sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Editorial: Pós-Democracia

Face ao “cansaço” e à desconfiança que os eleitores têm da democracia, o belga David Van Reybrouck propõe uma outra forma de regime democrático.

A democracia está a dar cabo da democracia. Ou, pelo menos, com a ideia que temos da democracia. É o que defende o belga David Van Reybrouck em “Tegen Verkiezingen” (“Contras as Eleições”). O livro de 2013 (em francês, na Actes Sud, em 2014), saiu bem antes de Trump ter sido eleito ou do Brexit, sufrágios que vieram recentemente questionar o bem-fundado deste regime considerado “o pior, à exceção de todos os outros” (Winston Churchill).

Para Van Reybrouck, uma das ideias pré-concebidas mais correntes hoje em dia é que as pessoas já não acreditam na política. O que é errado, avisa. As pessoas já não acreditam nos políticos, o que é completamente diferente, diz o belga. ao que apelida de “síndrome do cansaço democrático”. E é o que explica o Brexit ou a eleição de Trump, vitórias que ninguém esperava.

A estas, acrescente-se também as vitórias imprevistas de François Fillon nas primárias da direita francesa, e a de Benoît Hamon (quem? exatamente!) na primeira volta das primárias da esquerda em França, batendo os dois favoritos Manuel Valls e Arnaud Montebourg. Ao ex-primeiro-ministro (Valls) e ex-ministro da Economia (Montebourg), membros muito mediáticos do Governo Hollande, o mais discreto ex-ministro da Economia Solidária (Hamon), que fez parte desse mesmo executivo (!), obteve a preferência dos votos. E tudo indica que o ’outsider’ volte a ser o mais votado na segunda volta, no próximo domingo. 


A acreditarmos em Van Reybrouck (na foto, a preto e branco), estas vitórias só surpreendem quem não se tenha apercebido da “fadiga” dos eleitores pelos “políticos/suspeitos do costume”. Alguém que não seja identificado com o “establishment” parte logo com vantagem.

É que a “desconfiança” que os eleitores sentem em relação à elite política contrasta com o interesse cada vez maior que têm pela política, diz o autor flamengo. Preferem assim votar em alguém que incarne a diferença (nem que isso conduza ao caos social ou à extrema-direita no poder, o que é o mesmo!), alguém de fora da esfera política (como Trump) e que não os observe de forma sobranceira como as elites fazem.

Em 2015, no documentário “Demain” (atualmente em exibição no Luxemburgo, ver pág. 14-15), Van Reybrouck fala da ideia senão errada, pelo menos parcial e enviesada, que temos da democracia, preconizando outras formas desse regime. Se com o sufrágio não chegamos a uma forma de governo equilibrado, opte-se por outra solução. O autor propõe uma das mais antigas formas de democracia, testada há quase três mil anos pelos atenienses: o sorteio de cidadãos voluntários para governar (a cidade ou o país) durante o tempo de um mandato, de forma rotativa.

Talvez esta seja a única forma de evitar que (mais) demagogos, populistas, xenófobos e extremistas cheguem ao poder. Talvez seja tempo de pensarmos na pós-democracia.

José Luís Correia, in Contacto, 25/01/2016

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