sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

EDITORIAL no jornal Contacto

“Hay motivo!”

O padre Belmiro Narino deixou-nos na quarta-feira de madrugada. Deixou órfã a comunidade portuguesa do Luxemburgo, que tanto amava e onde viveu quase quarenta anos.

“Hay motivo!” era uma das expressões preferidas do padre Belmiro, que faleceu na quarta-feira. Deixou órfã a comunidade portuguesa do Luxemburgo, que tanto amava e onde viveu quase 40 anos, quase metade da sua vida, e deixou órfão o Contacto, onde desde 1978 acompanhou Carlos de Pina, que morreu em 1986, e Lucien Huss, falecido em 1998, e desde aí foi portador da chama, da herança, da missão e da ambição dos dois fundadores do jornal.

“Hay motivo!” porque para Belmiro havia sempre motivo para rir, conviver e partilhar. Entre jovens e menos jovens era sempre, com a sua alegria de viver, vivacidade intelectual, gosto para a piada inteligente e a citação certeira e oportuna, o mais juvenil, no sentido em que a juventude é o auge da vida.

“Hay motivo!” porque para quem o conhecia, quem com ele privou e trabalhou, sabe que era um homem de causas e convicções, e que era um “facilitador”, sabia falar com as elites e com o mais comum dos seus concidadãos, e conseguia fazer e ser a ponte entre os dois, em prol dos mais nobres projetos.

“Hay motivo!” como um grito de vida, de liberdade, de ação e de expressão, pela qual lutou contra a ditadura. Primeiro, nas aulas que deu no Fundão, na Guarda e em Lisboa, e também através de artigos na imprensa, nomeadamente no Jornal do Fundão. Anos depois, no Contacto, foi com a mesma determinação e verve, do Verbo e do verbo, que escreveu artigos e editoriais pelas cruzadas que travou: o voto dos emigrantes nas presidenciais (na lei desde 1996), o voto dos estrangeiros nas comunais do Luxemburgo (que existe desde 1999), a promoção da língua e da cultura portuguesas como bases fundamentais e sólidas da integração e não da assimilação, o Evangelho, o Concílio Vaticano II, que dizia, estar “por cumprir” em terras grã-ducais.

Defender causas nem sempre consensuais valeram-lhe rivalidades e inimizades. Mas contra estes, Belmiro não enjeitava o em/de-bate. Com a espada do intelecto numa mão e o escudo da fé na outra, argumentava citando filósofos, teólogos, políticos, pensadores, muitos dos quais bebera mesmo fora do campo da religião, porque “da discussão nasce a luz” era o seu credo. Com uma pitada de humor q.b.

Os seus sermões nas missas, primeiro em Santo Afonso e depois em Sandweiler, escrevia-os como “fachos a arder na noite escura”, abordavam religião, política, temas sociais, mais ou menos polémicos, porque para Belmiro não havia tabus.

Os princípios dos Franciscanos, a que se orgulhava de pertencer, são, entre outros, a missão (noutras terras), a humildade de estar à escuta dos outros, a justiça, na verdade e na transparência, a alegria de viver (como Cristo, assim prega o Papa Francisco) e o espírito universalista. Belmiro cumpriu estes princípios, é a obra de vida que nos deixa. Não ficámos mais pobres, ficámos mais ricos porque Belmiro cruzou o nosso caminho.

José Luís Correia in Contacto, 18/01/2017

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