciso tomarmos consciência que essas soluções são necessárias há anos, que são hoje mesmo urgentes, e que os congestionamentos se intensificam, se não de dia para dia, de semana para semana.
Cada vez mais, as horas de ponta deixaram de ser apanágio dos engarrafamentos, proliferando agora o trânsito intenso a qualquer hora nas auto-estradas para a capital.
E basta um despiste ou uma colisão, mesmo menos grave, para que as auto-estradas, na sua grande maioria com apenas duas faixas de rodagem, entupam. O caos instala-se. É a fuga para as C.R. (estradas secundárias)! Mas até estas não chegam para tanto "deus-nos-acuda". Pior ainda em horas de ponta: os congestionamentos alargam até às localidades adjacentes às auto-estradas e aos bairros periféricos da capital.
Os ecologistas vituperam contra o alastramento do alcatrão, não querem saber de mais faixas de rodagem nem de mais asfalto, preconizando alternativas mais amigas do ambiente.
O problema é que projectos ecológicos que partam do Estado, como um eléctrico ligeiro para a capital, demoram anos a ser aprovados, outros tantos a ver a luz do dia, enquanto que outros ainda nem saem do papel.
Porque não um modelo de eléctrico-comboio híbrido para todo o país? Um comboio ligeiro fora das cidades e que funcionaria como um eléctrico no espaço urbano, conceito que chegou a ser considerado quando se começou a discutir nos anos 90 que tipo de eléctrico escolher para a cidade do Luxemburgo?
Ou porque não ir mais longe, criando uma rede de eléctrico que funcionasse entre a cidade do Luxemburgo e zonas nevrálgicas específicas do país que cresceram muito em termos urbanos ou deverão crescer nos próximos anos como Belval, Dudelange, Differdange, Mamer-Kap, Strassen-Bertrange, o triângulo Grevenmacher-Wasserbillig-Echternach, a "Nordstad" (Diekirch e Ettelbruck), como se de um verdadeiro metropolitano se tratasse e tivesse que servir a superfície do país como a área de uma grande capital europeia.
Mas até entre a capital e as cidades fronteiriças de Trier, Arlon, Thionville e Metz, de modo a incentivar os fronteiriços a não vir de automóvel.
Falta de ambição...ou de visão?
O que está, de momento, planeado para o eléctrico na capital, cuja primeira linha deverá abrir ao público em 2012 (se não ocorrerem os habituais atrasos, inerentes a este tipo de obras!) é algo com uma singular falta de ambição. Como se tudo tivesse sido feito para não levantar polémicas entre a população, que está ainda, na sua grande maioria, contra o "esventramento" das ruas da cidade do Luxemburgo para a instalação de um eléctrico.
O actual trajecto proposto pelo Ministério dos Transportes prevê uma linha Gare-Findel, pela avenue de la Liberté, av. de la Porte Neuve e Kirchberg. Mas a ligação da estação central ao Findel por Bonnevoie, e por Cents e Neudorf, por forma a "desencravar" esses bairros, não deveria ser igualmente descurada. Quanto ao Limpertsberg, seria o ponto central ideal para funcionar como plataforma entre o Kirchberg, a baixa da cidade e uma linha de eléctrico oeste no sentido dos bairros de Merl, Belair, com desvios para Sul, via Hollerich e Cessange de forma a fechar o círculo por Gasperich, Howald-Hesperange e, finalmente Gare.
Para os que retorquem que essas zonas já são hoje servidas por autocarros e que esses circulam muitas vezes vazios num movimento de ioiô inane, deve contrapor-se que não só um eléctrico polui menos, como é mais pontual e passa mais frequentemente do que um autocarro que os utentes depressa esquecem para preferir o automóvel.
E que dizer da falta de coordenação inteligente entre semáforos sucessivos que permitissem um fluxo regular e contínuo em muitas das grandes artérias da capital?
Luxemburgo, área metropolitana
Talvez a ideia, embora parecendo desproporcionada e megalómana, não só resolvesse os problemas do excesso de trânsito, como favorecesse as ligações em transporte público entre localidades de pequena e média dimensão, sem que a capital servisse sempre de ponto de passagem obrigatória. O que aliviaria simultaneamente o fluxo de entradas e saídas na capital.
Só quem já tentou deslocar-se de Remich até Esch, ou de Rodange a Redange, em transporte público, percebe onde quero chegar! Aos fins de semana sobretudo, é melhor esquecer a tão apregoada "mobilidade" do Ministério dos Transportes . Nem recorrendo ao site "mobiliteit.lu", lançado em 2002, se chega lá. Um portal que responde a todas as expectativas em termos de informações úteis, só que estas depois, frequentemente, não funcionam na prática, porque os atrasos de comboios e autocarros fazem perder as correspondências respectivas. Quem se arrisca a ficar perdido no meio do "no man's land" da província luxemburguesa?
Enquanto se tergiversa na capital sobre o eléctrico, isoladamente é essa a alternativa corajosa que deverá ser adoptada pelas autarquias de Ettelbruck e Diekirch, para fomentar, junto dos seus seus mais de 20 mil moradores, a mobilidade em transporte público entre as duas cidades.
A mesma falta de visão fez com que nenhum membro do Governo reagisse à proposta recente surgida por parte do sindicato OGB-L em prolongar a A7 até Wemperhardt (fronteira norte do país), tornando mais fluída a circulação para a Bélgica, o que seria também facilitado com a criação de circulares em Ettelbruck e Feulen no sentido Wiltz e Bastogne?
Experiências positivas como a "partilha de boleias" ("car pooling"/"co-voiturage"), mostraram já infelizmente toda a sua limitada eficácia.
As pistas cicláveis, apesar de terem aumentado em algumas cidades, nem sempre dispõem de itinerários com princípio, meio e fim.
A introdução das bicicletas de aluguer (uma boa ideia à partida!) não diminuiu de forma consequente o trânsito em Esch/Alzette, primeira cidade a importar do estrangeiro o conceito em 2004, no que deverá ser brevemente imitada pela autarquia da capital.
Mas são soluções residuais, que funcionam como complemento e não como alternativa.
Enquanto isso, os comboios continuarão a vir apinhados das zonas fronteiriças-dormitório e das principais cidades do Grão-Ducado, o trânsito de carros ligeiros e o caos rodoviário crescerão, os autocarros persistirão a chegar religiosamente atrasados e, consequentemente, os peões a transformar-se em novos automobilistas. Multiplicara-se-á intempestivamente o transporte privado, que é precisamente o que se quer evitar. Mas quer-se mesmo? A única ideia que o Governo luxemburguês ainda não teve foi o de decretar o pagamento de uma portagem para a entrada na capital, à semelhança do que acontece em Londres, o que não só seria abusivo como prejudicaria o pequeno comércio do centro em detrimento das grandes superfícies da periferia. Mas motivaria os automobilistas a optar pelos transportes públicos?
É urgente uma verdadeira política dos transportes em três tempos: a curto, médio e longo prazo, adaptada não só aos problemas de hoje mas aos que possam surgir de futuro, tendo em consideração o constante aumento demográfico, as novas zonas urbanas e de actividade, a chegada de mais mão-de-obra fronteiriça e os milhares de estudantes e profissionais estrangeiros que a Universidade nascente aguarda.
O IVL – Conceito Integrado de Desenvolvimento do Território e dos Transportes – parece ser a resposta a todos os problemas. Mas deixa demasiadas questões em aberto e muitos projectos em embrião. Resta tornar mais expeditos tanto as decisões políticas como os trâmites administrativos e ministeriais que daí advêm.
José Luís Correia (in Contacto 08.08.07)
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