Face ao “cansaço” e à desconfiança que os eleitores têm da democracia, o belga David Van Reybrouck propõe uma outra forma de regime democrático.
A democracia está a dar cabo da democracia. Ou, pelo menos, com a ideia que temos da democracia. É o que defende o belga David Van Reybrouck em “Tegen Verkiezingen” (“Contras as Eleições”). O livro de 2013 (em francês, na Actes Sud, em 2014), saiu bem antes de Trump ter sido eleito ou do Brexit, sufrágios que vieram recentemente questionar o bem-fundado deste regime considerado “o pior, à exceção de todos os outros” (Winston Churchill).
Para Van Reybrouck, uma das ideias pré-concebidas mais correntes hoje em dia é que as pessoas já não acreditam na política. O que é errado, avisa. As pessoas já não acreditam nos políticos, o que é completamente diferente, diz o belga. ao que apelida de “síndrome do cansaço democrático”. E é o que explica o Brexit ou a eleição de Trump, vitórias que ninguém esperava.
A estas, acrescente-se também as vitórias imprevistas de François Fillon nas primárias da direita francesa, e a de Benoît Hamon (quem? exatamente!) na primeira volta das primárias da esquerda em França, batendo os dois favoritos Manuel Valls e Arnaud Montebourg. Ao ex-primeiro-ministro (Valls) e ex-ministro da Economia (Montebourg), membros muito mediáticos do Governo Hollande, o mais discreto ex-ministro da Economia Solidária (Hamon), que fez parte desse mesmo executivo (!), obteve a preferência dos votos. E tudo indica que o ’outsider’ volte a ser o mais votado na segunda volta, no próximo domingo.
A acreditarmos em Van Reybrouck (na foto, a preto e branco), estas vitórias só surpreendem quem não se tenha apercebido da “fadiga” dos eleitores pelos “políticos/suspeitos do costume”. Alguém que não seja identificado com o “establishment” parte logo com vantagem.
É que a “desconfiança” que os eleitores sentem em relação à elite política contrasta com o interesse cada vez maior que têm pela política, diz o autor flamengo. Preferem assim votar em alguém que incarne a diferença (nem que isso conduza ao caos social ou à extrema-direita no poder, o que é o mesmo!), alguém de fora da esfera política (como Trump) e que não os observe de forma sobranceira como as elites fazem.
Em 2015, no documentário “Demain” (atualmente em exibição no Luxemburgo, ver pág. 14-15), Van Reybrouck fala da ideia senão errada, pelo menos parcial e enviesada, que temos da democracia, preconizando outras formas desse regime. Se com o sufrágio não chegamos a uma forma de governo equilibrado, opte-se por outra solução. O autor propõe uma das mais antigas formas de democracia, testada há quase três mil anos pelos atenienses: o sorteio de cidadãos voluntários para governar (a cidade ou o país) durante o tempo de um mandato, de forma rotativa.
Talvez esta seja a única forma de evitar que (mais) demagogos, populistas, xenófobos e extremistas cheguem ao poder. Talvez seja tempo de pensarmos na pós-democracia.
José Luís Correia, in Contacto, 25/01/2016
quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
EDITORIAL no jornal Contacto
“Hay motivo!”
O padre Belmiro Narino deixou-nos na quarta-feira de madrugada. Deixou órfã a comunidade portuguesa do Luxemburgo, que tanto amava e onde viveu quase quarenta anos.
“Hay motivo!” era uma das expressões preferidas do padre Belmiro, que faleceu na quarta-feira. Deixou órfã a comunidade portuguesa do Luxemburgo, que tanto amava e onde viveu quase 40 anos, quase metade da sua vida, e deixou órfão o Contacto, onde desde 1978 acompanhou Carlos de Pina, que morreu em 1986, e Lucien Huss, falecido em 1998, e desde aí foi portador da chama, da herança, da missão e da ambição dos dois fundadores do jornal.
“Hay motivo!” porque para Belmiro havia sempre motivo para rir, conviver e partilhar. Entre jovens e menos jovens era sempre, com a sua alegria de viver, vivacidade intelectual, gosto para a piada inteligente e a citação certeira e oportuna, o mais juvenil, no sentido em que a juventude é o auge da vida.
“Hay motivo!” porque para quem o conhecia, quem com ele privou e trabalhou, sabe que era um homem de causas e convicções, e que era um “facilitador”, sabia falar com as elites e com o mais comum dos seus concidadãos, e conseguia fazer e ser a ponte entre os dois, em prol dos mais nobres projetos.
“Hay motivo!” como um grito de vida, de liberdade, de ação e de expressão, pela qual lutou contra a ditadura. Primeiro, nas aulas que deu no Fundão, na Guarda e em Lisboa, e também através de artigos na imprensa, nomeadamente no Jornal do Fundão. Anos depois, no Contacto, foi com a mesma determinação e verve, do Verbo e do verbo, que escreveu artigos e editoriais pelas cruzadas que travou: o voto dos emigrantes nas presidenciais (na lei desde 1996), o voto dos estrangeiros nas comunais do Luxemburgo (que existe desde 1999), a promoção da língua e da cultura portuguesas como bases fundamentais e sólidas da integração e não da assimilação, o Evangelho, o Concílio Vaticano II, que dizia, estar “por cumprir” em terras grã-ducais.
Defender causas nem sempre consensuais valeram-lhe rivalidades e inimizades. Mas contra estes, Belmiro não enjeitava o em/de-bate. Com a espada do intelecto numa mão e o escudo da fé na outra, argumentava citando filósofos, teólogos, políticos, pensadores, muitos dos quais bebera mesmo fora do campo da religião, porque “da discussão nasce a luz” era o seu credo. Com uma pitada de humor q.b.
Os seus sermões nas missas, primeiro em Santo Afonso e depois em Sandweiler, escrevia-os como “fachos a arder na noite escura”, abordavam religião, política, temas sociais, mais ou menos polémicos, porque para Belmiro não havia tabus.
Os princípios dos Franciscanos, a que se orgulhava de pertencer, são, entre outros, a missão (noutras terras), a humildade de estar à escuta dos outros, a justiça, na verdade e na transparência, a alegria de viver (como Cristo, assim prega o Papa Francisco) e o espírito universalista. Belmiro cumpriu estes princípios, é a obra de vida que nos deixa. Não ficámos mais pobres, ficámos mais ricos porque Belmiro cruzou o nosso caminho.
José Luís Correia in Contacto, 18/01/2017
“Hay motivo!”
O padre Belmiro Narino deixou-nos na quarta-feira de madrugada. Deixou órfã a comunidade portuguesa do Luxemburgo, que tanto amava e onde viveu quase quarenta anos.
“Hay motivo!” era uma das expressões preferidas do padre Belmiro, que faleceu na quarta-feira. Deixou órfã a comunidade portuguesa do Luxemburgo, que tanto amava e onde viveu quase 40 anos, quase metade da sua vida, e deixou órfão o Contacto, onde desde 1978 acompanhou Carlos de Pina, que morreu em 1986, e Lucien Huss, falecido em 1998, e desde aí foi portador da chama, da herança, da missão e da ambição dos dois fundadores do jornal.
“Hay motivo!” porque para Belmiro havia sempre motivo para rir, conviver e partilhar. Entre jovens e menos jovens era sempre, com a sua alegria de viver, vivacidade intelectual, gosto para a piada inteligente e a citação certeira e oportuna, o mais juvenil, no sentido em que a juventude é o auge da vida.
“Hay motivo!” porque para quem o conhecia, quem com ele privou e trabalhou, sabe que era um homem de causas e convicções, e que era um “facilitador”, sabia falar com as elites e com o mais comum dos seus concidadãos, e conseguia fazer e ser a ponte entre os dois, em prol dos mais nobres projetos.
“Hay motivo!” como um grito de vida, de liberdade, de ação e de expressão, pela qual lutou contra a ditadura. Primeiro, nas aulas que deu no Fundão, na Guarda e em Lisboa, e também através de artigos na imprensa, nomeadamente no Jornal do Fundão. Anos depois, no Contacto, foi com a mesma determinação e verve, do Verbo e do verbo, que escreveu artigos e editoriais pelas cruzadas que travou: o voto dos emigrantes nas presidenciais (na lei desde 1996), o voto dos estrangeiros nas comunais do Luxemburgo (que existe desde 1999), a promoção da língua e da cultura portuguesas como bases fundamentais e sólidas da integração e não da assimilação, o Evangelho, o Concílio Vaticano II, que dizia, estar “por cumprir” em terras grã-ducais.
Defender causas nem sempre consensuais valeram-lhe rivalidades e inimizades. Mas contra estes, Belmiro não enjeitava o em/de-bate. Com a espada do intelecto numa mão e o escudo da fé na outra, argumentava citando filósofos, teólogos, políticos, pensadores, muitos dos quais bebera mesmo fora do campo da religião, porque “da discussão nasce a luz” era o seu credo. Com uma pitada de humor q.b.
Os seus sermões nas missas, primeiro em Santo Afonso e depois em Sandweiler, escrevia-os como “fachos a arder na noite escura”, abordavam religião, política, temas sociais, mais ou menos polémicos, porque para Belmiro não havia tabus.
Os princípios dos Franciscanos, a que se orgulhava de pertencer, são, entre outros, a missão (noutras terras), a humildade de estar à escuta dos outros, a justiça, na verdade e na transparência, a alegria de viver (como Cristo, assim prega o Papa Francisco) e o espírito universalista. Belmiro cumpriu estes princípios, é a obra de vida que nos deixa. Não ficámos mais pobres, ficámos mais ricos porque Belmiro cruzou o nosso caminho.
José Luís Correia in Contacto, 18/01/2017
quinta-feira, 5 de janeiro de 2017
Editorial no jornal Contacto: "Os outros"
A globalização aproximou as nações, mas, por outro lado, fez aumentar as desigualdades entre países ricos e países pobres. E há quem utilize isso, com fins políticos, para fomentar o medo e a desconfiança entre os povos.
“A Presidente de França Marine Le Pen celebrou com entusiasmo, no seu discurso de ano novo, a saída do seu país da zona euro, que entrou em vigor a 1 de janeiro. Le Pen prometeu aos franceses que o Novo Franco será ’uma moeda forte que marcará um novo tempo na história de França’. Acrescentou ainda que antes do mês de maio, os franceses serão chamados a pronunciar-se em referendo sobre a permanência na UE. Le Pen recebe, aliás, esta semana o Presidente dos EUA, Donald Trump, para discutir possíveis acordos a firmar quando França deixar ser membro da UE. À margem do seu discurso, Le Pen prometeu ainda apoiar financeiramente o novo partido de extrema direita luxemburguês nas legislativas de outubro próximo no Grão-Ducado, partido que, recorde-se, obteve 7% nas últimas eleições comunais”.
Isto é o que não quero e espero não ter que escrever em janeiro de 2018. O ano de 2017 nasce com muitos medos. Mas também com boas intenções, que só por si não bastam para alterar a rota de colisão que Trump e Le Pen nos querem fazer seguir.
A UE decretou 2017 ano europeu do património cultural, e a ONU, ano internacional do turismo sustentável para o desenvolvimento. Promovem assim a ideia de um turista com consciência dos valores culturais e humanos dos países que visita. De modo a favorecer, diz a ONU, “a compreensão entre os povos, fazer melhor conhecer a rica herança das diferentes civilizações e apreciar os valores inerentes às diferentes culturas, contribuindo para reforçar a paz mundial”.
Um turista consciente é o quê? Um alemão que quer encontrar wienerschnitzel em todas as ementas dos hóteis de Ibiza? Um russo que arma zaragata se o ’all inclusive’ em Jerba não compreender todos os tipos de vodca? Um português que acha que a República Dominicana é “riquíssima e maravilhosa” mas nunca saiu do enclave protegido do seu hotel? Hoje, visitamos os quatro cantos do mundo como quem vai de Lisboa ao Algarve, mas esquecemo-nos muitas vezes de descobrir a cultura e os autóctones desses locais. A ignorância é mãe de todos os medos e o desconhecimento fomenta a desconfiança.
Além disso, “a globalização fez aumentar as desigualdades”, disse António Guterres no seu discurso de tomada de posse como secretário-geral da ONU. Essas desigualdades são uma das causas de muitos conflitos, entre os que se sentem explorados e os que estes consideram os privilegiados da aldeia global. Devemos “trabalhar juntos para passarmos de ter medo uns dos outros, para confiar uns nos outros”, disse ainda Guterres.
Para essa compreensão mútua entre os povos em nada contribuem políticos como Le Pen ou Trump, que veem nos outros a origem de todos os males, os árabes são terroristas e os mexicanos violadores. São atalhos perigosos que fomentam apenas o medo. Não é disso que o Mundo precisa. Nem em 2017, nem em 2018. Nunca.
José Luís Correia, in Contacto, 04.01.2017
A globalização aproximou as nações, mas, por outro lado, fez aumentar as desigualdades entre países ricos e países pobres. E há quem utilize isso, com fins políticos, para fomentar o medo e a desconfiança entre os povos.
“A Presidente de França Marine Le Pen celebrou com entusiasmo, no seu discurso de ano novo, a saída do seu país da zona euro, que entrou em vigor a 1 de janeiro. Le Pen prometeu aos franceses que o Novo Franco será ’uma moeda forte que marcará um novo tempo na história de França’. Acrescentou ainda que antes do mês de maio, os franceses serão chamados a pronunciar-se em referendo sobre a permanência na UE. Le Pen recebe, aliás, esta semana o Presidente dos EUA, Donald Trump, para discutir possíveis acordos a firmar quando França deixar ser membro da UE. À margem do seu discurso, Le Pen prometeu ainda apoiar financeiramente o novo partido de extrema direita luxemburguês nas legislativas de outubro próximo no Grão-Ducado, partido que, recorde-se, obteve 7% nas últimas eleições comunais”.
Isto é o que não quero e espero não ter que escrever em janeiro de 2018. O ano de 2017 nasce com muitos medos. Mas também com boas intenções, que só por si não bastam para alterar a rota de colisão que Trump e Le Pen nos querem fazer seguir.
A UE decretou 2017 ano europeu do património cultural, e a ONU, ano internacional do turismo sustentável para o desenvolvimento. Promovem assim a ideia de um turista com consciência dos valores culturais e humanos dos países que visita. De modo a favorecer, diz a ONU, “a compreensão entre os povos, fazer melhor conhecer a rica herança das diferentes civilizações e apreciar os valores inerentes às diferentes culturas, contribuindo para reforçar a paz mundial”.
Um turista consciente é o quê? Um alemão que quer encontrar wienerschnitzel em todas as ementas dos hóteis de Ibiza? Um russo que arma zaragata se o ’all inclusive’ em Jerba não compreender todos os tipos de vodca? Um português que acha que a República Dominicana é “riquíssima e maravilhosa” mas nunca saiu do enclave protegido do seu hotel? Hoje, visitamos os quatro cantos do mundo como quem vai de Lisboa ao Algarve, mas esquecemo-nos muitas vezes de descobrir a cultura e os autóctones desses locais. A ignorância é mãe de todos os medos e o desconhecimento fomenta a desconfiança.
Além disso, “a globalização fez aumentar as desigualdades”, disse António Guterres no seu discurso de tomada de posse como secretário-geral da ONU. Essas desigualdades são uma das causas de muitos conflitos, entre os que se sentem explorados e os que estes consideram os privilegiados da aldeia global. Devemos “trabalhar juntos para passarmos de ter medo uns dos outros, para confiar uns nos outros”, disse ainda Guterres.
Para essa compreensão mútua entre os povos em nada contribuem políticos como Le Pen ou Trump, que veem nos outros a origem de todos os males, os árabes são terroristas e os mexicanos violadores. São atalhos perigosos que fomentam apenas o medo. Não é disso que o Mundo precisa. Nem em 2017, nem em 2018. Nunca.
José Luís Correia, in Contacto, 04.01.2017
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