sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Luxemburgo, quo vadis?

Luxemburgo, para onde vais? Que futuro está o actual Governo a desenhar com a sua vontade cega de poupar? Com certeza há muito por onde desbastar, mas o executivo decidiu começar por cortar nos rendimentos das famílias.

 Qual a consequência do fim do subsídio de maternidade e de educação de que beneficiavam até agora as mães? Com certeza mais mulheres nas filas do desemprego. E, por outro lado, mais crianças em lista de espera por um lugar numa creche, quando o problema já é hoje tão grave. Sem falar nas consequências na demografia, quando a pirâmide etária já grita sufocada que precisa de mais jovens para revitalizar um país a envelhecer.

O Governo argumenta que o fim destes subsídios é a favor das mulheres, que visa incentivá-las a não fazerem uma pausa na carreira, a não ficarem dependentes do cônjuge (leia-se nas entrelinhas “e do Estado”), nem a cairem na precariedade, em caso de divórcio! Hã? Que argumento falacioso. As mulheres e homens (que também os há) que têm decidido fazer esta “pausa” de dois anos optaram em consciência para poderem estar com a sua criança nos primeiros anos de vida, os mais sensíveis de um bebé.

Até agora as famílias recebiam um abono pelo pelo primeiro filho (262,48 euros) e à medida que o número de filhos aumentava também os abonos eram maiores. As famílias que no futuro tiverem filhos podem vir a receber menos 773,76 euros por ano para o segundo filho dos que as famílias já com filhos, e o fosso será ainda maior caso a família cresça. É não só nas classes desfavorecidas como nas classes médias que estas medidas se vão ressentir mais, hoje já tão afectadas pela crise.

O Governo liberal–socialista-verde critica tudo o que o CSV fez de errado nos últimos 10 anos, mas não diz que corta precisamente nos subsídios criados nos anos 70 pelos cristãos-sociais (Coincidência?). Não foram conquistas dos socialistas, como seria de esperar, pois também passaram pelo poder nessa altura, já com o DP. Mas o liberalismo do DP acaba sempre por sobrepôr-se aos valores de esquerda, não é, caro LSAP? E que dizer da conivência silenciosa dos Verdes face a estas medidas, eles que sempre se reivindicaram da esquerda? A não ser que o LSAP e os Verdes sejam apenas uma “esquerda caviar”, como aquela que vive o seu apogeu hoje em França. Lá se vão direitos duramente adquiridos e os “sem-dentes” que se lixem, são danos colaterais de uma política pseudo-visionária de um “Plano do Futuro”, como o baptizou Bettel. O corte destes dois subsídios visa poupar 75 milhões de euros. É o nosso futuro vendido ao desbarato.

O Governo diz querer lutar contra os preços altos do imobiliário, ao aumentar o IVA de 3% para 17% para quem comprar casa para habitação secundária ou para arrendar a terceiros. A eficácia da medida é questionável. Será que não vai antes desincentivar os investidores a não criarem mais alojamentos, o que fará subir ainda mais os preços? Seria preferível que o Estado criasse massivamente habitações, para que a oferta se tornasse maior do que a procura. Bettel anunciou querer criar 10 mil novos alojamentos. Parece uma medida grandiosa. Mas o que não disse foi onde e como o vai fazer. E, sobretudo, em quanto tempo? Em dois, três ou quatro anos? Sabendo que são construídos cerca de 3 mil alojamentos por ano no Luxemburgo, quando as necessidades são o dobro, se forem construídos 10 mil alojamentos até ao fim da legislatura em 2018, vai construir-se até menos do que até aqui! Será que é tudo apenas cosmética e política de boas intenções?

Todos sabem como mudar a situação, falta vontade política. Porque razão há tantos apartamentos e casas a acolherem empresas quando deviam ser habitações? Porque a lei o permite. E porque não se muda a lei? Talvez porque uma casa arrendada a uma empresa renda mais do que alugada a um privado, e alterar o estado das coisas iria mexer no bolso de demasiada gente. E, já agora, porque não fiscalizar as construtoras a quem o Governo adjudica obras e que para não empregarem mais mão-de-obra e para “travarem” o ritmo das construções, trabalham uns dias numa obra e outros dias noutra?

O DP tem neste dossier a sua grande oportunidade de mostrar como faz a diferença face ao fracasso do CSV, que deixou durante anos o ministro da Agricultura e da Habitação acumular as duas pastas. Como grande amigo dos proprietários das terras, este último nunca se esforçou em convencê-los a ceder terrenos para habitação às comunas. E as comunas, em vez de cumprirem o Pacto Habitação, fintavam os seus deveres. Nunca nenhuma comuna foi penalizada. Então para que serve este pacto?

O anterior Governo desculpava-se que as autarquias são autónomas em certos pelouros, como na habitação e na educação primária (por isso muitas não cedem salas para as aulas na língua materna, como o Ministério da Educação diz promover), e que não podem impôr nada às comunas nessas matérias, direito que vem consagrado na Constituição. Ora, se estas são realmente prioridades do Governo, altere-se a Constituição. Já foi alterada por menos que isso.

Bettel anunciou ainda uma nova contribuição, de 0,5% sobre todos os rendimentos, e para fazer engolir a pílula, acrescentou que o dinheiro vai servir para construir as tais creches, que vão faltar. Essas creches vão ser gratuitas e as crianças vão aprender línguas (luxemburguês para as estrangeiras, por ex.), o que as preparará melhor para a escola. Mas de que gratuitidade fala Bettel? As despesas que os pais tinham com as creches já eram pagas, quase na totalidade, pelos cheques-serviço. Além disso, não é em todas as creches que as crianças podem aprender a falar luxemburguês, vai então passar a ser obrigatório haver pessoal nas creches que fale a língua nacional?

Bettel diz que todos têm de pagar a factura da dívida pública. Até os funcionários públicos! A sério? Bettel prevê retirar-lhes dois privilégios: o de gozarem o salário durante mais três meses após irem para a reforma e a gratuitidade do estacionamento no local de trabalho. Hã? As medidas são tão frouxas que até o habitualmente exaltado sindicato da Função Pública (CGFP) as criticou baixinho. E que tal tabelar os salários da Função Pública aos do sector privado, para que o funcionalismo não seja o apregado “último baluarte” (dixit CGFP) dos trabalhadores luxemburgueses? Ou flexibilizar os contratos (e os despedimentos) na FP e não só no sector privado, como preconiza o ministro do Trabalho? Isto vindo de um ministro socialista, recorde-se. Qual esquerda?

Acho que com tudo isto fica bem claro qual o paradigma social do Governo para os anos que aí vêm.

José Luís Correia
in CONTACTO, 22/10/2014

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Começou a campanha para as legislativas e para as presidenciais

António Costa é desde domingo o novo homem forte do PS. Desde a sua eleição em Julho de 2011 como secretário-geral do partido, António José Seguro tentou construir uma oposição sólida contra o Governo PSD/CDS. A tarefa não parecia difícil, até pela impopularidade crescente a que este Governo fez face quase desde a primeira hora.

No entanto, militantes socialistas e portugueses em geral só puderam constatar nestes três anos que Seguro não soube demonstrar o que o faria de diferente de Passos Coelho se estivesse no poder. Nem o infeliz episódio da pseudo-demissão “irrevogável” de Paulo Portas soube aproveitar mediaticamente. Nem tão pouco a vitória que o PS conseguiu nas eleições europeias de Maio último. Como se nestes três anos Seguro estivesse a treinar para um cargo que nunca terá. Afinal, o “inimigo” veio de dentro.

A candidatura de António Costa à liderança do partido foi vivida como um golpe de estado por Seguro, uma “deslealdade”, como o próprio repetiu vezes sem conta nos media. Como se na política houvesse lealdade, ó Tó-Zé, descobriste a pólvora? Em vez de mostrar as garras, choramingou, traído pelo partido. Nem nos debates com Costa convenceu. O que faltou sobretudo a Seguro durante este tempo todo foi segurança. Uma falta que pagou bem caro quando começou a ver quase todos os históricos do partido a apoiarem o contendor. Incentivado por uns, empurrado por outros (por Sócrates, por exemplo), e levado pela sua própria vontade de poder, Costa apostou e venceu.

Falta um ano para as legislativas e pouco mais para as presidenciais, este era o momento certo. Para Costa e para o PS. Costa percebeu que os militantes querem um PS mais forte, não apenas como oposição figurante, mas sobretudo como um partido capaz de vencer tanto as legislativas de Outubro de 2015 como as presidenciais de Janeiro de 2016. Anunciada a candidatura de António Guterres a Belém, António Costa, até então potencial presidenciável do PS, caiu sobre as quatro patas e deu a volta a situação. Com Belém fora do campo de visão, apontou a S. Bento. É essa a missão de Costa: devolver as chaves do poder ao PS. Mas será que Costa chega para dar um novo alento ao PS e fazer esquecer seis anos de socratismo, ele que foi durante dois anos o n° 2 do Governo de José Sócrates (2005-2007)?

É preciso entender o seguinte: no domingo, assim que a liderança mudou no PS, começou a campanha para as legislativas e até para as presidenciais. Costa promete ser uma oposição muito mais dura que Seguro e conta para isso com o apoio dos pesos-pesados do partido. Por outro lado, face a uma vitória do PS nas legislativas, os candidatos presidenciáveis ainda não assumidos da direita vão avançar e as águas vão ficar agitadas no PSD.

É neste ambiente que Portugal vai viver nos próximos 14 meses. Mas que alternativa têm os portugueses? Mais austeridade à PSD ou o regresso do PS repudiado em 2011? O que pode propor Costa que Seguro não conseguiu? Ou mesmo Passos Coelho? Alguém reteve alguma proposta de Costa na sua campanha das primárias? Seguro prometeu demitir-se se tivesse que aumentar os impostos ao chegar a Governo. É uma promessa que não terá de cumprir. Safou-se dessa! Costa nem isso prometeu. Vai Costa fazer mudar o país do rumo da austeridade, pode sequer fazê-lo neste momento? Lembre-se que foi o PS de Sócrates que chamou a ’troika’ e depois lavou daí as mãos como Pilatos, quando já era quase certo que perderia as eleições.

Para muitos, Costa significa apenas o regresso dos socráticos. Se chegar ao Governo, o que vai definir a governação de Costa é também o tipo de coabitação que terá com o futuro Presidente da República. Se for Guterres, Costa viverá uma coabitação fácil, num pais reconciliado com o PS e com luz verde para governar como entender até, pelo menos, 2019. Poderá, quiçá, fechar o ciclo da austeridade despoletado por Sócrates dez anos antes, graças a isso ser reeleito e governar até 2023. Isso fará de Costa um sucessor quase certo de Guterres como PR (se fizer dois mandatos, Guterres sai em 2026), o que pode vir a abrir um novo ciclo de 20 anos do PS em Belém, já conseguido pela dupla Soares-Sampaio entre 1986 e 2006.
Mas este novo ciclo pode revelar-se mais estável e próspero, porque nao terá de enfrentar uma década de coabitação difícil (Soares/Cavaco, 1986-1996).

Advinham-se então bons tempos para Portugal? Podíamos aqui conjecturar outras possibilidades de coabitação como Costa/Durão Barroso, Costa/Santana Lopes ou mesmo Costa/Rebelo de Sousa. Mas seria em vão. Santana Lopes não reúne consenso nem dentro nem fora do partido; Rebelo de Sousa goza de popularidade mediática, mas apenas fora do partido; Barroso parece ser a melhor opção do PSD, mas será que reúne os favores dos portugueses? E face a Guterres, todos os outros nomes parecem não conseguir aguentar a distância para a corrida às presidenciais. A não ser que a ONU não deixe sair Guterres de Nova Iorque! Nesse caso, todas as configurações são possíveis, até uma presidencial Barroso-Sócrates.

Estas conjecturas não são apenas masturbação intelectual. Servem para explicar que o calendário do cidadão comum não é o mesmo dos políticos. Nós pensamos se vamos conseguir pagar a factura ao fim do mês e se vamos ou não ter dinheiro para as férias. Os políticos têm calendários que não vão de Janeiro a Dezembro, mas que vivem ao ritmo das eleições e das nomeações, programados pelos cargos e poder a que aspiram, e são por isso “agendas” bienais, quinquenais e até decenais. PS e PSD alternam-se no poder há 30 anos, o que para muita gente significa que são irremediavelmente as duas faces da mesma moeda, ou não tivessem ambos contribuído para a crise em que o país caiu. No entanto, nas sondagens, os portugueses continuam a preferir PS ou PSD aos outros partidos. Há maior contradição?

No Luxemburgo, após 60 anos de governação quase ininterrupta do CSV, uma coligação ’tutti-frutti’, que junta liberais, socialistas e verdes chegou ao poder. O seu único ponto comum era não quererem voltar a deixar o Grão-Ducado nas mãos do mesmo partido. Valiam-se de ter mais votos juntos que o CSV, que saiu vencedor das eleições. Nenhuma comissão de eleições nem nenhum Conselho de Estado veio contestar a matemática improvisada e assim alguns desses partidos são pela primeira vez hoje Governo. Os eleitores que neles votaram deram o aval, os outros pouco constestaram.

Poder-se-ia assistir a uma “sublevação”, a uma contestação semelhante em Portugal? Ou as máquinas partidárias é que decidem o que o povo deve pensar e em quem deve votar? O monárquico Alexis de Tocqueville assim o profetizou no século XIX: “Le suffrage universel ne me fait pas peur, les gens voteront comme on leur dira”. Será?

José Luís Correia
in CONTACTO, 01/10/2014