sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Fénix renascida

FÉNIX RENASCIDA


Pronto, já acabei de ler a Ler. A nova Ler. O número de Maio de 2008 (n°69), que veio pôr termo a quase dois anos de insustentável jejum. E li que me regalei. À fartazana, mesmo. De fio a pavio. E de pavio a fio. De frente para trás e de trás para a frente. E a fénix renascida que tenho hoje entre as mãos superou todas as minhas expectativas.

Não fiquei, por isso, admirado de constatar, com satisfação, quem estava à frente do projecto: Francisco José Viegas (FJV, na foto), o "Midas" da literatura portuguesa. Tudo o que toca transforma-se em ouro. Não falo dos reles réis, mas do contributo, do valor acrescentado, da mais-valia que se têm revelado ser as iniciativas e projectos de que tem sido autor e padrinho na imprensa e na televisão para promover a literatura portuguesa. É por isso gratificante vê-lo (de novo) ao leme de mais um grande projecto. Diz ele que é um regresso, após ter dirigido a revista entre 1989 e 2000. Infelizmente não conheci essa época FJV da revista.

Apesar de existir desde 1987, descobri a Ler bastante tarde, devo confessar. Em 2001, quando perdido numa livraria, reparei nela a piscar-me o olho. Assim, descaradamente, sem pudor. E eu, que sou dado a estas fraquezas, sucumbi à volúpia. Buscava há muito uma publicação que na minha língua me pudesse transmitir o mesmo prazer que me procuram as deleitosas horas perdidas em que mergulho em apneia num Magazine Littéraire ou numa Lire. E ela ali estava, diante de mim, aguardando apenas que a minha gula voraz se abatesse sobre ela. Tornei-me fã, leitor, assinante, dependente. Infelizmente, em 2001, a regularidade era de apenas quatro números anuais, ao ritmo das estações. Estoicamente, eu ficava à espera que a sazão chegasse e eu pudesse colher delicadamente, de mãos e olhos ávidos, o novo fruto. Para receber a minha dose.

Em 2005, depois dos números de Inverno e de Primavera, era anunciado que a revista se tornaria anual, devido a razões financeiras ou editoriais, ou provavelmente ambas, já não sei bem. Em 2006, saía o número seguinte, e depois disso... silêncio rádio! Até Maio de 2008, em que a revista regressou renovada e reforçada. Em boa hora!

A nova Ler aparece-nos com um design mais moderno e legível, novas rubricas, formato mais largo, papel mais fino, um estilo mais jornalístico, novas colaborações e crónicas, críticas de um maior número de obras, um estatuto editorial redefinido. Tudo para fixar as bases de um edifício há muito periclitante, como só o podia ser um projecto desta natureza num país como Portugal, onde se lê pouco, diz-se. Além do Jornal de Letras, lido por uma imensa minoria, iniciativas que apostam na literatura como as revistas Ler ou Os Meus Livros são jangadas à deriva neste país, neste mundo, que acreditam que a "civilização do livro" (como lhe chama FJV no editorial deste número) está terminada. Ora, o que se verifica hoje em dia é exactamente o contrário. Nunca os leitores foram tantos em Portugal e no mundo, há cada vez mais livros a serem editados, apesar de a literatura representar apenas um terço das publicações. Mas mais do que isso, a revolução tecnológica não decretou a morte do livro, como precocemente anunciado pelos velhos do Restelo, que sempre os há, em todas as épocas. Porque uma coisa não inviabiliza a outra. Como a televisão não substituiu o cinema nem a rádio, nunca o leitor trocará a sensação táctil das páginas de um livro por um ecrã vítreo e frio. Nem que seja pela questão prática do acto de ler, acrescento eu. "Ler um livro é ler um livro", resume FJV.

FJV fala ainda do rebuliço que está a viver o sector editorial português, as compras, as fusões, provando que se investe cada vez mais nos livros em Portugal. Bons projectos e ideias que chegam a contracorrente, a peneira do tempo e os leitores encarregar-se-ão de subscrever uns e amuarem com outros.
FJV não esquece de evocar o Acordo Ortográfico, que ainda muita tinta vai fazer correr.

O que me agradou no número 69 da Ler :

- a visita às livrarias mais belas do Mundo, segundo uma eleição efectuada recentemente pelo diário britânico The Guardian, e em que a Livraria Lello (página oficial: aqui), do Porto, figura entre as três primeiras, apenas atrás da Boekhandel Selexyz Dominicanen, de Maastricht, na Holanda, e da argentina El Ateneo, em Buenos Aires.
- as crónicas de novos colaboradores como José Eduardo Águalusa, Pedro Mexia, Jorge Reis-Sá, Eduardo Pitta, Inês Pedrosa, e verificar que os bons que lá estavam ainda ficaram, como Onésimo Teotónio de Almeida
- a boa ideia de publicar os tops de venda de várias livrarias do país, sem se confinar a Lisboa e ao Porto
- a excelente entrevista a António Lobo Antunes, esse "homem-continente"
- a entrevista ao ex-banqueiro Paulo Teixeira Pinto sobre a aquisição da Guimarães Editores
- a conversa e visita ao refúgio do poeta e tradutor Pedro Tamen
- os mini-textos sobre os 50 autores mais influentes do século XX e o que aprendemos com eles
- saber do livro do Bernard Pivot e que "As Benevolentes" de Jonathan Littel, esse mastodonte incontornável escrito por um americano directamente em francês e que levei seis meses a ler (entre Setembro de 2006 e Março de 2007) foi finalmente traduzido para português
- saber que o Pedro Paixão tem um novo romance;
- cinco estrelas para as novas rubricas: Excertos de uma obra; e Ponto Final, entrevista-minuta da última página.

Satisfaz-me sobretudo ver que a Ler não se acantona no reduto intelectualóide dos livros e que compreendeu que há um mundo em volta destes, que os influencia, e vice-versa. Por isso, gostei de ver como tratam de obras que não se reduzem à literatura pura e dura e as novas colunas sobre vinhos & restaurantes e os lugares para ler.

Depois de Lobo Antunes, era impensável não falar com o outro grande vulto actual da literatura portuguesa, José Saramago, que é capa no novo número, o 70, que já saiu, mas ainda não me chegou às mãos :-( Prometeram-mo para esta semana. Fico a aguardar, roendo as unhas.

Entretanto, o blogue da Ler informa que a última novidade na blogosfera literária é a página dos Saramaguianos, portal da Fundação José Saramago que pretende ser o f'órum de encontro de todos os leitores do Nobel português.

4 comentários:

Voyages en Suspens disse...

so tenho uma pergunta:
onde posso encontrar essa revista?

Alexandre Gaspar Weytjens a.k.a. José Lus Correia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alexandre Gaspar Weytjens a.k.a. José Lus Correia disse...

Aqui no Luxemburgo, penso que só por encomenda numa livraria portuguesa. Ou então, por assinatura, basta ir ao blog da revista. Mas se quiseres, tenho o número 69 repetido, posso oferecer-te :-) e logo vês se gostas, hein?

Voyages en Suspens disse...

ok, uma boa soluçao pré-assinatura!