sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

terça-feira, 15 de julho de 2008

In memoriam: Bronislaw Geremek

Bronislaw Geremek morreu domingo num trágico acidente de viação, a oeste da Polónia, perto de Lubień. Tinha 76 anos. A Polónia e a Europa perderam um democrata.

Para perceber quem foi Geremek, é preciso fazer uma breve leitura aos últimos anos da história política daquele país.

O universo político polaco: da direita liberal à extrema direita

Depois do despertar difícil nos anos 90-pós muro de Berlim, a Polónia começou a dividir-se em duas alas ditas da direita, embora politicamente tenha surgido uma multiplicidade de partidos políticos das mais variadas sensibilidades, num cenário idêntico e por vezes mais multifacetado até do que em alguns dos paises da Europa Ocidental. Mas, em traços largos, há sobretudo duas grandes tendências políticas. De um lado, os "progressistas", da direita liberal, distribuídos por vários partidos, onde militam jovens, população urbana e alguns ex-Solidarność, ávidos de fazer avançar o país nos passos da democracia, de Bruxelas, do capitalismo, da inovação tecnológica. Exemplo disso foi o boom dos media e da tecnologia da informação que o país viveu. Algumas etapas foram inclusive queimadas nesta fuga para a frente e grande parte da população teve dificuldades em aprender a lidar com a mentalidade e as liberdades de uma economia de mercado.

Do outro lado, o mundo rural, que naquele imenso país ainda é parte substancial da população e que se tem deixado ingenuamente levar nas "cantigas" dos conservadores, muitos deles ex-comunistas, nomes inclusive conhecidos do antigo apparatchik polaco, mas que, de um súbito, assim como antes defendiam com unhas e dentes a velha senhora comunista (oficialmente, já não há comunistas na Polónia!), com a mesma ferocidade advogam hoje políticas ditas da "direita dura", quando não são descaradamente de extrema direita: desde a "defesa da moral patriótica" ao proteccionismo, passando por atitudes totalmente anti-UE. Exemplo disso, são os irmãos Lech e Jarosław Kaczyński, do partido ironicamente apelidado de "Direito e Justiça" ("Prawo i Sprawiedliwość"- PiS). O primeiro é o actual presidente da Polónia e tem-se pronunciado publicamente contra: a Constituição Europeia, o Tratado de Lisboa, os direitos dos homossexuais, o aborto, a eutanásia, etc. Em 2006, chegou mesmo a nomear como primeiro-ministro o seu próprio irmão gémeo, Jarosław, num exemplo de democracia vergonhoso para Varsóvia.

Na ala da direita, ainda mais à direita (sim, é possível!), é preciso não descurar demogogos "perigosos" como Andrzej Lepper, do partido "Samobroona" (literalmente: auto-defesa), populista, nacionalista e extremista que chegou a fazer parte do Governo Kaczyński, felizmente não o tempo suficiente para fazer demasiados estragos.

A "consciência" da Polónia

E Geremek nisto tudo? Geremek situava-se no justo meio que caracteriza o bom senso e o equilíbrio que a Polónia necessita há muito. Membro do partido liberal de centro-direita "União das Liberdades" ("Unia Wolnosci "-UW, que nasceu como uma das variantes do movimento operário Solidarność, nos anos 90), Geremek era assim eurodeputado do partido mais pró-europeu da esfera política polaca, o que era simplesmente a continuação natural de todo o seu percurso político no seu país.

Geremek foi um dos sobreviventes do gueto de Varsóvia durante a II Guerra Mundial. Militante comunista desde cedo, entrou em dissidência com Moscovo quando a URSS decidiu endurecer a sua linha política a partir de 1968. Foi um dos fundadores de um dos primeiros partidos "democráticos" polacos em 1976. Em 1980, juntou-se à luta de Lech Wałęsa no Solidarność, chegando a ser preso por Jaruzelski em 1981. Depois da queda do muro de Berlim, fez parte do Parlamento polaco (Sejm), foi ministro dos Negócios Estrangeiros entre 1997 e 2000, tendo sido a pessoa que negociou a entrada da Polónia na NATO. Foi eleito em 2004 para o Parlamento Europeu. No mesmo ano, quase derrotou Josep Borrell na eleição para a presidência daquela instituição.

Licenciado em História, escreveu diversas obras sobre a história cultural do seu país ou sobre a história social francesa, entre muitos outros livros e artigos publicados na imprensa internacional (Washington Post, Le Monde Diplomatique, Gazeta Wyborcza, etc). Foi ainda docente na Sorbonne e no Colégio da Europa de Bruges.

Foi acima de tudo um grande defensor da democracia antes e depois da queda do muro de Berlim, dentro e fora do seu país, um humanista e um intelectual de grande vulto, e um europeísta convicto. Houve quem chegasse a apelidá-lo de "a consciência da Polónia".

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