sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Serviço Voluntário Europeu: "Uma experiência única"

Carla Sofia Sousa Miranda em entrevista com o nosso redactor José Luís Correia 
Foto: Tessy Hansen 

Carla Sofia Sousa Miranda tem 22 anos, mora no Bairro da Ameixoeira, em Lisboa, e esteve durante dez meses a fazer o "Serviço Voluntário Europeu" (SVE) no Luxemburgo, no seio da Confederação da Comunidade Portuguesa do Luxemburgo (CCPL).

É formada em Estudos Europeus pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Antes de fazer o programa SVE já fizera o programa "Leonardo da Vinci" em 1998, ficando interessada pelo SVE desde essa altura, mas só se viria a decidir a seguir este programa depois de terminado o curso.

Porquê a CCPL? Carla diz ter-se candidatado a vários projectos do SVE para a França, Inglaterra e Luxemburgo. A motivação das suas escolhas fizeram-se pelo tema do projecto, mas também pela língua do país que a iria acolher. Estabeleceu contactos com outros projectos no Luxemburgo, mas optou pelo da CCPL.

"A maior parte dos outros projectos neste país tinham um âmbito mais social e cultural, com jovens e crianças das 'Maison de Jeunes' e 'Foyers de Jour'. Eu preferi a CCPL porque, além de poder vir a trabalhar com jovens, o projecto era mais abrangente e não se resumia apenas a isso", explica.

A decisão também foi influenciada pelo seu currículo académico. "Este projecto enquadrava-se melhor nos meus projectos futuros e no curso que eu tinha feito. Formei-me em Estudos Europeus, onde abordámos, inclusive, a emigração portuguesa no Mundo. Eu tinha também curiosidade em conhecer essa realidade", conta-nos.

Um país de várias comunidades 

O primeiro contacto com a comunidade portuguesa no Grão-Ducado correspondeu positivamente às suas expectativas.

"O que estudei em termos teóricos adapta-se perfeitamente ao Luxemburgo, embora na prática as coisas se revelassem diferentes. Os portugueses neste país tem características bem específicas e são um caso completamente à parte do resto da emigração portuguesa. Nunca imaginei vir encontrar uma comunidade tão fechada sobre si própria. Pensava que existia uma maior homogeneidade entre a comunidade portuguesa e a sociedade luxemburguesa. O Luxemburgo é um país de várias comunidades, de várias sociedades e é pena que assim seja, porque perde muito!"

"Mas o balanço do estágio é positivo", afiança, "foi bom trabalhar com a comunidade portuguesa, não conhecê-la apenas na teoria, mas saber quais são as suas necessidades, problemas e lutas".

Em termos culturais, profissionais e até pessoais revela-nos que sente que cresceu e evoluiu.

"Este estágio permitiu-me ter as primeiras experiências com o mundo do trabalho. Como se trata de um serviço de voluntariado não tinha um trabalho rígido, tinha flexibilidade horária. Como a CCPL é uma associação onde só colaboram voluntários, por vezes senti que pesavam demasiadas responsabilidades sobre mim, mas, simultaneamente, sentia que me atribuíam crédito para poder trabalhar livremente; que o meu trabalho era útil e que as pessoas confiavam em mim. Graças a isso, hoje tenho mais certezas sobre o que quero fazer, sei o que sei fazer melhor e as formas como gosto de trabalhar. Aprende-se muita coisa a viver num país do centro da Europa, tão parecido com a Alemanha, onde as pessoas são mais frias que em Portugal, mas mais metódicas e rigorosas. Os portugueses tendem a ser mais desorganizados, mas, face a um problema são mais inventivos e improvisam".

Carla admite que nem todos os SVE são como este, mas acredita que constituem sempre "uma experiência única". "É sempre positivo deixar o país, conhecer outras coisas, alargar horizontes", defende.

Segundo Carla, em Portugal uma experiência como estas, no estrangeiro, é considerada uma mais-valia no mercado do trabalho. E ficou tão entusiasmada que, entretanto, conseguiu convencer mais dois jovens do seu curso a trabalharem, este ano, para o projecto da CCPL, integrados no SVE.

Os dois jovens, Filipe Santos e Miriam Mateus já chegaram ao Luxemburgo, onde deverão permanecer até Julho de 2004.

Quanto à Carla, e depois deste projecto, procura algo que se enquadre no curso que fez, seja no âmbito dos assuntos europeus ou no do património e gestão cultural, em Portugal ou no estrangeiro, equacionando, inclusive, voltar para o Luxemburgo ou ir viver para França. Para mais informações sobre o SVE pode consultar, na net o site www.injep.fr/prog/SVE/jeunes.html ou a Agence National luxembourgeoise du Programme Jeunesse, tel. 4786477 (Myriam Putzeys).

José Luís Correia
in CONTACTO, 26/09/2003

sábado, 3 de setembro de 2005

Que lei, para quem? Touros de morte em Barrancos: contra!

Quando uma aldeia inteira apela à tradição para legitimar as práticas mais cruéis e sanguinolentas, pergunto-me afinal em que século estou?!

Esta manhã devo ter acordado na Idade Média ou numa época ainda mais recuada, em que se faziam ainda sacrifícios de animais de oferenda aos deuses. Afinal o homem evoluiu mas a sua bestialidade ficou?

É que esta manhã, fiquei de tal maneira enjoado e enojado que perdi a fome para o resto do dia, ao ler nos jornais e na televisão que a aldeia raiana de Barrancos continua a fincar o pé como um "gaiato teimoso e embirrento", contra todo o país e todas as leis se for preciso, e vai mesmo avançar, novamente, apesar das decisões dos tribunais, com mais uma Corrida de Touros de morte, durante as festas locais dedicadas a Nossa Senhora da Conceição.

Conhecendo bem tudo o que gira em torno da festa brava, por minha mãe ter durante muito tempo servido na casa de uma grande família de toureiros alentejanos, fui percebendo o orgulho alentejano, o gosto pelos cavalos, o respeito pelos touros. Respeito, é esse o sentimento que o toureiro tem pelo touro quando o enfrenta na arena. Depende da pujança e da "raça" do touro que a sua lide seja um espectáculo ou um "flop".

Ao contrário do que muita gente pensa, na "tourada à portuguesa", o touro não é morto ao sair da praça: primeiro retiram-lhe as farpas e é de imediato tratado. Muitos touros voltam às suas ganadarias e aos seus montados, onde poderão ser escolhidos para voltarem a ser toureados; outros são guardados pois a sua estirpe e qualidades de toureio exigem que ele perpetue a sua "raça", multiplicando os novilhos.

O que está aqui em causa, nesta discussão, é a morte gratuita de um animal, para fins puramente de diversão popular. O que nos termos da nossa sociedade dita civilizada é uma aversão, enquanto contrariedade, já que agimos comos animais e não como seres civilizados.

Não estou aqui para defender a tourada à portuguesa, cuja tradição é não matar os touros. Quero é manifestar o meu repúdio à morte gratuita, imputada a um animal, para puro delírio dos homens. Também a tourada à portuguesa tem o seu grau de crueldade. Por isso, sou, hoje, contra qualquer tipo de tourada.

Mas, a haver tourada, a portuguesa ainda pode ser considerada a mais equitável e digna, em relação à espanhola. Na portuguesa, há o toureiro que espicaça o touro de forma a instigá-lo a mostrar a sua fúria e "raça", e há também a figura do forcado que enfrenta o touro de mãos nuas, face a face. Aqui a luta sempre é mais equitável.

Já na tourada à espanhola o touro é picado pelos "picadores" de forma a ficar enfraquecido para que a tarefa do "matador" seja facilitada. Também aqui, o homem enfrenta o touro face a face, mas acaba por matá-lo.

É a superioridade do homem sobre o animal. Não haverá outras formas menos cruéis de exortar a nossa condição de seres "supostamente" superiores? Mais do que estas considerações todas, e sejamos contra ou a favor, há uma lei que fica por cumprir e à qual, um grupo de pessoas, quer fazer ouvidos moucos. A lei é para todos, e não há excepções, é o que nos ensinam.

A tradição não pode ser desculpa para excepções, e para que se continuem a perpetuar acções como estas, que em nada dignificam o ser humano e, neste caso preciso, Portugal e os portugueses. E se algum barranquenho argumentar que mais valia ser espanhol, eu respondo: com portugueses assim, quem precisa de espanhóis?

José Luís Correia 
(in jornal CONTACTO, 03/09/1999)