sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Legitimidade democrática adiada

Legitimidade democrática adiada

Domingo têm lugar as eleições europeias nos 27 estados-membros da União Europeia, e no Luxemburgo decorrem, simultaneamente, eleições legislativas.
Os estrangeiros que residem há mais de dois anos no Grão-Ducado, podem votar nos candidatos do seu país de origem, na representação diplomática respectiva ou, se assim tiverem optado, nos seis candidatos luxemburgueses para o Parlamento Europeu, caso se tenham inscrito nos cadernos eleitorais até final de Março.
Para o parlamento nacional a história já é outra. Apenas 54 % dos habitantes do país podem votar, i.e., os que possuem a nacionalidade luxemburguesa.
Como todos os parlamentos de estados democráticos, também a Câmara dos Deputados luxemburguesa deve representar os cidadãos. Todos os cidadãos. Numa democracia esse mesmo parlamento deve exprimir a vontade colectiva dos cidadãos. De todos os cidadãos. Mas se no Grão-Ducado apenas uma parte da população – ligeiramente mais do que metade – vota para eleger o Parlamento e o Governo, concluo que há uns que são mais cidadãos do que outros.
Alguns defendem que é legítimo que esse direito esteja apenas nas mãos dos nacionais, caso contrário a soberania do país poderia um dia ser posta em causa por “interesses estrangeiros”. Nesta Europa das Nações em plena construção, questiono-me sobre esse patriotismo serôdio. Porque até nesta paranóia, há dois pesos e duas medidas.
Será que os recrutas estrangeiros que o exército grão-ducal não hesita em seduzir para as suas fileiras (para alistar-se basta ser europeu e residir no Luxemburgo há três anos!) não constituem uma ameaça potencialmente maior do que... um boletim de voto numa urna?
Em Portugal, ainda não há muito tempo, bastou um grupo de jovens capitães para levar a cabo um golpe de Estado...
Desculpem, não queria agudizar o estado febril dos nacionalistas "paranoicozinhos"!
Mas aproveito para recordar que soberania não significa apenas o direito de um povo à auto-determinação e a se auto-governar, mas de forma mais abrangente, como a definia Rousseau, esta deve ser exercida pela “vontade geral”, ou seja, por todos os membros da sociedade ou pelos seus representantes. Caso contrário, é a legitimidade democrática do poder eleito que está em causa. A democracia é o poder (krátos) do povo (dêmos), entenda-se “o poder eleito pelo povo”.
No Luxemburgo, uma das perguntas que me coloco é, quem e, sobretudo, quantos elegem o poder? Uma outra questão: uma democracia não devia prever privilégios ou exclusões, pois não?, sobretudo quando o que está em causa é o acto democrático, ele próprio.
A dupla nacionalidade reivindicada por muitos residentes estrangeiros desde os anos 90, foi anunciada como prioridade, no início desta década, pelo primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker. O desígnio era “fazer participar o maior número”. Um maior número que daria ao Governo e ao Parlamento luxemburguês a tal legitimidade democrática de que carece. A dupla nacionalidade foi uma das soluções avançadas para alcançar essa legitimidade.
Depois de ter sido tema eleitoral nas legislativas de 2004, prometida pelo Governo para 2006, após mil hesitações, atrasos e adiamentos, a dupla nacionalidade viria finalmente a ser aprovada em Outubro de 2008 e a entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2009.
Infelizmente, e por mais expeditos e céleres que fossem a partir dessa data os requerentes à naturalização ao abrigo das novas condições, (sem terem que abdicar da nacionalidade de origem), temo que poucos ou nenhuns tenham ido a tempo de serem luxemburgueses de pleno direito, para poderem participar nas eleições de domingo.
A não ser que essas tergiversações tenham sido deliberadas.
Estes “novos” luxemburgueses vão assim poder apenas votar nas próximas legislativas, em 2014. Terão assim mais cinco
anos
para provar a sua lealdade ao leão vermelho, depois dos sete que a lei já lhes exige para poderem pedir a dupla nacionalidade. Será que um estágio de mais de 12 anos de “luxemburguesidade” tranquilizará até o mais conservador e patriota dos autóctones?

José Luís Correia, in Contacto, 3 de Junho de 2009

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