sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

EDITORIAL: Do bem e do mal

O caso Luxleaks voltou à barra dos tribunais na segunda-feira. Caso para voltarmos a reflectir na legalidade e na moralidade daquilo que o Luxemburgo denomina de “otimização fiscal”.

Quando somos crianças ensinam-nos a diferença entre o bem e o mal e achamos que é fácil fazer a distinção. Quando crescemos, acabamos por entender que por vezes há uma linha ténue que separa as duas noções. Que há muita gente que se torna perita em navegar entre essas linhas e aproveitar os interstícios como se fossem um ’no man’s land’ entre dois continentes. Gente que diz que a definição de bem e de mal depende da moral, da perspetiva, da cultura, da sociedade, da empresa ou do país em que se insere.

A questão do bem e do mal, por muito maniqueísta que seja, tem que ser colocada quando os lançadores de alerta do escândalo Luxleaks são constituídos arguidos e condenados em primeira instância pelos tribunais do Luxemburgo. São inocentes, são culpados? Denunciaram casos de evasão fiscal que o Governo luxemburguês e a PricewaterhouseCoopers consideram ser uma prática legal de otimização fiscal.

Ao revelarem estas operações, os arguidos demonstraram que o Luxemburgo impede muitos países de recuperarem avultadas somas de dinheiro em impostos, que podiam servir para investir nesses países em educação ou na saúde. É legal? É (embora discutível). Mas é moral? Não! Não é!

As empresas que usam a evasão fiscal representam uma perda de pelo menos 100 mil milhões de dólares por ano aos países mais pobres. Nos cofres desses Estados, esse dinheiro seria suficiente para permitir que 124 milhões de crianças fossem à escola ou para salvar a vida a mais de seis milhões de outras crianças através da melhoria dos cuidados de saúde, estima a Oxfam num recente estudo.

Mas ao optarem por refugiar-se fiscalmente no Luxemburgo, essas empresas contribuem para enriquecer o Grão-Ducado, criar mais empregos no país, construir mais infraestruturas, melhorar o nosso nível de vida. Podemos, moralmente, ignorar que o país onde vivemos tem um Produto Interno Bruto (PIB) fictício, dopado pelas práticas nem sempre transparentes de uma praça financeira de que tanto nos orgulhamos, mas que nada tem a ver com a realidade dos recursos do país?

Outros países na Europa e no Mundo também praticam a otimização fiscal. Isso torna-nos menos culpados?

Ingenuamente (talvez) considero que sabemos muito bem quando estamos a praticar o mal porque, como nos ensinaram em miúdos, é simples de identificar: é quando estamos a prejudicar alguém. Fazemo-lo para o nosso, um bem comum, um bem maior? Eu continuo a achar que são desculpas.

José Luís Correia
14/12/2016, in CONTACTO

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