sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O século das luzes 2.0 ?

Eu até é raro gostar de filósofos! Contemporâneos entenda-se. Bernard-Henri Lévy, só em doses muito terapêuticas. E prefiro José Gil a Eduardo Lourenço. Mas hoje dei por mim a gostar do que dizia o jovem filósofo francês Vincent Cespedes no éter da Radio France Inter.

Falava ele em "egoscópio" e "século das luzes 2.0" para evocar o fenómeno facebook e por extensão todo o tipo de sites como os blogues, os myspaces, os hi-fives e afins.

"O que emana na internet dos jovens não são apenas as suas páginas privadas, a necessidade de terem o seu próprio egoscópio. Há trinta anos eu era obrigado a consumir a televisão que me serviam, sem poder responder.

A internet dá hoje aos jovens a possibilidade de eles próprios criaram conteúdos que os seus pares vão ler e consultar. Claro que há futilidades e engates e bisbilhotices próprios da idade. Mas há o reverso da medalha.

Os jovens, hoje em dia, têm o saber e o conhecimento à disposição na internet, que eu não tinha quando era miúdo. Claro que a net há coisas más. Mas também há coisas boas. Não se pode ser netófobo nem netómano. Mas acreditem que Diderot não teria desperdiçado um meio de comunicação e de divulgação dos saberes como é hoje a internet. Estamos a assistir, ouso dizê-lo, ao nascimento de um novo século das luzes, numa versão 2.0".


Foi mais ou menos isto em traços largos o que dizia este filósofo numa das suas tiradas no programa "Ca vous dérange" de Philippe Bertrand, na France Inter, hoje à hora do meio-dia.

O curioso é haver desde há algum tempo uma séria preocupação em pensar este fenómeno da internet e todos os milhões de tentáculos, da esfera privada à esfera pública, empresarial, institucional, que dela emanam.

"Is Google making us stoopid?"

A frase não é minha. Bem gostava eu. É do jornalista Oliver Jungen, do diário alemão "Frankfurter Allegemeine", citado no n° 7 (Julho/Agosto) de uma nova revista francesa com nome inglês: "Books".

A revista publica um dossiê bastante interessante sobre o mesmo tema com um título no mínimo sugestivo e provocador: "A internet está a tornar-nos mais burros?"

Autores do mundo inteiro, escritores, jornalistas, informáticos, donos de start-ups, alguns mesmo da Sillicon Valley, analisam os fenómenos YouTube, MySpace, Facebook, Google...

No dossiê, há, como sempre, os detractores da coisa, a vociferar de mãos ao céu que "a net vai acabar com o livro" e deixar toda esta geração sem cerebelo. Inteligentemente, a revista foi "pescar" um texto do sociólogo espanhol Joaquin Rodriguez que recorda que "até Sócrates se opôs à evolução, à novidade. No caso dele era a escrita, porque, segundo ele esta nova forma de transmitir o saber chocava com a tradição oral e era prejudicial à memória do homem".

Imaginem!

O espanhol admite que ler na internet não é a mesma coisa que ler um livro ou um jornal, mas há leitura, mesmo se é uma "leitura arborescente".

Muitos outros autores concluem que assim como o cinema não acabou com o teatro, a televisão não acabou com a rádio, a internet não acabará com o livro ou a imprensa. Pode transformá-los, fazê-los evoluir mais rapidamente do que teriam evoluído se esta não existisse, pode vir (já está a fazê-lo) associar-se a eles, ou vice-versa, mas em favor de ambas as partes e não como uma substituição de algo por outro.

E enquanto, pessimista, o filósofo George Steiner fala do "crepúsculo da leitura", o romancista Umberto Eco, diz que a internet e o computador são "a redenção da escrita".

Neste debate, a jornalista Larissa MacFarquhar, do New Yorker, denuncia os "apóstolos da alta cultura" que tanto desprezam a internet e a televisão e apenas juram pelo livro. E recorda esta verdade: "Nem todos os livros merecem ser lidos e nem todas as séries televisivas merecem a nossa indignação".

Mais à frente, Jeneen Interlandi, jornalista do Newsweek, e Sharon Begley, do Wall Street Journal, fazem a critica do mais recente livro de Mark Bauerlein, "The Dumbest Generation". O docente de literatura inglesa na Universidade Emory, em Atlanta (Estados Unidos), vitupera a plenos pulmões que os jovens são todos incultos e prevê mesmo para breve um holocausto civilizacional, intelectual e cívico.

As jornalistas recordam, com humor, que o velho professor foi precedido de alguns séculos pelos admiradores de Ésquilo e Sofócles que na época deploravam "a ignorância e o deserto cutural dos jovens que preferiam Aristófanes".

E lembram mais: "Os eruditos victorianos viam em Charles Dickens um escritor sentimental, que só sabia escrever intriguices e historinhas ligeiras em comparação com outros escritores do século XIX".

E as jornalistas rematam e desferem o golpe final no pobre "Velho do Restelo atlante":

"O que quer dizer Bauerlein com 'a geração mais burra de sempre'? Fala ele na que tem menos saber ? (...) Mas se ser burro significa ser desprovido de faculdades cognitivas fundamentais como a aptidão de pensar de forma crítica e lógica, de analisar um raciocínio, aprender e reter, reconhecer analogias, distinguir um facto de uma opinião (...), então Bauerlein está em terreno movediço. É que o QI (quociente de inteligência) de uma pessoa mediana, em todos os países que reconhecem essa maneira de medir a inteligência, tem vindo a aumentar desde os anos 1930. Porque o QI não mede o saber puro mas a capacidade de pensar, ao que os cientistas chamam a 'inteligência fluída'. Ou seja, a burrice de uma resposta não pode ser imputada à ignorância dos factos!"

Ou seja, o que as jornalistas se esforçam por demonstrar e denunciar é uma concepção antiquada e ultrapassada de saber enciclopédica, da cultura e do conhecimento, preconizada por muitos, como Bauerlein, e opõem-na às novas aptidões da juventude actual que dispõe de um instrumento tão versátil e completo (embora, por natureza, em constante, crescimento) como a internet: Podem até nem ter determinado saber, mas sabem onde procurar esse mesmo saber. E isso é o mais importante!

E eu concordo!

Conclusão


De uma análise de um fenómeno como Facebook, onde é estimulado o culto do EU, chegamos a um debate filosófico/sociológico sobre o saber, a cultura e o conhecimento nos dias de hoje. Porque tudo está afinal ligado e só assim se explica que tanta gente venha opinar (e eu tamém, sim, claro, porque não?) sobre o que a internet está a mudar. Está a mudar-nos a nós, e por extensão a sociedade.

Como meio (medium, media) que é altera a nossa noção de distância. Perante os outros e nós mesmos. Como espelho que é, altera a atitude que temos de nós ao nos vermos reflectidos.

JLC (cadernos do gaspar, vol. 2)

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