"The English Major", de Jim Harrison
Cliff tem 62 anos. A mulher tem 38 e deixa-o por uma antiga paixão de liceu, hoje um ricalhaço bem sucedido. O seu filho homossexual, vedeta da televisão, não o quer ver a viver sozinho na quinta e convida-o a ir morar consigo e com o namorado para a Califórnia. Depois de ter abandonando uma carreira de professor de inglês na Universidade para se dedicar durante mais de 30 anos à agricultura numa quinta pacata do Michigan, Cliff cansa-se dessa vida, da quinta vazia, da vida solitária.
Quando a cadela, sua eterna companheira e a única que ainda restava na sua vida desamparada, morre, Cliff decide deixar a quinta e fazer a tal viagem a todos os estados do país com que sonhara quando jovem.
Parte com um mapa do país em forma de puzzle na bagagem e pelo caminho decide rebaptizar o nome dos estados com o seu nome índio de origem e dar um novo nome aos pássaros da América, atribuindo um pássaro a cada estado.
À medida que passa pelos estados deixa cair a peça do puzzle que corresponde a esse estado, numa forma simbólica de assinalar a sua passagem. Ou de marcar a perda de um sonho, de um ideal da sua vida antiga. Ou, pelo contrário, de marcar uma terra (re)conquistada (pelos índios), tema sempre presente nos romances de Harrison.
Nesta sua viagem, pautada por imensas pausas para pescarias meditativas mas também muito sexo, Cliff vai encontrando personagens mais ou menos estranhas, outras mais ou menos enfadonhas, outras completamente alucinadas, retrato típico de uma América onde coabitam vários mundos, várias cores e sensibilidades.
Cliff volta a reencontrar uma antiga aluna, 20 anos mais nova, casada, mas que tudo abandona para o acompanhar. Uma chata bipolar, complicada, desvairada, fala-barato, mas... ninfomaníaca maluca com a qual redescobre as loucuras e a ligeireza do sexo. Enquanto se contenta disso, Cliff deixa-a ficar por perto. Quando se farta dela, recambei-a para a sua terrinha para, dias depois, decidir que afinal tem saudades dela.
Redescobrir o amor aos 62 anos? Voltar à vidinha da quinta? Continuar a viagem num itinerário eterno? Eis as questões que se vão colocando a Cliff, que vê a vida com bastante sentido de humor e ironia, mais do que com uma amargura que se podia esperar num homem da sua idade e que foi deixado à beira do precipício de uma vida vazia.
Li esta história como se de uma moderna fábula se tratasse bem à maneira de "Cândido ou o Optimismo" de Voltaire. "There's no place like home" ou "o que é preciso é cultivar o seu próprio jardim", parece ser a conclusão desta história. A não ser que a personagem decida descobrir novos trilhos.
Mais do que um livro de viagem, mais do que se referir ao facto que a personagem era outrora um professor de inglês, o título "The English Major" deixa-nos entender que o que o autor talvez pretendesse com esta história era reflectir sobre a América contemporânea e, no mesmo acto, fazê-la debruçar-se sobre si mesma. É que o termo do título define um grau universitário nos Estados Unidos, mas também se refere a uma cadeira em que os estudantes são chamados não só a estudar literatura inglesa e americana, como a ter uma opinião crítica sobre esta.
Todos (ou quase todos) os escritores norte-americanos vivem com o fantasma do "grande romance americano" a pairar sobre si. "Grande romance americano" na senda de um John dos Passos, de um Hemingway ou de um Kerouac, entenda-se.
A personagem central, Cliff, bem pode ser o alter-ego de Jim Harrison, o autor, ele próprio com 71 anos e natural do Michigan. Cliff tem 62 mas bem poderia ter 22. Uma crise de adolescência é menos borbulhenta do que uma crise da idade madura? A procura do sentido da vida assombra-nos a todos em dado momento da nossa existência. Fazer dessa busca um romance em que a personagem se procura perdendo-se para melhor se reencontrar é apanágio apenas dos grandes escritores.
E se a essa lição de vida vier acrescentada de uma verve despojada de artifícios, simples, directa, mas não plana, pelo contrário, rica no vocabulário, nas histórias, de uma delícia humana fabulosa, então Harrison conseguiu mais um "grande romance americano", ele que é já autor de "Legends of the fall" e "Wolff", para citar apenas estes (ambos adaptados ao cinema, o primeiro com Brad Pitt e Anthony Hopkins, e o segundo com Jack Nicholson).
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1 comentário:
Acabo de ler o livro...o que gostei mais foi to estilo: simples mas muito justo, calmo. Não conhecia o autor, mas gostei muito (e no meu estado de stress actual preciso deste tipo de livros!). Só ums detalhes: a mulher dele não tem 38 anos, o filho não é vedeta de televisão.
See you, Beta
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