sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

"Estou sem paciência para o fim do Mundo" - Editorial no Jornal CONTACTO

Hoje é o 266° dia do ano. Hoje, o 266° Sumo Pontífice da Igreja Católica inicia a sua visita apostólica aos Estados Unidos, no primeiro dia de uma viagem que se prolonga até domingo e que o levará até Washington, Nova Iorque e Filadélfia. Francisco será o primeiro Papa a exprimir-se perante o congresso norte-americano. Um périplo que se segue a uma visita a Cuba, onde o Santo Padre se avistou com Fidel Castro, que passou décadas a perseguir os católicos.

Hoje, celebra-se também a mais importante festa judaica, o Yom Kipur, que significa “O Grande Perdão”. Amanhã, quinta-feira, tem lugar uma das mais significativas festas do calendário litúrgico muçulmano, o “Aïd al-Adha“, a “festa do sacrifício”. 266 dias é também o tempo da gestação humana, desde a concepção, entenda-se.

Uma coisa não tem nada a ver com outra mas, no entanto, há quem queira ver sinais nestas "confluências".

Uns vêem indícios de esperança, uma cada vez maior abertura do Vaticano ao mundo, pontes e pontos comuns entre as grandes religiões, que mostram que um aprofundar do diálogo interreligioso é possível e até salutar, como preconiza Francisco. Mas, também há, como sempre, os postilhões da “desgraça” a apregoar o fim dos tempos.

Basta percorrer a internet rapidamente para encontrar a lista de todas as catástrofes que nos esperam a partir de hoje e até domingo: a colisão de um asteróide com a Terra (o que a Nasa desmentiu em Julho), um novo colapso de Wall Street e o agravamento da crise financeira, atentados terroristas em catadupa e o caos global, guerra civil nos Estados Unidos, uma nova pandemia planetária, a Terceira Guerra Mundial, a chegada de alienígenas, mais do mesmo, etcêtera e tal.



Outra vez? Mas, esperem lá, o fim do Mundo não foi lá atrás? Não estava agendado para 1999, com o ’bug’ Y2K do milénio a anunciar a queda da estação espacial Mir em cima da Torre Eiffel? Ou estarei a confundir as coisas? A não ser que tivesse acontecido em 2012, e eu não tivesse reparado? Afinal, ainda cá estamos. Paco Rabanne enganou-se, é melhor a desenhar vestidos do que a fazer profecias (ainda bem para nós e para a moda), Nostradamus revelou-se um bom calculador de eclipses e mais nada, e o calendário maia é apenas isso, uma mera agenda hortícola e religiosa.

Depois dos fins dos mundos falhados de 1999, 2000 e 2012 pensei que os paladinos da escatologia apocalíptica tivessem, eles, os dias contados. Afinal, nada há de mais resiliente do que uma ferverosa fobia do fim do mundo.

Acrescente-se a estas coincidências mais uma, a “tétrade lunar” – termo astronómico que de repente comecei a ouvir na boca de pessoas que nem sabem descrever o que é um ecplise, mas que juram a pés juntos que esse é um sinal do Armagedão. Eu cá, que até gosto de astronomia, tive que procurar o significado.

A “tétrade lunar” descreve um fenómeno raro, mas não único (a última ocorreu em 2003-2004), quando quatro ecplises lunares totais acontecem consecutivamente num relativo curto espaço de tempo. Ora, depois dos eclipses lunares de 15 de Abril e 8 de Outubro de 2014, seguidos do de 4 de Abril de 2015, o quarto, em menos de 18 meses, acontece neste próximo domingo, 27 de Setembro. Como nestes eclipses o nosso planeta se interpõe entre o Sol e a Lua, a Terra projecta a sua sombra sobre o nosso satélite, eclipsando-o e dando-lhe uma cor alaranjada, o que popularizou designações como “lua vermelha” ou “lua de sangue”.

Os arautos do apocalipse, dos mitos e dos medos, pegaram nestas coincidências, rebuscaram a Bíblia, do livro da Revelação aos textos apócrifos, retiraram excertos do seu contexto e deturparam-nos para que se ajustassem, bem ou mal, aos seus presságios funestos. Tudo bem misturado num caldeirão grosseiro, com uma pitada de superstição, uma mão cheia de crendice, temperar com mau augúrio a gosto, alguns gramas de pavor néscio e a receita sibilina está no ponto. Aquecer q.b. em lume obscurantista, servir ao povão na internet ou na tv em formato de pseudo-documentário: pânico assegurado!

 Estes Bandarras-aprendizes, que poluem a internet, o pequeno ecrã e a minha caixa de e-mail como pítias pífias patéticas, devem ter muito tempo e paciência para este tipo de hobby, ou estão desempregados, ociosos e desesperados para querer arrastar o resto da Humanidade na sua paranóia depressiva. Eu estou sem paciência para o fim do mundo.

Quanto à chegada dos extraterrestres, que sempre são anunciados nos períodos escatológicos (coitados, eles sabem lá!), devem ter decidido a tempo não desembarcar neste pardieiro. Até consigo imaginar: E.T. phone home –“Está lá? Estes terráqueos são perigosos! Desembarque desconselhado. Estes gajos não se entendem nem entres eles, continuam à paulada desde o tempo das cavernas, não se aceitam entre si, deixam morrer crianças, famílias inteiras nas praias, no mar e no deserto, sem estender a mão. Como é que vão acolher seres de outro planeta? Eles pensam que isto é tudo deles. É melhor adiar o nosso projecto de abrir ali uma feitoria.”

Se por ventura existem, os ETs devem é ter medo de nós, esta região do universo é tóxica para qualquer tipo de vida inteligente. Não são os deuses que devem estar loucos. Nós, humanos, é que damos sinais de loucura e de suicídio colectivos todos os dias. Luz precisa-se!

José Luís Correia,
in CONTACTO, 23/'09/2015

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