António Costa é desde domingo o novo homem forte do PS. Desde a sua eleição em Julho de 2011 como secretário-geral do partido, António José Seguro tentou construir uma oposição sólida contra o Governo PSD/CDS. A tarefa não parecia difícil, até pela impopularidade crescente a que este Governo fez face quase desde a primeira hora.
No entanto, militantes socialistas e portugueses em geral só puderam constatar nestes três anos que Seguro não soube demonstrar o que o faria de diferente de Passos Coelho se estivesse no poder. Nem o infeliz episódio da pseudo-demissão “irrevogável” de Paulo Portas soube aproveitar mediaticamente. Nem tão pouco a vitória que o PS conseguiu nas eleições europeias de Maio último. Como se nestes três anos Seguro estivesse a treinar para um cargo que nunca terá. Afinal, o “inimigo” veio de dentro.
A candidatura de António Costa à liderança do partido foi vivida como um golpe de estado por Seguro, uma “deslealdade”, como o próprio repetiu vezes sem conta nos media. Como se na política houvesse lealdade, ó Tó-Zé, descobriste a pólvora? Em vez de mostrar as garras, choramingou, traído pelo partido. Nem nos debates com Costa convenceu. O que faltou sobretudo a Seguro durante este tempo todo foi segurança. Uma falta que pagou bem caro quando começou a ver quase todos os históricos do partido a apoiarem o contendor.
Incentivado por uns, empurrado por outros (por Sócrates, por exemplo), e levado pela sua própria vontade de poder, Costa apostou e venceu.
Falta um ano para as legislativas e pouco mais para as presidenciais, este era o momento certo. Para Costa e para o PS. Costa percebeu que os militantes querem um PS mais forte, não apenas como oposição figurante, mas sobretudo como um partido capaz de vencer tanto as legislativas de Outubro de 2015 como as presidenciais de Janeiro de 2016. Anunciada a candidatura de António Guterres a Belém, António Costa, até então potencial presidenciável do PS, caiu sobre as quatro patas e deu a volta a situação. Com Belém fora do campo de visão, apontou a S. Bento. É essa a missão de Costa: devolver as chaves do poder ao PS.
Mas será que Costa chega para dar um novo alento ao PS e fazer esquecer seis anos de socratismo, ele que foi durante dois anos o n° 2 do Governo de José Sócrates (2005-2007)?
É preciso entender o seguinte: no domingo, assim que a liderança mudou no PS, começou a campanha para as legislativas e até para as presidenciais.
Costa promete ser uma oposição muito mais dura que Seguro e conta para isso com o apoio dos pesos-pesados do partido. Por outro lado, face a uma vitória do PS nas legislativas, os candidatos presidenciáveis ainda não assumidos da direita vão avançar e as águas vão ficar agitadas no PSD.
É neste ambiente que Portugal vai viver nos próximos 14 meses.
Mas que alternativa têm os portugueses? Mais austeridade à PSD ou o regresso do PS repudiado em 2011? O que pode propor Costa que Seguro não conseguiu? Ou mesmo Passos Coelho? Alguém reteve alguma proposta de Costa na sua campanha das primárias? Seguro prometeu demitir-se se tivesse que aumentar os impostos ao chegar a Governo. É uma promessa que não terá de cumprir. Safou-se dessa! Costa nem isso prometeu. Vai Costa fazer mudar o país do rumo da austeridade, pode sequer fazê-lo neste momento? Lembre-se que foi o PS de Sócrates que chamou a ’troika’ e depois lavou daí as mãos como Pilatos, quando já era quase certo que perderia as eleições.
Para muitos, Costa significa apenas o regresso dos socráticos. Se chegar ao Governo, o que vai definir a governação de Costa é também o tipo de coabitação que terá com o futuro Presidente da República. Se for Guterres, Costa viverá uma coabitação fácil, num pais reconciliado com o PS e com luz verde para governar como entender até, pelo menos, 2019. Poderá, quiçá, fechar o ciclo da austeridade despoletado por Sócrates dez anos antes, graças a isso ser reeleito e governar até 2023. Isso fará de Costa um sucessor quase certo de Guterres como PR (se fizer dois mandatos, Guterres sai em 2026), o que pode vir a abrir um novo ciclo de 20 anos do PS em Belém, já conseguido pela dupla Soares-Sampaio entre 1986 e 2006.
Mas este novo ciclo pode revelar-se mais estável e próspero, porque nao terá de enfrentar uma década de coabitação difícil (Soares/Cavaco, 1986-1996).
Advinham-se então bons tempos para Portugal?
Podíamos aqui conjecturar outras possibilidades de coabitação como Costa/Durão Barroso, Costa/Santana Lopes ou mesmo Costa/Rebelo de Sousa. Mas seria em vão. Santana Lopes não reúne consenso nem dentro nem fora do partido; Rebelo de Sousa goza de popularidade mediática, mas apenas fora do partido; Barroso parece ser a melhor opção do PSD, mas será que reúne os favores dos portugueses? E face a Guterres, todos os outros nomes parecem não conseguir aguentar a distância para a corrida às presidenciais.
A não ser que a ONU não deixe sair Guterres de Nova Iorque! Nesse caso, todas as configurações são possíveis, até uma presidencial Barroso-Sócrates.
Estas conjecturas não são apenas masturbação intelectual. Servem para explicar que o calendário do cidadão comum não é o mesmo dos políticos. Nós pensamos se vamos conseguir pagar a factura ao fim do mês e se vamos ou não ter dinheiro para as férias. Os políticos têm calendários que não vão de Janeiro a Dezembro, mas que vivem ao ritmo das eleições e das nomeações, programados pelos cargos e poder a que aspiram, e são por isso “agendas” bienais, quinquenais e até decenais.
PS e PSD alternam-se no poder há 30 anos, o que para muita gente significa que são irremediavelmente as duas faces da mesma moeda, ou não tivessem ambos contribuído para a crise em que o país caiu. No entanto, nas sondagens, os portugueses continuam a preferir PS ou PSD aos outros partidos. Há maior contradição?
No Luxemburgo, após 60 anos de governação quase ininterrupta do CSV, uma coligação ’tutti-frutti’, que junta liberais, socialistas e verdes chegou ao poder. O seu único ponto comum era não quererem voltar a deixar o Grão-Ducado nas mãos do mesmo partido. Valiam-se de ter mais votos juntos que o CSV, que saiu vencedor das eleições. Nenhuma comissão de eleições nem nenhum Conselho de Estado veio contestar a matemática improvisada e assim alguns desses partidos são pela primeira vez hoje Governo. Os eleitores que neles votaram deram o aval, os outros pouco constestaram.
Poder-se-ia assistir a uma “sublevação”, a uma contestação semelhante em Portugal? Ou as máquinas partidárias é que decidem o que o povo deve pensar e em quem deve votar? O monárquico Alexis de Tocqueville assim o profetizou no século XIX: “Le suffrage universel ne me fait pas peur, les gens voteront comme on leur dira”. Será?
José Luís Correia
in CONTACTO, 01/10/2014
quarta-feira, 1 de outubro de 2014
Começou a campanha para as legislativas e para as presidenciais
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