para participar em peça adaptada do filme "Faces" de John Cassavetes
Helena Noguerra e Paulo Correia. Ela é irmã de Lio, canta, escreve e experimenta agora as lides do palco. Ele é actor e encenador de teatro. Ambos fazem parte do elenco da peça "Faces" que esteve em representação de 17 a 22 de Maios no Grande Teatro do Luxemburgo, numa encenação de Daniel Benoin, a partir do filme homónimo de 1968 de John Cassavetes. "Faces" é a uma tragi-comédia sobre um casal à beira da ruptura. Cansados da rotina do casamento, ambos vão procurar junto de dois profissionais do sexo o carinho que já não lhes é dado pelo parceiro. Helena e Paulo desempenham precisamente dois dos principais papéis da peça: Jeannie e Chet, a prostituta e o "gigolo".
Paulo confia que aceitou o convite porque gostou do elenco e porque além de adorar Cassavetes, achou interessante a ideia de o teatro "recuperar ideias do cinema, assim como a sétima arte o fez no seu início". Mas também porque era natural participar numa co-produção entre os Teatros da Cidade do Luxemburgo, a Primavera das Artes de Monte Carlo e o Teatro Nacional de Nice, cidade francesa onde vive e trabalha.
Helena, rosto conhecido da cena musical francesa desde 1989
- data do seu primeiro single "Lunettes Noires", banda sonora da famosa emissão "Lunettes noires pour nuits blanches" que Thierry Ardisson apresentou entre 1988 e 1990 -,
confia que, por sua parte, queria viver experiências novas, tentar fazer teatro e trocar Paris por Nice (onde a peça estreou em Setembro de 2007).
Apesar de ter já participado em alguns filmes, confessa-se novata nestas artes do palco e diz que não foi fácil desligar-se da forte impressão que lhe tinha deixado Gena Rowlands, a actriz que originalmente interpretava o papel no filme de Cassavetes e literalmente "habitava" a personagem.
Ambos confiam-se seduzidos pelos personagens que encarnam. Os dois prostitutos revelam-se pessoas bastante ternurentas e ironicamente mais tementes a Deus do que os outros personagens. "A peça fala de pessoas que vendem ou compram sexo, mas que procuram, na verdade, amor ou apenas carinho", analisa Helena. "Cassavetes tenta explorar todas as formas de amor, e até a fé como expressão de amor sublime". "Eu, gosto da história porque não é maniqueísta. Nenhum dos personagens é simplesmente bom ou mau", diz, por seu lado, o actor.
Confiam que "a peça é bastante física!". É que a encenação de Benoin coloca os espectadores, sentados numa vintena de sofás no meio do palco, no espaço em que os actores contracenam. Estes têm que utilizar quase todo o espaço, falar mais alto, correr. "Quando o actor está no meio do público, está em constante estado de tensão. Em palco, no fim de uma cena podemos ir para os bastidores e respirar. Ali não. Quando a acção se desloca para outro lado da sala, nós ficamos no meio do público e devemos continuar a nossa interpretação", explica Paulo.
Helena que além de cantora, também escreve (peças e romances) diz que "ser actriz é ter férias de si mesmo, é ser outro. Escrever é suportar-se!". Paulo concorda. "Os ensaios são difíceis, mas quando as deixas estão sabidas, ser actor é fácil, mais do que, por exemplo, encenador, que é alguém que tem de ocupar-se de quase tudo numa peça", diz o actor da sua experiência como encenador.
Das várias actividades que fazem o que peferem?, interpelamo-los.
"Utilizo suportes diferentes, mas é sempre para fazer a mesma coisa, contar histórias, seja quando canto, quando escrevo canções ou romances, ou como actriz, quando sou o vector de outra pessoa para contar uma história. Não tenho a impressão de ser padeira um dia e no outro astronauta. Sinto-me mais 'legítima' na música onde comecei, mas gosto de tudo o que faço e não gosto de hierarquizar", diz Helena.
Paulo, que começou como encenador, também gosta de mudar: ser actor um dia, no outro encenador. "É a liberdade de quem gosta do que faz e faz o que gosta!", concluem em uníssono.
Paulo já traduziu e encenou peças portuguesas, como "Às vezes neva em Abril"de João Santos Lopes, "que chegou a ser representada no Luxemburgo", diz. O actor conhece aliás o Grão-Ducado por ter por aqui passado integrando o elenco da peça "Festen", de Thomas Vinterberg, em 2003. Actualmente, está a traduzir uma outra peça de João Santos Lopes: é a história de dois casais com a questão da sida em pano de fundo.
O seu projecto imediato (estreia a 29 de Maio, em Nice) é "Stop the tempo", da autora romena, Gianina Carbunaru, e a que o actor quer imprimir "uma encenação cinematrogáfica de filme B", diz. A peça deve estrear em Janeiro de 2009 no Teatro des Capucins no Luxemburgo, que participa na produção. A actriz Valérie Bodson, conhecida dos palcos luxemburgueses, participa na aventura (bem como em "Faces").
Helena também já trabalhou com artistas portugueses. "A aventura com Rodrigo Leão (no álbum "Cinema", de 2004, canta dois temas) foi um acaso", relembra. O Rodrigo precisava de uma voz francesa. Ligou para o seu editor francês que achou boa ideia sugerir várias vozes, entre as quais a minha", conta. Rodrigo terá sucumbido ao charme da sua voz e fez a escolha. Quando a cantora chegou a Lisboa e se dirigiu ao compositor em português, ele ficou surpreendido e chegou a dizer-lhe: "Mas eu pedi uma francesa e mandam-me uma portuguesa?!" Finalmente foi muito positiva a participação sensual e acidulada da voz de Helena no álbum de Rodrigo Leão.
Para breve, a cantora tem dois concertos agendados para a digressão do álbum "Fraise Vanille" (2007), e está a adaptar a sua primeira peça para o cinema. Entretanto, Canal+ propos-lhe passar atrás da câmara para realizar um filme pornográfico (uma média metragem). E Paulo Correia, que não conhecia antes de "Faces", deverá ser um dos convidados para uma duas suas curtas-metragens, a que gosta de chamar "os meus pequenos filmes pop".
Contracenam ainda em "Faces", Valérie Kaprisky, François Marthouret, Valérie Bodson e Catherine Marques, entre outros.
Por esta ocasião, a Cinemateca do Luxemburgo está a propor até Julho uma retrospectiva da obra completa de John Cassavetes.
Os dois artistas confiam ter Lisboa no coração
Os dois artistas confiam ter Lisboa no coração
Quando perguntamos a este filhos de emigrantes portugueses o que lhes vem directamente à ideia quando lhes falamos de Portugal, Helena Noguerra responde instintivamente "Carne de porco à alentejana!" e Paulo Correia grita "Sporting!".
Os pais de Helena são da Beira Alta: a mãe, Lena (hoje já falecida), era de Mangualde e o pai, Alberto, de Arganil. A mãe estava grávida de Helena quando fugiram os três – com a pequena Wanda (Lio, que tinha na altura seis anos) para Bruxelas, onde Helena nasceu em 1968. Emigraram não só porque o pai de Helena era opositor ao regime de Salazar, mas porque a mãe deixara o pai de Wanda, Fernando, e o divórcio era interdito durante a ditadura (segundo a biografia de Lio no seu site internet).
Paulo Correia nasceu no bairro de Benfica em 1970, mas é sportinguista como o avô. Viveu em Lisboa até aos sete anos, após o que seguiu os pais quando estes emigraram para França.
Paulo, que ainda hoje guarda "orgulhosamente", diz-nos, a nacionalidade e o passaporte portugueses, mantém contacto com a cultura portuguesa através do teatro e de amigos como João Santos Lopes, de quem já traduziu e adaptou várias peças para francês.
Tanto Helena como Paulo adoram Lisboa, sobretudo deambular pelas ruas dos bairros típicos. Hoje assumem plenamente as suas raízes. Mas nem sempre foi assim.
"Comecei por negar as minhas raízes durante muito porque em miúdo queria ser como os meus colegas na escola. Havia muitas ideias preconcebidas em relação aos portugueses e durante muitos anos eu nem quis comer bacalhau, recusava falar português e tudo o que era português, nem queria ouvir falar em coisas como a Linda de Suza", conta.
Foi graças ao filme de Wim Wenders "Lisbon Story" (1994) que Paulo ficou com vontade de redescobrir a sua Lisboa natal. "Foi um processo edipiano", analisa, "primeiro tive que romper com a cultura e o Portugal dos meus pais, para depois poder redescobrir por mim próprio as minhas raízes culturais".
Helena teve um percurso idêntico, confessa, como aliás muitos filhos de emigrantes portugueses. Mas à nossa frente, é com saudade que ambos recordam as intermináveis viagens de carro para Portugal, com os pais, quando chegavam as férias de Verão.
Helena fala português como se de um código secreto se tratasse, revela. "Falo português com o meu pai e a minha irmã quando não queremos que outras pessoas percebam. Falo com a família quando vou a Portugal, mas em França, quando me falam em português, respondo instintivamente em francês", diz. "Até aos 30 anos, conhecia apenas o Portugal dos meus pais e não me interessava muito. Um dia, fui a Lisboa para a rodagem de um filme e redescobri a cidade e Portugal", recorda.
Explica-nos ainda que a adopção do nome artístico Noguerra, em detrimento do Nogueira baptismal, não foi por ter vergonha de ser portuguesa, mas porque é mais simples de pronunciar para os franceses, que constantemente lhe deturpavam o apelido. Mas também porque gostou da ideia que veiculava: "não à guerra - no guerra" (dixit).
A pergunta espinhosa: Helena e a sua irmã, Lio
A pergunta espinhosa: Helena e a sua irmã, Lio
Quando lhe falamos da irmã, Lio – de seu verdadeiro nome Wanda de Vasconcelos, estrela pop dos anos 80 e actualmente um dos membros do júri do programa "La Nouvelle Star", no canal M6 –, Helena diz que, durante as entrevistas, as perguntas recorrentes sobre a irmã já não a chateiam. Mas quando nos preparamos para o fazer, começa por dizer que "não se chateia… quando a previnem!". Confessa que já ultrapassou a questão da celebridade da irmã num dos romances que escreveu e que lhe serviu de catarse.
Apesar de no início da sua carreira ter dificuldades em separar a sua imagem da da irmã, após seis álbuns, seis filmes, dois romances, passagens pela televisão (como apresentadora da M6, na emissão "Plus vite que la musique", no fim dos anos 90) e pelo teatro, ao longo de quase 20 anos de carreira ("Lunettes Noires" data de 1989), Helena Noguerra soube conquistar o seu lugar ao sol no mundo do espectáculo e afirmar o seu talento e a sua personalidade muito próprios.
Um dos sonhos que ainda alimenta é ver o seu nome em grande no cartaz luminoso do Olympia de Paris e aí apresentar um dos seus álbuns.
José Luís Correia (in Contacto, 21.05.08)
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