Refugiados e migrantes, sejam bem-vindos! É a voz, humana e humanitária, que começa a sobressair por entre os gritinhos histéricos da turba. A turba dos grupelhos de extrema-direita que ateiam fogo a centros de refugiados; a trupe grotesca dos governos politicamente correctos ’que se comovem, mas não se movem’, como criticou o primeiro-ministro italiano, Mateo Renzi, no domingo; o bloco sisudo, ainda mais grotesco, dos governos politicamente incorrectos, como o Reino Unido, que pensam “Não, vocês não têm a pigmentação suficientemente clara, a religão certa, a nacionalidade autorizada”, mas argumentam “A Europa não vos quer cá!”.
Imaginemos uma ilha, uma ilha pequenina. Um barco naufraga ao largo, centenas de pessoas ao mar em risco de se afogar, homens, mulheres e crianças. Por muito pequena que a ilha seja, como podemos não resgatar os náufragos e depois disso continuar a olharmo-nos ao espelho e a considerarmo-nos seres humanos?
Um continente não mais é do que uma ilha maior. O nosso e os outros continentes já cá estavam quando aqui chegámos e ainda hão-de existir depois de a Humanidade deixar de habitar este planeta. Então o que faz da Europa o nosso continente, a nossa propriedade? Não chegaram os nossos antepassados de África e do Médio Oriente? Sem eles, a Europa não era o que é hoje. Não desce(nde)mos todos da mesma “árvore”? Ou ainda há por aí uns que se acham símios a pulular e a ulular num ramo, “Este é meu, este é meu!”?
Imaginemos uma mão. Se nos derem a escolher, que dedos deixaremos que nos amputem? Pode o médio funcionar sozinho só porque é o maior, ou o polegar porque é o mais gordo?
Imaginemos um mundo com cinco continentes. O nosso. Podemos construir muros e cercas de arame farpado para separar o que nem os mares conseguiram apartar? Ou entendemos finalmente que este mundo só avança com todos, ou esta ’dita’ civilização não tem futuro.
“Não há lugar para toda a gente!”, vociferam-me, vituperam, insultam-me no Facebook, cada vez que defendo uma UE aberta e solidária, e repudio a Europa-fortaleza.
O mesmo tipo de gente já dizia na década de 1970 que havia portugueses a mais no Luxemburgo. E, no entanto, foram esses portugueses que ajudaram a construir o Kirchberg, Belval, as torres de marfim da praça financeira e tudo o que faz do Grão-Ducado o país que é hoje. E quase, por certo, foram portugueses que construiram a vivendazinha ou o appartement grand standing onde vive anafada esse tipo de gente que gorgolha agora essas mesmas idiotices primárias e xenófobas.
Hoje, o Luxemburgo, Portugal, e a Europa em geral, precisam dos refugiados e dos migrantes. Toda a Europa tem a sua população a envelhecer. Por muitas campanhas de incentivo à natalidade que promovam neste ou naquele país, em 2030 a população activa da UE não será já suficiente para pagar as reformas ou para assegurar uma segurança social sustentável. O que fazer? Ou aumentamos brutalmente as quotizações sociais (ainda mais?), ou reduzimos os montantes das pensões (menos ainda?), ou deixamos entrar mais trabalhadores, mais migrantes. A matemática é simples. Não há muitos caminhos por onde escolher.
Você está disposto a trabalhar ’uma vida inteira’ e depois ter de abdicar da sua reforma, quando descontou para os outros durante 40 anos? Pois, também me parecia que não. Recusando estes refugiados e estes migrantes agora, é o nosso futuro que estamos a hipotecar. E o dos nossos filhos.
Ou a Europa sabe agir e reagir, hoje e agora, face à catástrofe humanitária que está a acontecer às suas portas – no que já é considerado o maior movimento de populações desde a Segunda Guerra Mundial –, ou esta tragédia ficará como uma mancha negra e indelével nas páginas da nossa História. Os nossos filhos questionar-nos-ão sobre os dias de hoje. E, por muito que lhes tentarmos explicar que ’tínhamos medo’, que ’não havia lugar’, que ’não havia trabalho para todos’, eles olhar-nos-ão mudos e incrédulos com a nossa desumanidade, e só verão crueldade e cobardia na nossa apatia e indiferença perante o grito desesperado de outros seres humanos a pedir socorro e a morrerem aos milhares na soleira da nossa porta. Não poderemos dizer-lhes, como outros fizeram antes de nós: “Não sabíamos!”. Todos sabemos o que está acontecer.
“Só queremos viver!”, tentam explicar às câmaras de televisão os migrantes, antes de saltar com os seus filhos ao colo o arame farpado na Macedónia, na Hungria ou em Ceuta. Fogem de guerras que não fomentaram nem entendem. Outros tentam escapar da miséria de um continente que foi esquecido depois de ter sido deixado exangue pelos colonizadores.
Nós temos a responsabilidade humana, moral e ética de acolher os refugiados. E até a responsabilidade legal, como signatários da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. Acima de tudo, eles precisam de nós, e nós precisamos deles.
José Luís Correia
in CONTACTO, 02/09/2015
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