sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Editorial no jornal Contacto: "Os outros"

A globalização aproximou as nações, mas, por outro lado, fez aumentar as desigualdades entre países ricos e países pobres. E há quem utilize isso, com fins políticos, para fomentar o medo e a desconfiança entre os povos.

“A Presidente de França Marine Le Pen celebrou com entusiasmo, no seu discurso de ano novo, a saída do seu país da zona euro, que entrou em vigor a 1 de janeiro. Le Pen prometeu aos franceses que o Novo Franco será ’uma moeda forte que marcará um novo tempo na história de França’. Acrescentou ainda que antes do mês de maio, os franceses serão chamados a pronunciar-se em referendo sobre a permanência na UE. Le Pen recebe, aliás, esta semana o Presidente dos EUA, Donald Trump, para discutir possíveis acordos a firmar quando França deixar ser membro da UE. À margem do seu discurso, Le Pen prometeu ainda apoiar financeiramente o novo partido de extrema direita luxemburguês nas legislativas de outubro próximo no Grão-Ducado, partido que, recorde-se, obteve 7% nas últimas eleições comunais”. 

Isto é o que não quero e espero não ter que escrever em janeiro de 2018. O ano de 2017 nasce com muitos medos. Mas também com boas intenções, que só por si não bastam para alterar a rota de colisão que Trump e Le Pen nos querem fazer seguir.

A UE decretou 2017 ano europeu do património cultural, e a ONU, ano internacional do turismo sustentável para o desenvolvimento. Promovem assim a ideia de um turista com consciência dos valores culturais e humanos dos países que visita. De modo a favorecer, diz a ONU, “a compreensão entre os povos, fazer melhor conhecer a rica herança das diferentes civilizações e apreciar os valores inerentes às diferentes culturas, contribuindo para reforçar a paz mundial”.

Um turista consciente é o quê? Um alemão que quer encontrar wienerschnitzel em todas as ementas dos hóteis de Ibiza? Um russo que arma zaragata se o ’all inclusive’ em Jerba não compreender todos os tipos de vodca? Um português que acha que a República Dominicana é “riquíssima e maravilhosa” mas nunca saiu do enclave protegido do seu hotel? Hoje, visitamos os quatro cantos do mundo como quem vai de Lisboa ao Algarve, mas esquecemo-nos muitas vezes de descobrir a cultura e os autóctones desses locais. A ignorância é mãe de todos os medos e o desconhecimento fomenta a desconfiança.

Além disso, “a globalização fez aumentar as desigualdades”, disse António Guterres no seu discurso de tomada de posse como secretário-geral da ONU. Essas desigualdades são uma das causas de muitos conflitos, entre os que se sentem explorados e os que estes consideram os privilegiados da aldeia global. Devemos “trabalhar juntos para passarmos de ter medo uns dos outros, para confiar uns nos outros”, disse ainda Guterres.

Para essa compreensão mútua entre os povos em nada contribuem políticos como Le Pen ou Trump, que veem nos outros a origem de todos os males, os árabes são terroristas e os mexicanos violadores. São atalhos perigosos que fomentam apenas o medo. Não é disso que o Mundo precisa. Nem em 2017, nem em 2018. Nunca.

José Luís Correia, in Contacto, 04.01.2017

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