quando a espada te atravessa tão repentinamente, ainda a sentes?
quando o punhal foi tão fundo que tu já não sabes se é dor que desatina sem doer, ainda é golpe?
quando o sangue te escorre das mãos e ainda está quente, ainda é teu?
quando já não ouves o estrondo do tiro e vês o buraco negro no teu peito fumegante, é a altura certa para saberes que deves morrer?
quando a queimada devasta mais uma vez a terra e ela já não é combustível, o que mais há para arder?
quando perdes pé e sabes que o mar te vai encher as goelas e as narinas e as órbitas dos olhos, ainda estás vivo para pensar nisso tudo?
quando o deserto te queima os pulmões com pó, ainda tens sede?
quando passas a voar pelo 10° andar a caminho do solo, ainda sentes as tuas veias a pulsar arrepiadas?
quando te desintegras num só sopro de explosão, para onde vais?
quando o sol fica negro e já não é dia nem é noite, onde estás?
quando todos te dizem que és um monstro, deves continuar a viver?
...
Docilmente, ajoelhas-te perante os teus carrascos,
de olhos bem abertos vês a verdade nos seus,
deitas a cabeça no madeiro,
entregas a nuca nua à justiça,
a multidão em delírio cala-se ofegante,
o céu respira uma, duas vezes,
durante uns breves instantes tens a sensação que consegues ouvir o sol a arder.
De repente já não ouves, não sentes nada.
A mão do anjo veio intervir por ti e paralisou o derradeiro momento?
Já podes levantar os olhos?
Se o teu sangue não escorre à tua volta, é bom sinal?
Quando já não há multidâo, nem gume, nem céu,
e o sol ficou como bréu e já não é dia nem é noite, onde estás?
AGW170107
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Segunda parte do poema postado em 17/01/2007 (e eu que sempre detestei ser clarividente!)
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1 comentário:
negra escrita, mas poderosas imagens, às vezes faz falta dizer assim as coisas bem contra a parede
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