sebenta de anotações esparsas, pensamentos ociosos, reflexões cadentes, poemas difusos, introspecções de uma filosofia mais ou menos opaca dos meus dias (ou + reminiscências melómanas, translúcidas, intra e extra-sensoriais, erógenas, esquizofrénicas ou obsessivas dos meus dias)
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cahier de notes éparses, pensées oisives, réflexions filantes, poèmes diffus, introspections d'une philosophie plus ou moins opaque de mes journées (ou + de réminiscences mélomanes, translucides, intra-sensorielles et extra-sensorielles, érogènes, schizophrènes ou obsessionnelles de mes journées)

quarta-feira, 31 de agosto de 2005

Editorial: Portugal no divã

Portugal, "o país dos tristes", escrevia há dias Filipe Rodrigues da Silva, na sua crónica do "Diário Digital", apoiando-se em resultados do Instituto Alemão de Estudo do Trabalho, segundo o qual os portugueses são os cidadãos mais deprimidos de toda a União Europeia dos 15.

E a verificação faz-se no terreno! Em Portugal, quando saímos à rua, só se veêm rostos descompostos, testas franzidas, olhares alheados, pestanas sorumbáticas, ombros descaídos, corpos à deriva. É a crise ou o sermos tristes é uma característica idiossincrática portuguesa?

Já não me lembro se era numa história do famoso gaulês de capacete de asas aladas do Uderzo e do Goscinny que diziam que os celtiberos (leia-se espanhóis) eram esfuziantes, com o seu sapateado de talão forte (futuro flamenco), enquanto os lusitanos do alto alcantil já lamuriavam o seu fado...

Sempre fomos assim ou têm sido os sucessivos e incompetentes governos que afundaram a economia e a moral dos portugueses?

Neste momento somos um país de velhos, que se deixam ficar sentados a ver girar o Mundo, enquanto o quintal arde. Absortos em ontens gloriosos, coçando em êxtase o bigode anacrónico, envergando o pijama de império já roto no traseiro flácido. Só trocamos as ceroulas de flanela pelos calções demasiado curtos e deslavados do clube bairrista.

Regressámos à meninice. Em Portugal não há adultos. Isso obrigaria a aceitar responsabilidades e a prever o futuro, ou seja, governar. Tanto ao nível estatal como individual. O nosso país é um "desgoverno", gangrena que mina tanto a sociedade civil como a classe política, que a imita e reproduz. Ou será o contrário?

Governar é uma disciplina demasiado obscura, complicada e carece do imediatismo que lhe exigem as mentes obtusas. O Passado e a futebolística - esta última, ciência nacional por excelência - são as únicas matérias nobres que merecem palestras públicas mediáticas que resultam em acesas discussões e vivas polémicas, enquanto o país se desinteressa de si mesmo.

Que mais estimula o país? Os assuntos abaixo da cintura ou de dor de chifre do jet-set, por ecrã interposto ou nas fotos em papier glacé. E as inadiáveis idas à praia ao fim-de-semana - único lazer ainda gratuito -, e à nova loja do incontornável e atractivo centro comercial.

O país está reduzido a cinzas, mas já não se comove. Esmera-se no olvido colectivo. Além das nuvens de fumo negro que lhe toldam o horizonte, num espantoso exercício anti-mnemónico, faz delete ao emprego precário, às rendas em atraso, aos impostos que incham, ao ordenado nunca garantido, às facturas por pagar, ao débito que cresce no cartão de crédito, à frustração, à depressão e vai vivendo a sua própria "vidinha".

Na apatia geral alastra a prática nacional do "salve-se quem puder, que eu já estou safo", o egotismo, o egoísmo, o deixa-andar, o desleixe português, o adiamento constante do essencial.

Só assim se explica que:
a) continuemos a não investir suficientemente na Educação, única semente capaz de germinar um Futuro verdadeiramente prometedor;
b) a crise se arraste sem luz visível ao fundo do túnel, sem se aplicarem medidas eficientes, enquanto muitos, preferindo esquecer a lição socrática, voltam a nutrir no seu sebastianismo mórbido esperanças em presidenciais messiánicas;
c) tenhamos reagido tão tarde para apelar à ajuda internacional no combate aos incêndios, gastando rios de dinheiro em submarinos para combater inimigos-fantasma em vez de investirmos em meios aéreos para apagar os fogos, em muitos dos casos, postos.

Paradoxalmente, continuamos a esbanjar o "ouro azul" para que a relva continue a crescer bem verde nos hotéis dos turistas e a meter água nas decisões políticas, quando esta seria bem mais necessária nas matas que ardem.

José Luís Correia 
in CONTACTO 31/08/2005

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