"A conversa do costume, no café do costume"
No fim-de-semana, regressei ao café do costume com a Edviges. Apetecia-me uma fatia bem espessa do “Schwarzwälder” que eu lá tinha vislumbrado dias antes. Uma bomba em termos calóricos, mas eu tinha cá coisas a compensar e a Edviges andava a jogar à defesa.
“Désolé, Monsieur, nous n’en avons plus ! Puis-je vous proposer notre tarte aux pommes ?”, anuncia-me despudorado o empregado.
Puije, mas que puije? Eu quero é o meu bolo de chocolate já aqui a saltar do prato para a goela!!! Ó destemperança, aquieta-te em meu palato claudicante, olvida a ignomínia inenarrável, o vitupério arrojado ao teu celeste almejo, abstem-te da ambrósia asteca, cala no teu humano peito a ávida ânsia ardente…
Humpf! Contentei-me com um éclair de limão.
Pus termo a essas diatribes e pedi também um cappuccino italiano, se faz favor! Não essas imitações para gulosos com montanhas indecentes de chantilly povilhados de cacao. Ao longo dos anos extra-muros fui-me libertando do jugo da bica lusitana. Deixei de a tomar em posologia terapêutica - uma vez ao acordar, depois de almoço e ao jantar, e transitei, aos poucos, para o expresso e, com a idade, suavizei a dose de cafeína com macchiato e finalmente com o dolce cappuccino.
"Estás cada vez mais bonita, Edviges!", comecei, para quebrar o gelo.
Ela fala-me do namorado. Diz que gosta muito dele, que estes encontros têm que acabar. Mas depois envereda a falar-me dos defeitos dele, das atenções que ele sempre tinha e agora esquece, dos serões que passa sozinha, dos jantares aborrecidos com os mesmos casais amigos, da rotina que mina. Eu mostro-me compreensivo, digo-lhe que ela pode contar sempre comigo, que sabe muito bem que a nossa amizade conta muito para mim e que...
"Amizade? Tu chamas a isto 'amizade'? É o que isto é para ti? E eu, o que sou para ti? Diz-me, afinal, o que é que os homens querem?", fuzila-me.
Olha a pergunta que vale um milhão. Eu até poderia dizer-te, Edviges, mas acho que não ias gostar da resposta.
Como fico calado, ela amua. Quando volto a abrir a boca é para falar por circunstância, de coisas banais, mas o ambiente está minado. Penso em abrir o jogo, mas já é tarde demais. Atolo-me no meu éclair de limão. Num gesto de impaciência, ela esmaga no cinzeiro o quinto cigarro fumado pela metade e despede-se de maneira fria. "Tu lá sabes o que andas a fazer!", e sai, sem um beijo sequer.
in blogue "Cadernos do Gaspar, vol.1"
(http://cadernosgaspar.blogspot.com)
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
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