Foto: Gerry Huberty/Luxemburger Wort |
O bailado, que estreou ontem na Abadia de Neumünster, no Grund, contou com sala cheia. Esta noite há novo espectáculo e ainda há bilhetes.
O bailado é composto por duas dezenas de quadros, cada um transmitindo uma emoção, uma história, uma palavra, num todo plasmado na dança.
São sete os bailarinos em palco, seis mulheres e um homem. São ninfas, são "Petrussides", do rio que ali corre ao lado (Pétrusse)? Não! Os sete são um todo, como vogais e consoantes dos verbos que dançam. Os movimentos são palavras, são ondas, círculos, os olhares seduzem-se, as mãos tocam-se. É dança. É poesia.
Há momentos envolventes, sossegados, cativantes, outros alegres, barulhentos, saltitantes. As palavras em palco não são apenas as do título. O bailado também fala, sobe o tom, acalma-se, fica poético, vira, joga, sobressalta, os bailarinos gritam, ora acabam a discutir, ora a brincar uns com os outros. O espectador deixa-se levar, as canções tranquilas deixam-no introspecto, outras sacodem-no, o mundo gira ao ritmo dos gestos e dos passos dos bailarinos.
As palavras estão também presentes no lindíssimo poema "Self Love Poem", de Charlie Chaplin, dito por Christel Schockmel, entre dois quadros e que fala de autenticidade, respeito, maturidade, auto-confiança, simplicidade, valores pelos quais Moa se quis reger neste bailado.
Num momento o público tem de se conter para não dançar ao som da percussão afro-brasileira de Nyllo Canela e Xuxa Badou. Os bailarinos, esses, parecem possessos. Há também uma dança melancólica com dois véus vermelhos suspensos (do céu?). Ela dança com as nuvens? Num outro quadro, o bailarino dança sozinho em palco com cadeiras (acessório emprestado ao cabaret?), mas o grupo acompanha-o em diferido, em imagens filmadas como pano de fundo.
Todas estas novas linguagens e plasticidades da dança não são para despistar ou confundir o espectador, são para inovar, transmitir novas emoções, outras direcções e inspirações, dar corpo a novas palavras. As palavras estão também presentes nas canções escolhidas para acompanhar os bailarinos. Não são muito habituais para um bailado, onde a música instrumental é a banda sonora mais corrente, mas são prodigiosas, pela sua força e beleza. Com a plástica desenhada pela dança ficam ainda mais sublimadas e emocionam até o espectador mais desatento.
Os géneros fazem-nos viajar da música clássica ao pop, passando pelo jazz, a bossa nova, a música popular brasileira, o samba e até o forró. O leque é impressionante pela sua diversidade e vai desde Keith Jarret ("Köln January 24, 1974") a Elis Regina ("O que tinha de ser", de Tom Jobim), Caetano Veloso ("Sozinho"), Maria Bethânia ("Poema dos Olhos da Amada", lido por Jeanne Moreau, canção de Vinicius de Morais), Mónica Salmaso ("Mortal Loucura", de José Miguel Wisnik/Gregório de Matos Guerra), Tom Zé ("Xiquexique"), Jacques Brel ("Voir un ami pleurer") e I Muvrini, cantando em córsega ("L’emigrante"), até músicas de uma tradição mais clássica como as do anglo-germânico Max Richter ("Sarajevo"), do jovem polaco Abel Korzeniowski ("Stillness of the Mind"), do sino-americano Yo-Yo Ma ("Suite for solo cello"), do italiano Ludovico Einaudi ("Due Tramonti") ou do francês René Aubry ("Steppe").
Foto: Gerry Huberty/Luxemburger Wort |
"A palavra é uma ferramenta poderosa"
Este é o terceiro bailado que Moa Nunes compõe e apresenta no Luxemburgo, depois de "Meus Caminhos", em 2010, e "Um Olhar a Dois", em 2011.
"No primeiro [bailado] falei da minha vida, no segundo do Amor, neste é sobre a linguagem que é uma das ferramentas mais poderosas que temos. Mas não é só sobre as palavras, é sobre a palavra do corpo, do olhar, da poesia, a palavra que utilizamos diariamente, a palavra de conforto e de alegria, a palavra da brincadeira", explica Moa.
Sobre a mistura de géneros, musicalidades e plasticidades do bailado, Moa não admite logo, mas adora quebrar os códigos da dança contemporânea.
"Eu trabalho a música contemporânea com o moderno, o neoclássico, o jazz. Não me prendo numa só modalidade, porque venho dessa tradição, na linha de escolas como Martha Graham e Lehman" (n.d.R. escolas de dança americanas muito conceituadas).
"Trabalho para um público europeu e por isso quis incluir todos estes géneros musicais. Quero que entendam a minha história". "Num dos quadros, eu quis mostrar trabalhadores que saem da roça. Vêm sujos e preparam-se para tomar banho. Mas aí pintou a música e o brasileiro é assim mesmo, tem que dançar", explica Moa Nunes, evocando um dos quadros mais divertidos do bailado.
"É talvez difícil que o público entenda cada quadro exactamente, mas a mensagem, a energia, a poesia e a emoção que eu queria transmitir, acho que consegui passar".
Moa Nunes e os sete bailarinos
Quisemos também falar com alguns dos bailarinos, que têm as mais diversas origens e nacionalidades: há uma portuguesa, uma brasileira, três belgas, uma luxemburguesa e um italiano.
A brasileira Grazi Furtado, que já trabalhou com Moa Nunes noutros bailados, explica onde nasce a energia que o grupo demonstra em palco. "É muito importante passar a emoção que temos em palco para o público. Essa emoção vem do Moa, mas como grupo essa energia vem de todos, e acabamos por conseguir transformá-la em algo muito belo e passer isso para o público através da dança".
A portuguesa Guida Maurício mora em Bruxelas e foi aí que Grazi lhe apresentou o coreógrafo. Guida concorda, "a dança é uma linguagem universal, as músicas falam muito e transmitem muito do que ele quis fazer passar".
"Conheço bem o Moa, a sua maneira de fazer, de pensar, de exprimir as coisas pela dança e isso ajudou-me a transmitir ao público o que ele queria. Dançar música contemporânea sobre canções brasileiras é muito envolvente e enérgico", diz por seu lado a belga Cathy Crols, que trabalhou com o coreógrafo em todos os seus bailados e o conhece desde quando este era seu professor de dança.
Também Govanni Zazzera, italiano residente no Luxemburgo e único homem do grupo de bailarinos, trabalhou com Moa em todos os seus espectáculos. "Somos todos de origens diferentes mas, na dança, não é preciso compreender as palavras, isso exprime-se pelos gestos, pelos movimentos e até pelo olhar. O que eu gosto no facto de trabalhar com Moa, é que ele se adapta aos bailarinos e procura as nossas qualidades e competências para saber como nos encaixar no que quer fazer. Dançar ao som de música brasileira é um mimo, pode ser muito enérgico e cativante, e depois muito poético e suave".
Christelle Renard também é belga, gere a companhia de dança Zoïa, e é a primeira vez que trabalha com Moa. "Este espectáculo fala da dificuldade de nos exprimirmos e isso é comum a todos nós. Por isso, penso que o público gostou e entendeu a mensagem".
"O Moa sabe muito bem dirigir os bailarinos, os movimentos são dele, a composição é dele, ele explica-nos exactamente o que espera de nós e o que o público tem de reconhecer na nossa dança, mas deixa que a nossa personalidade sobressaia também. Esta mistura entre música brasileira e dança contemporânea, com influências jazz, é mesmo muito gira. Muitas vezes, a dança contemporânea fica no cliché, é demasiado conceptual, por vezes já nem sequer há dança. Este tipo de bailado e o estilo do Moa Nunes podem reconciliar o público e a dança contemporânea".
Uma das bailarinas mais novas, Noelle Gerin, é luxemburguesa, mas também já trabalha há três anos com o coreógrafo. "Todos os espectáculos são muito pessoais, descobrimos mais sobre o Moa através de cada novo bailado. Nós, depois, é que tentamos contar ao público o que ele nos transmite".
"Uma das suas grandes qualidades é que vê a nossa personalidade e utiliza isso no espectáculo para nos valorizar. Ele não olha apenas o bailarino, mas interessa-se pela pessoa que somos. Faz-nos escutar a música, muitas vezes brasileira, depois faz a tradução da canção e explica-nos o que quer transmitir através da dança que compôs para essa música. Pode ser melancolia ou alegria, mas pede-nos acima de tudo para sermos sinceros na dança. Adoro trabalhar com ele". Esta paixão no olhar e nas palavras, quando falam de Moa, sentimo-la em cada bailarino com quem falámos.
E o público de ontem à noite, a julgar pela efusiva e barulhenta standing ovation no final, também. O próximo bailado deste coreógrafo brasileiro que mora no Luxemburgo desde 1997 (com um intervalo entre 2002 e 2009) chama-se "L’Autre Côté", revelou-nos ainda Moa Nunes, e deverá estrear em Outubro ou Novembro de 2014. Para o espectáculo de logo à noite ainda há bilhetes.
Mais informações pelo tel. 691 204 999. Bilhetes : 29 euros (palavras.tickets@hotmail.com) ou no site do CCRN-Abbaye de Neumünster (www.ccrn.lu).
José Luís Correia
(Mais fotos em www.wort.lu/pt, site onde este artigo foi originalmente publicado)
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