História do português que quis ser o senhor do café
1659 - Obrigado a exilar-se em Amsterdão e após um desastroso desaire financeiro na Bolsa, um judeu português deixa-se seduzir por uma misteriosa holandesa pouco recomendável que o vai levar a descobrir uma bebida que até aí pensava apenas receitada para uso medicinal. O líquido de bréu (o Papa chama-lhe "a bebida do Demo") proveniente do esmagamento astucioso dos grãos pretos numa mistela à qual se acrescenta água ou leite (e não vinho!, como o protagonista neófito virá a fazer a amarga experiência) deixa um travo forte e aveludado na língua, um misto agri-perfumado nas papilas e acende os sentidos, apura-os.
Ahhhh... O café não enfeitiça nem entorpece como o vinho. Bem pelo contrário, excita o sangue nas veias, faz pulsar as têmporas, rufar o peito, irrompem ideias acotovelando-se pelo pensamento, efervescem aos empurrões as sensações, impertinentes, insolentes. É o efeito secundário do café ou nosso verdadeiro ego libertando-se dos pudores morais e sociais? Que fazer quando a extremosa esposa do irmão, ébria da cafeína de alguns grãos furtados ao saco que ele deixara no seu quarto inadvertidamente, o interpela sem recato e despudorada se declara a ele?
A holandesa vai persuadir o português a investir no café, numa verdadeira operação de especulação bolsista, digna de um golden boy de Wall Street. Como já não tem quase nada a perder, o judeu aceita e planeia tudo: desde as manigâncias pelos becos escuros e enlameados da cidade do Amstel até à encomenda arriscada que faz à mui poderosoa Companhia das Indias, que detém o monopólio do comércio do café com o Oriente, donde provém essa novidade bizarra. Quando as caravelas chegarem com a enorme quantidade de café encomendada em seu nome, comerciantes contratados pelo português nos quatro cantos da Europa vão comprar todo o café existente nos principais portos do continente, exactamente na mesma data. O valor do café vai subir e ele, único dono e senhor de todo o café da Europa, vai vendê-lo ao preço que muito bem lhe apetecer. Nenhum comerciante poderá fazer-lhe concorrência e mesmo que a Companhia das Indias queira reagir, os seus navios com novos carregamentos de café só chegarão muitos meses depois. O tempo suficiente para ele fazer fortuna.
Mas será que o Ma'amad, o temível Conselho dos Judeus, vê com bons olhos esse negócio entre um digno filho de Israel e uma vil holandesa? Sem contar com os seus inimigos e credores, que de uma viela ou do quarto ao lado, o espiam, perseguem, e ameaçam fazer falhar "o golpe do século"...
"The Coffee Trader", David Liss (Random House, New York, 2003)
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